A disparidade de investimento entre géneros prejudica a economia

 A disparidade de investimento entre géneros prejudica a economia

(LinkedIn Sales Solutions)

O relatório “The Gender Investiment Gap” (“A disparidade de género”), da Comissão Europeia, revela que apenas cerca de uma em cada cinco empresas tecnológicas da Europa criadas entre 2020 e 2025 incluía, pelo menos, uma mulher fundadora. E, mesmo tendo em conta esta disparidade, as empresas com fundadoras mulheres também receberam menos investimento do que as empresas com fundadores homens.

Por seu turno, o estudo “Frontier Economics 2025”, de 2 de outubro, sob o título “Empreendedoras: a vantagem competitiva ainda não explorada da europa”, sustenta que maior participação das mulheres no setor do investimento poderia aumentar o produto interno bruto (PIB) da União Europeia (UE) em 600 mil milhões de euros, até 2040.

Riga, capital da Letónia. (Créditos fotográficos: Milan Zmátlo – Unsplash)

Os níveis mais elevados de diversidade de género registaram-se na Letónia, com 27%, na Itália, com 25,9%, e em Portugal, com 25,2%. Estas taxas representam a proporção de empresas com, pelo menos, uma mulher fundadora. Em contraponto, permanecem muito abaixo da média europeia (19,3%) países, como a Chéquia, com 9%, e a Hungria, com 14,4%.

A participação equitativa das mulheres empresárias poderia aumentar o PIB da UE em cerca de 600 mil milhões de euros, com países, como a Polónia, a registar um crescimento de 1,6% e os Países Baixos, até 5,5%, até 2040.

A disparidade de género no investimento refere-se às disparidades sistemáticas entre homens e mulheres, no acesso ao capital de risco e na participação na tomada de decisões de investimento.

(Pexels / Fauxels / Divulgação – vocerh.abril.com.br)

Entre as pequenas e médias empresas (PME) europeias que solicitam empréstimos bancários, as detidas por mulheres registam taxas de aprovação de empréstimos cerca de 5% inferiores às das empresas detidas por homens. De acordo com o Banco Europeu de Investimento (BEI), isto acontece, mesmo depois de se controlar a idade, a dimensão e o setor.

As disparidades de género estendem-se à propriedade de capital e ao comportamento de investimento, pois os dados mostram que as mulheres investem menos em ativos de retalho.

Atualmente, as mulheres investidoras de retalho controlam cerca de 5,7 biliões de euros, na Europa, um valor que se prevê que aumente para 9,8 biliões de euros, até 2030. E, se as mulheres investissem em condições de paridade com os homens, a Europa poderia mobilizar mais dois a três biliões de euros em ativos privados investíveis.

 (fashionbubbles.com)

O relatório da Comissão Europeia afirma: “Estas conclusões apontam para um défice económico, a nível da UE, na ordem das centenas de milhares de milhões de euros, por ano – capital que poderia estar a alimentar a inovação, o emprego e as transições ecológicas e digitais.”

O fosso de investimento entre homens e mulheres tem sido atribuído a diferenças na apetência pelo risco, entre homens e mulheres, bem como às expectativas da sociedade e à educação financeira. Historicamente, o espírito empresarial e o financiamento de risco têm sido domínios masculinos associados à assunção de riscos, à assertividade e ao individualismo.

Os órgãos de decisão no domínio do capital de risco e do capital privado são dominados pelos homens, o que reforça os padrões de investimento existentes. E as expectativas da sociedade, em relação às funções de prestação de cuidados e ao equilíbrio entre a vida profissional e familiar das mulheres continuam a influenciar o seu acesso a redes e capital empresariais.

(blog.covabra.com.br)

Segundo o relatório da Comissão Europeia, mesmo em sociedades ditas igualitárias, como os países nórdicos, o pressuposto de que a igualdade entre homens e mulheres já foi alcançada “pode, por si só, funcionar como uma barreira, ocultando preconceitos estruturais existentes”. Em toda a Europa, as mulheres enfrentam uma “dupla exclusão” de género e geográfica.

O capital de risco europeu está baseado, principalmente, em centros em Londres, em Paris, em Berlim e em Estocolmo, o que deixa os fundadores da Europa Central, Oriental e do Sul estruturalmente em desvantagem.

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O relatório “The Gender Investiment Gap” representa um primeiro passo para a construção de uma base de evidências robusta e harmonizada sobre a disparidade de investimento entre géneros, na UE. Concentrou-se tanto em empresas lideradas por mulheres como em fundos de investimento liderados por mulheres no setor de tecnologia avançada. E, ao examinar como fatores estruturais, comportamentais e de mercado se combinam, para limitarem os investimentos em startups ou scaleups inovadoras lideradas ou colideradas por mulheres, ou em fundos de investimento liderados por mulheres, “contribui para a transição da Europa, rumo a uma economia mais inovadora, competitiva e inclusiva”.

(minhastartup.com.br)

É de recordar que start-ups são empresas emergentes com modelo de negócio inovador, escalável e repetível, que procuram crescer rapidamente e solucionar problemas de mercado, geralmente, utilizando a tecnologia como base. A sua principal caraterística é a incerteza inicial e a alta capacidade de adaptação para a enfrentar. Já as scaleups são empresas que já superaram a fase de startup e se encontram num estágio de crescimento acelerado e sustentável. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) define-as como aquelas que crescem à taxa média anual de, pelo menos, 20%, durante três anos consecutivos, com uma força de trabalho de, pelo menos, 10 pessoas. O seu sucesso baseia-se num modelo de negócio escalável, que permite o crescimento exponencial de forma eficiente e rentável. 

(lufapohub.pt)

Compreender a disparidade de investimento entre homens e mulheres exige mais do que novos dados. Exige o esforço sistemático para conectar, para harmonizar e para interpretar as evidências dispersas pelo ecossistema de pesquisa e de inovação da Europa.

O relatório “The Gender Investiment Gap” reúne esses elementos, pela primeira vez, oferecendo uma avaliação unificada, crítica e voltada para o futuro, tanto de empresas lideradas por mulheres como de fundos de investimento liderados por mulheres. Fá-lo em várias frentes, incluindo: a visão holística do ecossistema e a agregação e a harmonização de dados. Assim, dá o primeiro panorama harmonizado, em toda a UE, da disparidade de investimento entre homens e mulheres, conectando os lados da demanda e da oferta do mercado, em empresas lideradas por mulheres que buscam capital e em fundos liderados por mulheres que o alocam. E reúne o lado da oferta e o lado da demanda (fundadores, startups e scaleups) numa única estrutura.

Por outro lado, agrega e verifica dados disponíveis de múltiplos detentores de dados que, até agora, não foram reunidos e comparados, produzindo uma base de evidências comum que apoie comparações em toda a UE e entre países.

(cig.gov.pt)

Embora o seu núcleo esteja enraizado na recolha de dados secundários, introduz novas perceções primárias que agregam valor evidente à base de evidências: um conjunto de dados atualizado; evidências qualitativas recolhidas em workshops e em entrevistas nacionais, em mais de dez estados-membros, trazendo as perspetivas de fundadores, de sócios comanditários, de sócios gerais e de formuladores de políticas; um painel piloto protótipo que visualiza indicadores-chave e permite a comparação entre os estados-membros, desde a representação e o acesso a financiamento até ao desempenho de investimento e aos facilitadores contextuais; a avaliação neutra e crítica da qualidade dos dados; uma base para políticas e para monitorização futura; e um ponto de referência pan-europeu. Portanto, o estudo destaca-se, como um parâmetro abrangente e baseado em evidências para a Comissão Europeia, para os estados-membros e para os intervenientes do mercado. Conecta evidências fragmentadas, avalia a sua robustez e tradu-las em informações práticas – criando a primeira base verdadeiramente consolidada para monitorizar, comparar e, em última análise, eliminar a disparidade de investimento entre géneros na Europa. Ao fazê-lo, atualiza os números e reformula a forma como a disparidade é compreendida, medida e abordada, definindo a direção para a futura ação europeia orientada por dados, em matéria de igualdade de género, no capital de risco e na inovação.

(ec.europa.eu)

Como conclusões, o relatório sustenta que “reduzir a disparidade de investimento entre homens e mulheres, na Europa, é essencial para alcançar as ambições da União, em matéria de inovação, de competitividade e de inclusão; que as mulheres e as equipas diversas enfrentam barreiras estruturais, em toda a cadeia de inovação, desde o acesso ao financiamento e às redes de fase inicial até à expansão para além-fronteiras; e que superar tais barreiras não é só questão de equidade, mas “fundamental para desbloquear todo o potencial de inovação da Europa e para garantir que o investimento público se traduza em crescimento sustentável e de alta qualidade”.

Por conseguinte, enuncia recomendações de complemento e de reforço das estratégias e das iniciativas emblemáticas existentes da UE, incluindo a Nova Agenda Europeia da Inovação, a Estratégia para a Igualdade de Género, o Espaço Europeu da Investigação (EEI), o Programa Europa Digital e o Plano de Ação da União dos Mercados de Capitais (UMC). Tais recomendações estão em linha com os esforços em curso no âmbito do Horizonte Europa, da iniciativa Startup e Scaleup da UE, da Iniciativa de Talentos em Tecnologia Avançada do Instituto Europeu da Inovação e da Tecnologia (EIT) e dos Vales Regionais da Inovação, que visam impulsionar a capacidade de inovação e a competitividade da Europa.

(commission.europa.eu)

Para construir um ecossistema onde mulheres e fundadores de origens diversas possam aceder a financiamento, a dados e a redes em todas as etapas da jornada de inovação, a UE precisa de conectar o que já existe: evidências, instrumentos e instituições.

Por isso, as recomendações do relatório, que descrevem como transformar a inclusão de objetivo secundário em caraterística estrutural da arquitetura de financiamento da inovação na Europa, são: criar uma infraestrutura comum de dados sobre género, na UE; superar a dificuldade de financiamento entre a WomenTechEU e o EICAcelerador (EICA é European Innovation Council – Conselho Europeu de Inovação); promover uma cultura de avaliação de impacto; aproveitar o poder dos Parceiros Limitados (PL) da UE para apoiar fundos com perspetiva de género; mobilizar capital institucional e bancos nacionais de promoção, através de investimentos com perspetiva de género; e construir plataformas financiadas pela UE que conectem mulheres e mapeiem oportunidades de financiamento.

(acegis.com – pexels.com)

Ao integrar a perspetiva de género no cerne da arquitetura de investimento, a UE liberta todo o seu talento inovador, reforça a resiliência económica e consolida a sua soberania tecnológica. A tarefa que se avizinha não é criar instrumentos, mas conectar e alinhar os existentes – integrando dados de género, de continuidade do financiamento e de diversidade de investidores num sistema coerente. Quando a Europa direciona o capital público de acordo com valores públicos – transparência, inclusão e inovação a longo prazo – os mercados privados acompanham. Eliminar a disparidade de género no investimento não é apenas a coisa certa a fazer; é essencial para a competitividade, a criatividade e a capacidade da Europa de liderar nas tecnologias que definirão a próxima década.

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Também o estudo Frontier Economics 2025 mostra que reduzir a disparidade de género no empreendedorismo representa uma oportunidade económica significativa. Assim, reduzir as barreiras ao empreendedorismo feminino aumentaria o número de empresas produtivas, elevaria a produtividade geral e geraria ganhos substanciais no valor adicionado bruto (VAB), em toda a Europa. Além disso, a pesquisa destaca os obstáculos persistentes enfrentados pelas mulheres empreendedoras e aponta para oportunidades claras de apoio mais direcionado. E, para concretizar esse potencial, requer-se um esforço político contínuo, alinhado com as estratégias da UE para a competitividade, para o mercado único e para as PME.

 (michaelpage.pt)

Assim, com base nos resultados, são propostas cinco prioridades políticas:

  • Incorporar a inclusão de género nas estratégias de competitividade e nas PME, visto que são grandes os potenciais benefícios económicos obtidos com a paridade de género, no empreendedorismo. E, para esbater as barreiras que afetam as empreendedoras, a meta de atingir a paridade de género no empreendedorismo deve ser incorporada nas agendas de produtividade, de competitividade e de empreendedorismo da UE e nacionais.
  • Melhorar o acesso ao financiamento, abordando as barreiras estruturais no cenário de financiamento. O acesso ao capital é barreira consistente para empresas fundadas por mulheres. De facto, 37% dessas empresas relata dificuldade em aceder a investidores ou a capital de risco como barreira moderada ou significativa e 39% cita o acesso limitado a financiamento ou crédito como barreira significativa ou moderada. As possíveis ações incluem: esquemas de financiamento específicos; sinalização clara das opções de financiamento; esforço para aumentar a diversidade de género nos financiadores e nos decisores de investimento.
A desigualdade de género continua a ser um desafio persistente nos locais de trabalho. (pessoas2030.gov.pt)
  • Simplificar os processos regulatórios e reduzir a complexidade administrativa. Com efeito, empresas fundadas por mulheres são mais propensas do que as fundadas por homens a ter obstáculos regulatórios e institucionais antes do seu sucesso. 40% dessas empresas sentem falta de apoio governamental acessível como barreira moderada ou significativa e 37% sente a complexidade dos procedimentos administrativos ou de registo e o tempo limitado ou a capacidade para solicitar financiamento como barreiras significativas ou moderadas.
  • Apoiar a prontidão e a adoção digital entre empresas lideradas por mulheres. As mulheres empreendedoras são mais propensas a perceber desafios com as ferramentas digitais. Cerca de 25% das suas empresas relata que a falta de conhecimento, de conscientização ou de confiança no uso de ferramentas digitais é barreira moderada ou significativa. Por isso, o apoio direcionado à digitalização (por exemplo, apoio à criação de lojas online ou à utilização de marketplaces online) ajudará a aumentar a percentagem de mulheres empreendedoras, levando, portanto, a aumentos significativos na produtividade e no VAB.
(doutorfinancas.pt)
  • Abordar as restrições sociais e de género. Os desafios de gerir um negócio juntamente com as responsabilidades familiares ou de cuidados são generalizados, nas empresas fundadas por mulheres. Essas empresas têm 36% mais probabilidades de reportar isto como barreira significativa ou moderada. Além disso, essas empresas têm 25% mais probabilidades de perceber outros preconceitos ou discriminação como barreira significativa ou moderada. Garantir apoio flexível, inclusivo e alinhado com as políticas de cuidados mais abrangentes mitigará estes desafios. Contudo, a procura baixa de medidas de apoio direcionadas, como o subsídio de creches, sugerem que estas restrições são mais sistémicas e que é necessária uma mudança social e política mais ampla, bem como apoio empresarial personalizado.

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Enfim, há muito caminho por andar na igualdade.

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01/12/2025

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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