Território, o que é?

 Território, o que é?

(Créditos fotográficos: Martin Dusek – pexels.com)

Com o ressurgimento da Geopolítica, o “território” é, hoje, uma das palavras mais escritas e escutadas. É a “Ucrânia que se prepara para perder território”, a “China que se expande e pretende alargar o seu território”, a “União Europeia que tenta defender o seu território”. São os “grupos de narcotraficantes que disputam territórios”. Nestas e noutras circunstâncias, o “território” está por todo o lado.

Afinal, de que falamos quando nos referimos ao “território”? Será algo que não é um sinónimo de “solo” e não se confunde com outros conceitos próximos, ainda que distintos, como o “lugar” ou a “paisagem”.

(conceitosdomundo.pt)

Em rigor, o “território” é um espaço geográfico apropriado e controlado por alguém. O “território” implica, por isso, um sujeito: o “território” de um Estado, de um município, de uma empresa, de uma família ou pessoa; o “território” de um grupo religioso ou, entre outros, de uma rede migratória.

Porque esses “territórios” não têm a mesma morfologia e apresentam dinâmicas heterogéneas, cada um desses atores tem uma “territorialidade diferente”. A título de exemplo, um Estado afirma-se com um “território” predominantemente zonal, como um mosaico delimitado pelas suas fronteiras. A “territorialidade” de um grupo terrorista é outra, mais incerta e maleável, organizada, sobretudo, por pontos geograficamente descontínuos e estruturada em rede. Por isso, a tensão entre Estados e organizações criminosas é uma relação desigual entre um bloco mais sólido e uma geografia mais plástica e líquida.

(geoverdade.com)

As dissemelhanças estão também no modo de produção desses “territórios”. Em diferentes contextos, pode fazer-se pela legitimidade do Direito – se comprarmos uma habitação, dentro da legalidade, estamos a alargar o nosso “território”. Essa expansão territorial pode acontecer à revelia da lei e do reconhecimento internacional, como a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, ou a multiplicação de colonatos israelitas na Cisjordânia.

Em múltiplas escalas geográficas, essa apropriação de espaço faz-se também pelo simbolismo da toponímia, de uma estátua que celebra um herói nacional ou étnico ou pelo alinhamento com alguma norma imposta pelo poder hegemónico. Regressando à Crimeia, a sua anexação em 2014 foi consolidada pela mudança do fuso horário, que passou a estar alinhado com Moscovo. Também por isso se alterou a denominação de algumas cidades durante os processos de descolonização. Assim desapareceu Lourenço Marques e nasceu Maputo.

(welovegeography.pt)

Em termos de duração, como acontece com a geografia dos Estados, o “território” pode ser estável, embora nunca definitivo. Noutros casos, poderá ser efémero e temporário. Nas vidas quotidianas, quando nos sentamos no banco de uma sala de cinema, durante duas ou três horas aquela cadeira fará parte da nossa “territorialidade”. Depois do fecho do pano, esse “território” pessoal dissipa-se.

Produzir “território” pode implicar uma presença “in situ” – um exército que avança, uma empresa de mineração que se instala ou um “ocupa” que derruba uma porta e se apropria de um espaço que, de forma ilegítima, passa a fazer parte da sua “territorialidade”.

(igot.ulisboa.pt)

Todavia, essa produção de “território” pode fazer-se à distância. Podemos não estar presentes, mas observamos, vigiamos, monitorizamos e intervimos em espaços geográficos distantes. Não estamos nós, mas estará uma câmara de vídeo, um drone ou um satélite.

Estando longe, podemos alargar os nossos domínios através de uma operação financeira. Por isso, adquirindo um bloco de apartamentos na Coreia do Sul ou comprando alguns hectares de terra fértil em Madagáscar, sem deslocação física ao local, um investidor em Nova York produz e alarga o seu “território”.

As regiões conhecidas como “zonas azuis”, possuem taxas de longevidade muito acima da média mundial e uma quantidade notável de habitantes com mais de cem anos de idade. (magistralbr.caldic.com)

Esta construção de “territórios” envolve diferentes motivações e circunstâncias. Existem os territórios económicos, os de soberania política e de segurança, mas também, entre outros, os de afirmação identitária e afetividade.

Nesta perspetiva, existem os “territórios” do presente, mas também os “territórios” nostálgicos que se perderam. Neste ponto, consideram-se desde a casa dos avós, que fez parte da infância e que agora não existe ou não está acessível, ao espaço geográfico alargado de uma “Grande Turquia” uma “Grande Sérvia” ou uma “Grande Hungria”, Estados hoje reduzidos a uma parte desse património político do passado que persiste no imaginário do presente.

(Créditos fotográficos: Krzysztof Walczak – Unsplash)

Num outro ângulo, os “territórios” poderão ser explícitos e visíveis. É possível que estejam também escondidos numa geografia de penumbras e de opacidades. Estas territorialidades sombrias podem ser o resultado da vulnerabilidade dos sujeitos que, ainda assim, apresentam uma “territorialidade”, como os sem-abrigo que, longe da condição de “desterritorializados”, têm o seu “território”, ainda que este seja frágil e precário.

Noutro sentido, esses “territórios” furtivos podem estar associados ao poder e à dissimulação. As territorialidades das redes terroristas e do narcotráfico são ilustrativas. As da espionagem e das organizações secretas estão na mesma linha.

Além do mais, do continental ao marítimo e aéreo, do cósmico ao digital e ao cognitivo, tudo isto acontece num espaço geográfico que, à medida que se foi alargando e diversificando, se tornou mais complexo e difícil de cartografar.

Ordenamento do território. (cm-gaia.pt)

Esta pluralidade acontece, igualmente, ao nível da velocidade associada a cada “território”, que pode ser mais lento e firme, ou mais veloz e instável. Apesar disso, a relação entre a mobilidade e a imobilidade é difusa e incerta. Se a muralha que defende um Estado é estática, a projeção desse poder nacional pode envolver centros móveis de afirmação e de presença, como um submarino ou um porta-aviões.

(Créditos fotográficos: Giovana Miketen – Unsplash)

Essa (i)mobilidade faz ainda parte da experiência vivida nas viagens aéreas: naquela deslocação, a cadeira onde o viajante se senta é o seu “território”, ao mesmo tempo imóvel – em muitos momentos, este não está autorizado a levantar-se; e móvel – apesar de fixos, estes corpos deslocam-se de um aeroporto para outro.

Todo este universo de questões remete-nos para os conflitos, da disputa pelo banco de um jardim, à guerra por uma ilha ou por uma passagem marítima. Nestes casos, tanto se envolverão sujeitos que competem numa mesma lógica territorial, como a Índia e o Paquistão, que disputam uma área de fronteira, como se pode estar perante antagonismos entre territorialidades contrastantes: no Sahel, a tensão estrutural entre o Mali e o Níger, por um lado, e os Tuaregues, por outro, coloca em rota de colisão dois modelos territoriais diferentes, um mais zonal e rígido e um outro mais fluído e flexível.

Tuaregues (infoescola.com)

E assim decorrem as nossas vidas, numa constante reconfiguração territorial, com perdas (“desterritorializações”) e ganhos (“reterritorializações”), procurando alcançar equilíbrios que são, pela sua natureza, instáveis.

Como todos os sujeitos se afirmam interligando diferentes níveis espaciais e articulando diversas categorias de “território”, geógrafos como Rogério Haesbaert atribuem-nos uma condição “multiterritorial”. Apesar disso, cada um tem uma “multiterritorialidade” específica.

Dois irmãos, apesar de terem tido uma educação próxima e de viverem na mesma casa, apresentam “multiterritorialidades” próprias e individuais. O mesmo acontece com todo o universo geo-humano e geopolítico. Portugal e Espanha são vizinhos, partilham a mesma Península Ibérica. Contudo, cada país tem a sua “multiterritorialidade”.

(sme.goiania.go.gov.br)

Com efeito, pela sua riqueza conceptual e estando para além do substrato físico e do “chão que pisamos”, talvez o “território” seja um dos mais importantes contributos da Geografia para a Geopolítica e para a compreensão do Mundo contemporâneo.

Para terminar, regressemos a 1969, quando os Estados Unidos da América hastearam uma bandeira na Lua e quando, em 2007, a Rússia colocou uma bandeira nacional no fundo marinho do Ártico. Chegar primeiro e deixar um símbolo de presença é, igualmente, uma forma de produzir “território”.

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04/12/2025

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João Luís Fernandes

Geógrafo. Professor do Departamento de Geografia e Turismo da Faculdade de Letras de Coimbra. Investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares (CEIS20) da Universidade de Coimbra.

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