Há confiança na política climática, mas desinformação lança dúvidas
Plataforma petrolífera do Mar do Norte. (Créditos fotográficos: Gary Bembridge, de Londres – pt.wikipedia.org)
Um novo relatório da organização de vigilância Climate Action Against Disinformation (CAAD) analisou a desinformação climática e os principais atores que a alimentam, tendo verificado um aumento acentuado de conteúdos enganadores ligados à próxima conferência climática da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP30 (30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas), que decorre a partir de hoje (10 de novembro), em Belém do Pará, no Brasil, até ao dia 21 de novembro.
Assim, de acordo com um inquérito (ou de uma série de estudos) de 2024, da Nature Climate Change, embora a maioria da população mundial (87%) apoie políticas para enfrentar as alterações climáticas, a desinformação climática continua disseminada, sobretudo online, e gera ceticismo. E, segundo a YouGov, entre 62% e 76% dos europeus estão preocupados com as alterações climáticas.

Porém, é de clarificar a diferença significativa entre informação errónea e desinformação. Informação errónea é conteúdo falso ou fora de contexto, apresentado como facto, ao passo que desinformação é conteúdo deliberadamente falso, feito para enganar o público.
Em abril, o CAAD e o Observatory for Information Integrity (OII) detetaram o aumento de 267% na desinformação conexa com a COP, tendo identificado cerca de 14 mil exemplos online. Um caso ilustrativo foi uma publicação, criada por inteligência artificial (IA) generativa, com um repórter numa cidade inundada semelhante a Belém, onde decorre a COP30. O vídeo apresentava o título “A verdade sobre a COP30 em Belém, em 2025” para atrair visualizações. Porém, o repórter, a cheia e a cidade eram fictícios.
Uma análise recente do OII concluiu que a COP30 era tema recorrente em grupos brasileiros, no Telegram, dedicados a teorias da conspiração. O OII identificou mais de 285 menções à COP30: atacavam a conferência, Belém e soluções climáticas em geral.
A desinformação climática, à escala global, tem sido promovida também pelo presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, o qual, em setembro, designou as alterações climáticas como a “maior fraude”.

O novo relatório do CAAD analisa os principais atores que contribuem para o ecossistema de desinformação, travando a ação climática, ao semearem dúvidas junto dos públicos. Empresas que queimam combustíveis fósseis para energia e transportes e a agricultura de grande escala (a Big Carbon) são dos principais disseminadores de desinformação climática. “A desinformação da Big Carbon é concebida para levar as pessoas a subestimarem a força do consenso científico sobre as alterações climáticas. […] Está também a levar as pessoas a subestimarem a força da solidariedade na exigência de ação”, lê-se no relatório.
Também as empresas tecnológicas têm responsabilidade, ao permitirem que estas mensagens se propaguem sem controlo. Tais problemas, que não são novos, já afetaram conferências do clima.
Um anterior relatório do CAAD concluiu que, nas vésperas da COP28, empresas de combustíveis fósseis, como a Shell, a ExxonMobil, a BP e a TotalEnergies (responsáveis por 98% dos anúncios), pagaram até cinco milhões de dólares (4,3 milhões de euros) por anúncios de desinformação climática no Facebook. “Ao espalhar-se, de forma rápida e barata, através de redes sociais de motores de busca online (Big Tech), esta desinformação está a minar políticas e a sabotar a ação”, diz o novo relatório.

Pela primeira vez, uma conferência do clima inclui a Global Initiative for Information Integrity on Climate Change, um esforço conjunto do governo brasileiro, da ONU e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), dedicado a reforçar a investigação e as medidas para enfrentar campanhas de desinformação
No Leaders Summit de 6 de novembro, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente francês, Emmanuel Macron, alertaram para os perigos da desinformação climática. “Forças extremistas fabricam notícias falsas, para obterem ganhos eleitorais e aprisionam as gerações futuras num modelo ultrapassado que perpetua desigualdades sociais e económicas e a degradação ambiental”, afirmou Lula da Silva, vincando que “a desinformação climática ameaça, hoje, as nossas democracias, a agenda de Paris e, por isso, a nossa segurança coletiva”. No início deste ano, um relatório, do consórcio que inclui a Data For Good e a QuotaClimat, concluiu que os media franceses difundiam desinformação climática, ampliando narrativas que desacreditam a ciência do clima e as soluções climáticas.

Também o secretário-geral da ONU, condenou as empresas que lucram com a desinformação. “Demasiadas empresas estão a obter lucros recorde com a devastação climática, com milhares de milhões gastos em lobbying, em enganar o público e em travar o progresso. […] Demasiados líderes continuam cativos destes interesses entranhados”, disse António Guterres.
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No entanto, o relatório da YouGov conclui que a maioria dos europeus, nos países pesquisados – o Reino Unido, a Dinamarca, a França, a Alemanha, a Itália e a Espanha –, está preocupada com as mudanças climáticas e tende a acreditar que os piores impactos das mudanças climáticas só podem ser evitados com a mudança drástica de abordagem; que apenas uma minoria de europeus acredita que a responsabilidade pelo combate às mudanças climáticas recai mais sobre os países ricos; e que, na Alemanha, na Dinamarca e na Espanha, a maioria defende que a UE deve tomar decisões sobre as alterações climáticas, em nome dos países membros.

Os resultados mostram que a maioria dos europeus está preocupada com as mudanças climáticas (62%-76%), números que se mantiveram estáveis nos últimos seis meses. Alemães e Britânicos são os que mais afirmam não estarem preocupados com as mudanças climáticas e com os seus efeitos, com mais de um terço (34%-35%), a expressar tal opinião.
Após Donald Trump ter descrito, em setembro, as mudanças climáticas como “a maior farsa já perpetrada contra o Mundo”, o secretário-geral da ONU apelou à luta contra a desinformação climática. Porém, a visão do presidente dos EUA só é compartilhada por uma minoria na Europa Ocidental, com entre 14% e 22% a afirmar que as mudanças climáticas não são causadas pela atividade humana e como entre 1% e 5% a dizer que não estão ocorrendo. Em contrapartida, uma grande maioria de adultos, em cada país (68%-76%) parece acreditar que o clima mundial está a mudar em resultado da atividade humana.

Na época da COP27, António Guterres sustentava que a Humanidade estava “na estrada para o inferno climático com o pé ainda no acelerador”, mas que “uma janela de oportunidade permanece aberta, embora reste apenas um estreito raio de luz” – sentimento amplamente compartilhado pelos europeus ocidentais, com entre 46% e 65%, em cada país, a acreditar que ainda podemos evitar os piores efeitos das mudanças climáticas, mas apenas com a mudança drástica nas medidas tomadas. Porém, na maioria dos países pesquisados, entre 14% e 19% já creem que é tarde de mais, para evitar os piores impactos das mudanças climáticas, com exceção da Espanha, onde esse número é de apenas 8%. Aproximadamente, 12%-18% têm a visão oposta, acreditando que o caminho atual é suficiente para evitar os piores impactos potenciais.
Em consonância com o lema da COP30, “Mutirão Global” (“mutirão” é trabalho coletivo e gratuito de uma comunidade ou grupo de pessoas, para alcançarem um objetivo comum), existe amplo consenso, entre os europeus ocidentais, de que a Humanidade será mais eficaz no combate às mudanças climáticas, se trabalharmos em conjunto com outros países, com mais de três quartos (76%-86%) em cada país compartilhando dessa opinião.

Embora os países ricos sejam responsáveis por quase dois terços das emissões históricas acumuladas de carbono, menos de um em cada quatro (17%-23%), na Europa Ocidental, crê que esses países devam assumir a maior parte da responsabilidade no combate às mudanças climáticas. E, apesar de a maioria dos europeus afirmar que os países devem trabalhar juntos para combater as mudanças climáticas, há divergências sobre qual deve ser a extensão do papel da UE nesse combate.
A França e a Itália são os países mais resistentes à ideia de que a UE tome decisões sobre como combater as alterações climáticas em nome dos seus estados-membros, com aproximadamente dois em cada cinco (40%, em Itália, e 38%, em França) a acreditar que o governo de cada país deve tomar essas decisões independentemente da UE. Entretanto, na Alemanha (55%), na Dinamarca (56%) e na Espanha (65%), a maioria afirma que a UE deve ter um papel de destaque na tomada de decisões sobre as alterações climáticas.
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Segundo o inquérito da Nature Climate Change, mitigar as mudanças climáticas exige cooperação global, mas os dados sobre a disposição individual para agir são escassos. O estudo procedeu a pesquisa representativa em 125 países, entrevistando quase 130 mil pessoas. Os resultados revelam amplo apoio à ação climática: 69% da população está disposta a contribuir com 1% do seu rendimento pessoal, 86% apoiam normas sociais pró-clima e 89% exigem ações políticas mais incisivas. Países que enfrentam maior vulnerabilidade às mudanças climáticas mostram alta disposição para contribuir. Todavia, apesar dessas estatísticas encorajadoras, o Mundo encontra-se em estado de ignorância pluralista, com as pessoas, a subestimarem, sistematicamente, a disposição dos concidadãos para agir. Tal lacuna de perceção, aliada ao comportamento cooperativo condicional revelado pelos indivíduos, é um desafio ao avanço das ações climáticas. Por isso, torna-se crucial, para promover a resposta unificada às mudanças climáticas, aumentar a conscientização sobre o amplo apoio global à ação climática.

O clima mundial é um bem comum global cuja proteção exige o esforço cooperativo das pessoas. Consequentemente, o fator humano é crucial e torna a perspetiva da ciência comportamental sobre as mudanças climáticas indispensável para a ação climática eficaz. Apesar da sua importância, é limitado o conhecimento sobre a disposição da população global em cooperar e em agir contra as mudanças climáticas. Para preencher essa lacuna, procedeu-se a uma pesquisa representativa em 125 países, com vista a examinar o potencial para uma ação climática global bem-sucedida. A questão central foi: “Em que medida os indivíduos, no Mundo[,] estão dispostos a contribuir para o bem comum e como as pessoas percebem a disposição de outras pessoas em contribuir (DPC)?” A nível evidências representativas sobre a disposição para agir contra as mudanças climáticas, os países incluídos no estudo representam 96% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), 96% do produto interno bruto (PIB) mundial e 92% da população global.
O estudo concentrou-se em quatro aspetos críticos para a cooperação: a disposição individual para fazer contribuições custosas, a aprovação de normas pró-clima, a demanda por ação política e as crenças sobre o apoio de outros.

Na avaliação da disposição dos entrevistados em incorrer em custos para combater as mudanças climáticas, foi questionada a disponibilidade em contribuir com uma fração (1%) do seu rendimento para ações climáticas. E, numa amostra representativa dos EUA, os respondentes dizem-se dispostos a contribuir com 1% do rendimento mensal, doaram 43% mais dinheiro para uma instituição de caridade climática e têm, de 21% a 39%, probabilidade de evitar meios de transporte movidos a combustíveis fósseis (carro e avião), de restringir o consumo de carne, de usar energia renovável ou de adaptar os seus hábitos de compra.
Os dados, representativos a nível global, revelam forte apoio à ação climática. A maioria (69%) está disposta a contribuir com 1% do rendimento familiar mensal para combater o aquecimento global; 6% indica que estariam dispostos a contribuir com uma fração menor; e 26% afirma que não estariam dispostos a contribuir com qualquer quantia. No atinente à aprovação de normas sociais pró-clima, em quase todos os países, 86% dos entrevistados diz que as pessoas devem combater o aquecimento global. Em 119 dos 125 países, a proporção de apoiantes ultrapassa dois terços. E, na demanda global, quase universal, por ação política mais intensa, 89% afirma que os governos nacionais devem fazer mais para combater o aquecimento global. E, em mais da metade dos países da amostra, a demanda por mais ações governamentais ultrapassa 90%.

O papel crucial das crenças sobre a disponibilidade do apoio dos outros à ação climática levanta a questão de estarem bem calibradas. Em termos globais, há a diferença de 26% entre a proporção real de respondentes dispostos a contribuir com 1% do seu rendimento para ações climáticas (69%) e a proporção média percebida (43%). Ou seja, as pessoas subestimam a disposição dos concidadãos em contribuírem para o bem comum. A nível nacional, a maioria dos respondentes subestima a proporção real, no seu país (81%), e grande proporção de respondentes (73%) subestima a proporção em mais de 10%. Embora a diferença de perceção seja positiva, a sua magnitude varia entre eles (desvio padrão = 8,7%). A análise as mesmas caraterísticas nacionais de antes leva a concluir que a diferença é bastante maior, em países com temperaturas anuais mais elevadas, e bastante menor, em países com PIB alto. Esses resultados são, em grande parte, robustos à inclusão de outros fatores económicos, políticos ou culturais, que não se mostraram muito relacionados com a diferença de perceção.
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Cientistas do clima enfatizam a necessidade de ações imediatas, concertadas e determinadas contra as mudanças climáticas. O estudo em causa, que revela a disposição das pessoas em contribuírem para ações climáticas, difere de outros estudos interculturais sobre perceções das mudanças climáticas e sobre visões políticas, pela abrangência representativa e pela perspetiva da ciência comportamental. Os resultados são encorajadores. Cerca de dois terços da população estão dispostos a arcar com custos pessoais para combater as mudanças climáticas, e a grande maioria exige ação política e apoia normas pró-clima. Assim, o Mundo está unido no julgamento normativo sobre as mudanças climáticas e sobre a necessidade de agir.

Os aspetos da cooperação discutidos interagem entre si. O consenso sobre normas pró-clima fortalece a disposição individual para cooperar (DIC) e vice-versa. As políticas climáticas fortalecem as normas climáticas e vice-versa. Há correlação positiva entre a DIC, as normas pró-clima, o apoio a políticas e as crenças sobre a DIC de outros. Países com maior aprovação de normas pró-clima aprovaram mais leis e políticas conexas com as mudanças climáticas. Tais interações sugerem que a mudança num fator desbloqueia ciclos de feedback potentes e autorreforçadores, desencadeando dinâmicas de inflexão social. E os resultados podem informar modelos de dinâmica de sistemas e modelos de clima social que têm em conta a interação do comportamento humano com sistemas naturais e físicos.

A ampla disposição para agir contra as mudanças climáticas contrasta com o pessimismo global, quanto à disposição de outros para agir. O Mundo está em estado de ignorância pluralista. As multifacetadas razões subjacentes a tal perceção abrangem fatores, como a ênfase desproporcional dada pelos media e pelos debates públicos às opiniões minoritárias céticas, face ao clima, e a influência de grupos de interesse.
Contudo, os resultados desmentem, categoricamente, negacionistas e desinformadores.
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10/11/2025