O húngaro László Krasznahorkai vence Nobel da Literatura

 O húngaro László Krasznahorkai vence Nobel da Literatura

László Krasznahorkai escritor húngaro frequentemente comparado a Kafka, venceu o Prémio Nobel da Literatura. (Créditos fotográficos: Gyula Czimbal – expresso.pt)

O Prémio Nobel da Literatura de 2025 foi atribuído ao escritor húngaro László Krasznahorkai, que não pensava ser escritor, “pela sua obra convincente e visionária que, no meio de um terror apocalíptico, reafirma o poder da arte”, anunciou, a 9 de outubro, em Estocolmo, Mats Malmo, secretário permanente da Academia Sueca no Prémio Nobel. Este responsável observou que falou, ao telefone, com o autor, o qual se encontrava em Frankfurt, tendo apenas discutido pormenores práticos sobre a cerimónia de entrega do Nobel, a 10 de dezembro, em que lhe será, formalmente, entregue o valor pecuniário do prémio, fixado em 11 milhões de coroas – equivalente a cerca de um milhão e quatro mil euros.

O escritor László Krasznahorkai. (newyorker.com)

O autor de romances, contos e guiões, além de trabalhar com o realizador Béla Tarr, era o escritor que liderava a preferência nas casas de apostas.

De acordo com o Comité Nobel, László Krasznahorkai “é um grande escritor épico da tradição da Europa Central, que se estende de Kafka a Thomas Bernhard, e caraterizado pelo absurdo e pelo excesso grotesco”.

Em Portugal, tem publicado “O Tango de Satanás” (“Sátántangó”) e está previsto que chegue hoje (13 de outubro), às livrarias nacionais, a obra “Herscht 07769”, publicada pela editora Cavalo de Ferro.

O filme “O Tango de Satã” (“Sátántangó”), dirigido por Béla Tarr. (mubi.com/pt)
Poster de relançamento do filme, em 2019. (en.wikipedia.org)

“O Tango de Satanás”, publicado em 1985 (e cuja 1.ª edição portuguesa, em tradução de Ernesto Rodrigues, em 2018, para a editora Antígona), é a obra de estreia de László Krasznahorkai, que permite entrar, de corpo e alma, numa pluviosa experiência hipnótica, e sentir que, tal como uma teia de aranha em recantos escuros, se deposita na mente como fina fuligem existencial.

Logo a seguir à queda do regime comunista, uma pequena comunidade agrícola isolada e ao abandono, na planície húngara, batida pelo vento e pela chuva incessante, confronta-se com o regresso inesperado do misterioso Irimiás – demónio ou messias, trapaceiro ou salvador da aldeia? –, que se havia deixado para morrer, que se julgava morto e que dividirá, para a conquistar.

Dança de esperanças e de fracassos, “O Tango de Satanás” constitui uma meditação sobre a crença em falsos profetas, no rescaldo de utopias falhadas, sobre os passos que damos, à beira do abismo, e sobre as histórias que contamos para sobreviver e para iludir.

Capa da primeira edição (na Hungria). (en.wikipedia.org)

Em 1994, deu origem ao filme de culto homónimo, realizado por Béla Tarr.

Como escreve Ana Pina, no Jornal Económico, a 10 de outubro, “essa exploração teológico-filosófica das profundezas da miséria humana segue a par da reflexão política sobre os destroços da Hungria soviética, a única realidade que o autor conhecia à altura da sua escrita”.

E, logo a seguir: “A obra apresenta traços pós-modernistas formais, como a falta de pontuação, o texto corrido sem parágrafos e capítulos estruturados como os passos de um tango, do I ao VI e do VI de volta ao I.”

Por seu turno, “Herscht 07769” gravita em torno de Florian Herscht, gigante meigo e ingénuo, visto pelos habitantes de Kana, como o “idiota da aldeia”, que está convicto de que o Mundo se aproxima do fim e que, por isso, escreve à chanceler Angela Merkel cartas obsessivas sobre o perigo de uma catástrofe iminente. Além disso, trabalha numa empresa de lavagem de paredes, sob a alçada de Boss, o líder de um grupo neonazi local e fanático por Johann Sebastian Bach. Com a ajuda do seu pelotão e de Florian, Hugo Boss está empenhado em apanhar o artista que anda a conspurcar, com “grafitis” de cabeças de lobo, vários monumentos dedicados ao compositor alemão, naquela pequena cidade esquecida da Turíngia Oriental. O caos instala-se, quando lobos verdadeiros são avistados na zona.

(Direitos reservados)

O autor espelha, na obra, a História Europeia do século XXI e foca-se em alguns dos principais conflitos ideológicos que a assolam: a globalização, o fascismo, a ecologia e o colapso social, decorrentes da clivagem ideológica. 

O escritor húngaro László Krasznahorkai, de 71 anos, ganhou o
prestigiado Nobel da Literatura 2025. (teoriageek.com.br)

Segundo Ana Pina (ibidem), “é uma sátira devastadora e profética que aborda a desintegração social e o colapso ecológico, o nacionalismo e o globalismo, e a linha ténue que separa a civilização da barbárie. ‘Herscht 07769’ é, pois, o grande romance sobre a Europa do século XXI, escrito numa única frase vertiginosa e no estilo inconfundível do mestre húngaro László Krasznahorkai.”

Refere a ainda a articulista que, a anteceder a narrativa, Krasznahorkai deixa uma mensagem cristalina: “A esperança é um erro.” Adiantando o autor: “E lança-se num só fôlego. Para ‘Angela Merkel, chanceler da República Federal da Alemanha, Willy-Brandt-Strasse 1, 10557 Berlim’, foi isto que escreveu no destinatário. E, depois, ‘Herscht 07769’ no habitual canto superior esquerdo do remetente, isto e nada mais, como que para sugerir a natureza confidencial do assunto, e também porque pensou que não valia a pena desperdiçar muitas palavras com uma referência a si próprio no envelope, já que, com base no código postal, os correios haveriam de direcionar, imediatamente, a resposta para Kana. Ali, em Kana, logo o encontrariam pelo nome; e, no que à substância dizia respeito, estava lá tudo no papel de carta meticulosamente dobrado em quatro e posto no seu lugar, tudo pelas suas próprias palavras, começando por a ‘Senhora Chanceler, enquanto douta cientista’.”

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László Krasznahorkai nasceu em Gyula, na Hungria, a 5 de janeiro de 1954, numa família judia de classe média por parte de pai (a qual só lhe revelou a origem judaica, aos 11 anos). O pai era György Krasznahorkai, advogado, e a mãe, Júlia Pálinkás, administradora da previdência social.

Castelo gótico quadrangular em Gyula, na Hungria. (us.mozaweb.com)

Concluído o ensino médio, em 1972, na escola Erkel Ferenc, onde se especializou em Latim, estudou Direito, de 1973 a 1976, na Universidade József Attila (JATE) (atual Universidade de Szeged); e, de 1976 a 1978, na Universidade Eötvös Loránd (ELTE) (antes, Universidade de Budapeste). Após concluir os estudos de Direito, formou-se em Língua e Literatura Húngaras, na ELTE. Como requisito do trabalho de graduação, elaborou uma tese formal sobre o trabalho e as experiências do escritor e jornalista húngaro Sándor Márai (1900-1989), tendo este fugido da Hungria, em 1948, para escapar do regime comunista, que tomou o poder após a II Guerra Mundial (Márai viveu no exílio na Itália e, mais tarde, em San Diego, na Califórnia).

Horizonte com a Ponte das Correntes , as margens do Danúbio , o Castelo de Buda e a Colina Gellért, em Budapeste. (en.wikipedia.org)

Durante o tempo de estudante universitário em Budapeste, Krasznahorkai trabalhou na editora Gondolat Könyvkiadó, até receber o seu diploma, em 1983.

Desde que completou os estudos universitários, sustentou-se como autor independente. Quando, em 1985, a sua primeira grande publicação, “Sátántangó”, alcançou sucesso, foi colocado na vanguarda da vida literária húngara. Este romance distópico ambientado na própria terra natal, a Hungria, é considerado a sua obra mais famosa, pelo que recebeu o prémio de melhor livro traduzido em Inglês, em 2013.

Depois de residir em Berlim, na Alemanha, durante vários anos, onde, durante seis meses foi professor convidado Samuel Fischer da Universidade Livre de Berlim, o escritor magiar László Krasznahorkai reside, atualmente, “como um recluso nas colinas de Szentlászló”, no Sul da Hungria. Depois de se divorciar da primeira esposa, Anikó Pelyhe, com quem casou em 1990, firmou um segundo casamento com Dóra Kopcsányi, sinologista e designer gráfica, em 1997. Tem três filhos: Kata, Ágnes e Emma.

Em 1987, viajou para fora da Hungria comunista, pela primeira vez, passando um ano em Berlim Ocidental, como beneficiário de uma bolsa do Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD), e morou em vários lugares. Em 1990, passou significativa quantidade de tempo no Leste da Ásia, tendo sido com base nas suas experiências na Mongólia e na China que escreveu “Az urgai fogoly” (“O prisioneiro de Urga”) e “Rombolás és bánat az Ég alatt” (“Destruição e tristeza sob os céus”). E voltou, muitas vezes, à China.

(Direitos reservados)

Em 1993, com o romance “Az ellenállás melankóliája” (“A Melancolia da Resistência”), recebeu o prémio alemão Bestenliste, pelo melhor trabalho literário do ano. Em 1996, foi convidado do Wissenschaftskolleg (instituição de pesquisa cuja missão principal é a promoção de pesquisadores visitantes), em Berlim. Ao completar o romance “Háború és háború” (“Guerra é Guerra”), viajou muito por toda a Europa. O poeta americano Allen Ginsberg serviu-lhe de valiosa ajuda na conclusão do trabalho; e Krasznahorkai residiu, durante algum tempo, no apartamento de Ginsberg, em Nova Iorque, e classificou os conselhos amigáveis do poeta como valiosos para dar vida ao livro.

Em 1996, em 2000 e em 2005, passou seis meses em Quioto. O contacto com a estética e com a teoria literária do Extremo Oriente provocou mudanças significativas no seu estilo de escrita e nos temas destacados. Retorna, frequentemente, à Alemanha e à Hungria, mas também passou períodos variados em vários outros países, incluindo os Estados Unidos da América (EUA), a Espanha, a Grécia e o Japão – o que inspirou o seu romance “Seiobo There Below” (“Seiobo Lá em Baixo”), que venceu o Prémio de Melhor Livro Traduzido, em 2014.

O filme “Damnation”, segundo diz Tarr, “é sobre a paisagem, os elementos e a natureza, sobre um mundo único no qual nada resta”. (walkerart.org)

A partir de 1985, o renomado diretor e amigo Béla Tarr fez filmes, quase exclusivamente, baseados nas obras de Krasznahorkai: “Kárhozat” (“Damnation”), em 1988; “Sátántangó” (“O Tango de Satanás”), em 1994; “Werckmeister harmóniák” (“Harmonias de Wermeister”), entre 1997 e 2001; “A Londoni férfi” (“O Homem de Londres”), em 2007; “A torinói ló” (“O cavalo de Turim”), em 2011. Contudo, neste ano, avisou que o filme seria a última colaboração entre o escritor e o cineasta.

Krasznahorkai recebeu elogios internacionais dos críticos. Por exemplo, Susan Sontag descreveu-o como “o mestre húngaro do apocalipse contemporâneo que inspira comparação com o russo Nikolai Vasilievich Gogol e com o norte-americano Herman Melville”. Winfried Georg Sebald observou: “A universalidade da visão de Krasznahorkai rivaliza com a das ‘Almas Mortas’ de Gogol e ultrapassa, em muito, todas as preocupações menores da escrita contemporânea.” 

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László Krasznahorkai escreveu sete romances, dos quais dois estão traduzidos em Português. Um deles, “O Tango de Satanás” (pela Antígona), o livro de estreia originalmente publicado em 1985, viria a ser a base para o longo filme que Béla Tarr dirigiu em 1994. O outro, “Herscht 07769”, o seu penúltimo romance, de 2021, acabou de ser lançado pela Cavalo de Ferro. O programa do festival literário Folio, cuja 10.ª edição está a decorrer em Óbidos (desde o dia 10 e até19 de outubro), inclui a presença do autor nos próximos dias 18 e 19.

Todavia, Krasznahorkai também escreveu contos, novelas, um diário e ensaios.

O autor, que assume dever influências a Franz Kafka, a Samuel Beckett e a Nikolai Gogol, é tido por Anders Olsson, presidente do Comité Nobel, como “um grande escritor épico da tradição da Europa Central, que se estende de Kafka a Thomas Bernhard”.

László Krasznahorkai  foi vencedor do Prémio Formentor, em 2024.
(Créditos fotográficos: P. Estelrich – diariodemallorca.es)

Em 2015, foi o primeiro autor húngaro a receber o Prémio Internacional Man Booker.

Numa entrevista ao diário espanhol The Objective, em 2024, a propósito de lhe ser outorgado o Prémio Formentor, explicou: “Não entendo os vencedores, pois o que ganham eles ao derrotar alguém? O que ganham não é nada para mim. Eles também não sobreviverão. Em contrapartida, entendo a derrota. Entendo-a, porque sinto compaixão pelo perdedor. Portanto, só se pode escrever a partir da compaixão.”

Depois de, em 2024, a distinção do Nobel ter recaído sobre a sul-coreana Hang Kang e de, em 2023, o contemplado ter sido o norueguês Jon Fosse, em 2025, as apostas davam a László Krasznahorkai o primeiro lugar na lista de favoritos. Seguiam-se autores, sobretudo, asiáticos, como a chinesa Can Xue, o japonês Haruki Murakami e o indiano Amitav Goss. Imediatamente depois, vinham a mexicana Cristina Rivera Garza, o espanhol Enrique Vila Matas, o australiano Gerald Murnane e o romeno Mircea Cartarescu. Segundo o site de apostas online Nicer Odds, António Lobo Antunes era o primeiro escritor de língua portuguesa a ser referido, ocupando o 18.º lugar. E, em algumas posições abaixo, surgiam os moçambicanos Mia Couto e Paulina Chiziane, e os brasileiros Adélia Prado e Milton Hatou.

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László Krasznahorkai afirmou-se “profundamente feliz” pela distinção, uma vez que a índole do galardão prova que a literatura ainda é lida e existe por si mesma. “Estou profundamente feliz, por ter recebido o Prémio Nobel, sobretudo, porque este prémio prova que a literatura existe por si só, além de diversas expectativas não literárias, e que ainda é lida. E para aqueles que a leem, oferece uma certa esperança de que a beleza, a nobreza e o sublime ainda existem por si mesmos. Pode oferecer esperança mesmo àqueles em quem a vida em si apenas se esvai”, afirmou o autor de “O Tango de Satanás”, numa declaração por escrito, enviada à agência Lusa.

A Academia Sueca anunciou, na manhã de quinta-feira (9 de outubro), que
o Prémio Nobel de Literatura de 2025 foi atribuído a László Krasznahorkai.
(Créditos de imagem: Niklas Elmehed / Reprodução – escotilha.com.br)

“Confie, mesmo que pareça não haver motivo para tal”, remata László Krasznahorkai, que assinou os argumentos de diferentes filmes do cineasta húngaro Béla Tarr.

O novo romance de László Krasznahorkai, “Herscht 07769”, numa tradução de João Miguel Henriques, é publicado pela editora Cavalo de Ferro, que o considera uma “sátira devastadora sobre o Mundo e a política de hoje”, ou seja, “o grande romance sobre a Europa do século XXI, escrito numa única frase vertiginosa”, que aborda “a desintegração social e o colapso ecológico, o nacionalismo e o globalismo, e a linha ténue que separa a civilização e a barbárie”.

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É justo que o Nobel da Literatura seja atribuído a um autor ou a uma autora capaz de congraçar a veia artística com o conhecimento e com a interpretação do Mundo, impulsionando as mentes para a transformação das nossas sociedades, de modo que se tornem mais justas, mais progressivas e mais fraternas, enfim, mais humanas.

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13/10/2025

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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