A antropologia do pequeno-almoço

(© Marco Dias Roque)
Embora acorde mais cedo do que nunca – a idade não perdoa –, continuo sem ter o hábito de tomar pequeno-almoço. É bonito ver o estereótipo das séries americanas com as mesas cheias de comida, o sumo de laranja acabado de espremer, a mãe a perguntar quantas fatias de bacon é que cada um quer. Na realidade, entre vestir-se e lavar os dentes, as manhãs são um corrupio, com tudo ainda meio-encoberto pelo véu do sono.

Não digo que estas cenas matinais não existam, apenas que nunca as vi enquanto me obrigo a sair da cama. Para além disso, quem é que, depois, lava essa louça toda? Contudo, abro uma exceção sempre que tenho acesso ao pequeno-almoço de um hotel. Em casa, nunca comeria a essa hora, mas, num hotel, a fome aparece logo. Com um prazer extra, uma vez que, nalguns casos, explorar os pequenos-almoços de um grande hotel é uma aventura ao nível das do Vasco da Gama.
Por exemplo, estive num hotel em Singapura que servia várias versões internacionais da primeira refeição do dia, tornando a escolha de cada manhã um exercício de criatividade. O mais típico era o estilo continental, oferecido por hotéis pelo Mundo fora: tostas, croissants, cereais, iogurtes, cafés e chás, com algumas fatias de queijo ou fiambre para acompanhar. E, normalmente, ovos mexidos sem grande arte. Neste caso, chefs prontos para preparar qualquer tipo de ovos na hora. A versão mais básica de comida matinal num hotel, que de continental não tem nada.

O conceito foi inventado para oferecer um bufete de comida com o mínimo de esforço possível. Ao lado do pequeno-almoço continental, aparecem o inglês, muito mais pesado, com salsichas, bacon, feijões, tomates e cogumelos grelhados; e o americano, que também aposta nos produtos animais, sem feijões, mas com ovos e panquecas. Um choque cultural mesmo antes de sair do Mundo Ocidental. Antes de saltar para a Ásia, um detalhe que me pareceu um mal-entendido: também havia secção italiana com pizza e focaccia. Pizza para pequeno-almoço? De férias, tudo é permitido.
Até aqui, nada muito exótico, mas a secção asiática fez-me entender que não faço a mais pálida ideia do que é um pequeno-almoço. A coisa até começou leve com o pequeno-almoço tradicional de Singapura, uma torrada recheada com um doce local (kaya) e manteiga, que depois se molha num ovo mal cozido e em molho de soja, acompanhado por café, no qual também se pode pôr manteiga. Chama-se Kopi Gu You e dizem que a manteiga torna o sabor do café mais suave. Contudo, na parte da Índia, começam a aparecer opções mais pesadas, como a dosa, um crepe salgado servido com curry e chutneys. Se a fome aperta, o curry pode ser de carne, o que, no fundo, significa que já estamos a almoçar com um naan mais fino. Se acham que isto é tudo bom, mas precisam mesmo de arroz para começar bem o dia, há o congee da China, uma espécie de papa de arroz cozido com carne, peixe ou vegetais. Com couve cozida para acompanhar, se a vontade chegar para tanto.

A linha entre o pequeno e o (grande) almoço ficava cada vez mais ténue. Ainda na secção chinesa, aparecem arroz frito e salteados de carne de vaca. Além disso, se quiserem noodles cozinhados na hora, também é possível. Só espero que, após, tenham um dia recheado de atividades físicas para compensar.
Se, como eu, já estão cansados de tanta comida, chegámos à nossa última paragem: o Japão. Sopa de miso, omeletes japonesas (tamagoyaki), peixe/frango/tofu grelhados. Ok, isto já é uma refeição completa! Por isso, desisto e tento escapar através do corredor de frutas, ovos, iogurtes, saladas, salmão fumado, bagels e enchidos. A lista nunca termina. Cansa mesmo ver tanta comida e, notem, nem me dei ao trabalho de ir ver o que havia nos doces. Depois de viajar por tantos sabores distintos, percebi que, por mais fascinante que fosse esta experiência, faltava algo. No meio de tantas opções internacionais, onde estava o pequeno-almoço português?

De certeza, será um tema divisivo, mas, se estou encarregue de definir a nossa opção, vou escolher algo muito básico: um galão e uma torrada com manteiga. Não vale a pena estar a inventar: o café com leite é uma suave entrada para o início do dia e o toque crocante do pão introduz um pouco de variedade, sem ser demasiado pesado. Atenção, tem de ser uma torrada à portuguesa: fatias grossas, com manteiga dos dois lados. A mistura doce da manteiga com o pão tostado a encher os sentidos. Senão, não conta.
Sim, é aborrecido, mas se ainda podem comer um pastel de nata, a coisa já fica mais animada. Preferem salgados? Comam, pois, uma sandes de presunto, uma tosta-mista ou um misto. Se o objetivo for, na verdade, ser feliz, então abrimos as portas da pastelaria: rins, uma pata de veado, um bolo de arroz. E, se quisermos algo ainda mais tradicional, uma barriga de freira ou um pastel de Tentúgal. Enquanto os Americanos e Ingleses correm atrás da proteína, nós tomamos conta dos carboidratos.

Comida é cultura. Talvez por isso, em Português do Brasil, o pequeno-almoço (palavra que apropriámos do Francês) seja chamado café da manhã. Para mim, essa é a melhor designação, uma coisa rápida, sem exigir grande preparação que nos ajuda a acordar. E se quiserem ser aventureiros, mesmo sem sair do país, percam a vergonha e peçam um café com cheirinho, um expresso com um shot de uma bebida espirituosa. E se alguém perguntar se já começaram o dia com um shot, podem responder com orgulho: “Sim, mas foi cultural.” E pronto, já têm mais uma aventura para contar.
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13/03/2025