10 anos de “Taleguinho”
Projeto Taleguinho, de Luís Pedro Madeira e Catarina Moura. (Direitos reservados)
Um projeto da terra, do tempo e da memória
“Taleguinho” é o projeto musical de Catarina Moura e de Luís Pedro Madeira para crianças. Ou um projeto de “costura”, como carinhosamente o apelidam. Neste ano, celebra uma década de existência, com a mesma vontade de “continuar a fazer circular o conhecimento”, contam, numa tentativa de “religar as crianças àquilo que é tradicional”.

Entre histórias, lengalengas e ritmos tradicionais, o casal de músicos e formadores partilha com os mais novos exemplos de variadas manifestações da cultura popular portuguesa, impedindo que fiquem estagnadas no tempo. Esta procura por movimento acompanha a vida do projeto, simbolizada na transformação do uso do taleguinho – “um saco de pano para guardar comida e que agora podemos usar para a maquilhagem”, explica Catarina Moura.
Os repertórios que utilizam nos espetáculos são, muitas vezes, conhecidos por quem acompanha o trabalho dos dois músicos, referências no panorama cultural da cidade. Tendo participado em diferentes projetos musicais, como a Brigada Vítor Jara, Segue-me à Capela e Pensão Flor, foram também membros do Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra (GEFAC), organismo autónomo da Associação Académica de Coimbra.
A criação do Taleguinho surge a partir dessa experiência: “Sempre vi muitas famílias a virem aos espetáculos da Brigada Victor Jara, com filhos e amigos. E achámos que podíamos criar um formato específico para eles, com horários específicos, para que, de facto, pudéssemos ter mais crianças a apropriarem-se do nosso património.”

O objetivo é tornar atual o conhecimento popular e garantir a sua “sobrevivência”. Em 10 anos, criaram oito espetáculos, com temas variados, desde o impacto do passado colonial à reprodução do repertório tradicional nos campos de trabalho; ou associando-o ao Natal.
Tudo começou com um desafio do grupo profissional A Escola da Noite, a companhia de teatro que recebeu o Taleguinho e incentivou a criação de diversos espetáculos, entre os quais “Ficar a Ver Estrelas” e “Mundo ao Colo”. São vários os pretextos para continuar a criar e, principalmente, aprender, como referem Catarina Moura e Luís Pedro Madeira.
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A formação como ponte para a arte
Foi na academia conimbricense que tiveram o primeiro contacto com a criação de espetáculos. “O GEFAC tornou-me mais humano”, recorda Luís Pedro Madeira, observando: “Todos no palco contam, desde o solista ao técnico de luz.”
Com o Processo de Bolonha2, o aumento do preço da habitação e das propinas, além de outros custos associados à vida universitária, a participação dos estudantes em projetos associativos tornou-se mais difícil. “O papel das secções e organismos na formação dos jovens artistas é indispensável”, sublinham.

Entre os mais novos, o panorama também não é animador. Convidado a refletir sobre o papel da escola na promoção da cultura, o casal defende uma maior ligação entre os espaços de ensino e as associações locais: “O teatro e a música vão às escolas, mas a escola também deve vir ao teatro.”
Professor de música, Luís Pedro Madeira lamenta a falta de apoios e de meios que dificultam o acesso dos alunos à cultura. “Um autocarro que fosse às escolas e trouxesse os alunos ao Convento São Francisco, por exemplo, faria toda a diferença”, acrescenta Catarina Moura, licenciada em Ciências da Educação.
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Novos tempos exigem novos espetáculos
“Passaram rápido!”, comenta Luís Pedro Madeira, quando questionados sobre a década de aniversário do projeto. Novamente, o tempo revela-se um bem precioso para o Taleguinho: “Das coisas mais espetaculares [nos nossos espetáculos] é quando terminamos e os miúdos dizem ‘Oh, já acabou!’… É sinal de que lhes conseguimos captar a atenção.”
Este é um desafio recente, que serviu de missão para o casal: “O período de atenção das crianças é inacreditavelmente menor do que era há uns anos e, portanto, os nossos espetáculos são desenhados para serem estimulantes.”

A nova realidade preocupa os artistas, conscientes do perigo da democracia pensada através dos ecrãs. “Acredito que, num espetáculo, se [as crianças] pudessem, passavam cenas à frente com dois dedos no ecrã”, ironiza Luís Pedro Madeira, considerando: “É preciso contrariar isso tudo, inclusive com adultos e adolescentes.”
O último espetáculo em cena, “Medos Y Espantos Limitada”, fala sobre o bestiário tradicional português, um imaginário do folclore nacional, o qual as crianças não contactam nos media digitais. Os espetáculos do Taleguinho, na opinião do músico, “são profundamente formativos” e vão beber a um repertório popular “que, infelizmente, a maior parte das pessoas não conhece”, como completa Catarina Moura.
“Quando não são os artistas a falar para os adolescentes, mas os ‘influencers’ e as redes sociais, temos a democracia em risco”, admitem. “A perda da memória, em Portugal e em Coimbra, está a acontecer por meio dos novos dispositivos digitais, a partir dos quais acedemos a conteúdos online alienados e que promovem o ódio”, alertam Catarina Moura e de Luís Pedro Madeira.

Para o Taleguinho, a arte é o ponto de partida e de chegada. A aposta começa cedo, com o propósito de manter viva a cultura tradicional e de projetá-la nas próximas décadas de trabalho do grupo.
O futuro prevê uma longa vida para o projeto. Apesar da falta de apoios, das condições de vida da própria cultura e do público, em geral, a luta de Catarina Moura e de Luís Pedro é a mesma: “Somos um povo não apenas se tivermos um chão comum, mas se partilharmos a memória do sítio onde viveram pessoas”, terminam.
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Notas da Redacção:
1 – Este artigo foi desenvolvido, inicialmente, no âmbito do jornal universitário de Coimbra A Cabra, sendo agora publicada uma versão mais completa no jornal digital sinalAberto.
2 – Reforma do ensino superior que Portugal adoptou.
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10/11/2025