A frota de solidariedade para Gaza

 A frota de solidariedade para Gaza

Duas crianças num abrigo escolar da Unrwa em Khan Younis, no Sul de Gaza, indo buscar água, em Junho de 2024. (Créditos fotográficos: Unrwa/Fadi – news.un.org)

Não gosto da palavra “flotilha”, parece minúscula, pequena. E não é. Vejamos: a manifestação ou missão contava com a flotilha “Global Sumud” – que significa “resiliência” em Árabe – partiu de Barcelona, no fim de Agosto, com cerca de meia centena embarcações e centenas de activistas de mais de 45 países. 

Integraram esta flotilha (que pretendeu ser “a maior missão humanitária da História” destinada ao território palestiniano de Gaza) centenas de pessoas de 45 países, incluindo quatro portugueses: a deputada e dirigente do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua, os activistas Miguel Duarte e Diogo Chaves, bem como a actriz Sofia Aparício. 

Primeiro integrante solto da Flotilha Global Sumud denuncia violência. (Créditos fotográficos: Agência Brasil – gazetanews.com)

Outra das participantes foi a activista sueca Greta Thunberg, que, a 10 de Agosto, anunciou a criação da flotilha como “a maior tentativa de romper o bloqueio ilegal israelita a Gaza”. 

A necessidade de expressar-se, de actuar, de não ficar indiferente ao genocídio que se tem observado e que, em certo momento, poderia considerar-se como de limpeza étnica quando, entre os milhares de mortos civis, se encontram maioritariamente crianças e mulheres.

Também não devemos deixar de falar dos ataques israelitas dirigidos à imprensa internacional, numa guerra contra a informação. 

Com o ataque de 25 de Agosto de 2025, quase 200 jornalistas foram mortos em Gaza, desde 7 de Outubro de 2023. (Créditos fotográficos: ONU News – news.un.org)

Pelo menos, 189 profissionais de imprensa morreram em Gaza, desde o início do conflito armado entre Israel e o Hamas, em 7 de Outubro de 2023. Ou seja, quase duas centenas de profissionais de imprensa foram mortos na Faixa de Gaza, em menos de dois anos. Foram vítimas mortais 23 mulheres e 165 homens. 

A fome tem sido utilizada como arma de guerra. A arma mais barata e mais à mão de semear por parte do exército israelita, que tem bloqueado todos os acessos à população sofredora de fome em todo o território. 

Recorde-se que o exército de Israel já tinha impedido, em anos anteriores, a entrada a barcos humanitários na Palestina, como sucedeu com um barco turco que foi literalmente assaltados e, recentemente, com as embarcações que integraram a flotilha. 

Demonstração de suporte à Flotilha Global Sumud
na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no Brasil.
(pt.wikipedia.org)

Gostava que os jovens que hoje se sentem identificados com os partidos de extrema-direita tomassem consciência de quão necessárias são estas pequenas atitudes que, na realidade, se transformam em grandes acções para a Humanidade. 

“São sempre precisos milhões de pessoas para que do seio do povo nasça uma com espírito criador; no mundo têm sempre de ocorrer milhões de momentos de ócio de impacto universal até que um momento fatal aceda à ribalta da Humanidade com densidade verdadeiramente histórica”, escreve Stefan Zweig. Esta citação foi retirada de um livro maravilhoso, no qual o escritor Stefan Zweig dá-nos a conhecer 14 momentos fundamentais que marcaram a História da Humanidade, resgatando-os do esquecimento. Entre eles, a descoberta do oceano Pacífico, a conquista de Bizâncio, ao oratório “Messias” (que inclui “A Ressurreição”) de Georg Friedrich Händel (em 1741), a composição do hino francês “A Marselhesa” ou o indulto de  Fiódor Dostoievski, momentos antes da sua execução. 

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Pequenos gestos que são grandes gestos  

O acto de desobediência consciente de Aristides de Sousa
Mendes possibilitou  salvar milhares de pessoas. (acegis.com)

O cônsul português Aristides de Sousa Mendes, em Bordéus, desafiou ordens expressas do ditador António de Oliveira Salazar, que acumulava a função de ministro dos Negócios Estrangeiros, e durante três dias e três noites, segundo se afirma, terá concedido milhares de vistos de entrada em Portugal a refugiados de várias nacionalidades que fugiam da França, em 1940. Quem salva, hoje, as vidas dos Palestinianos em Gaza? 

Lendária fotografia de um jovem que parou em frente da fila de
tanques. (Foto de divulgação – aventurasnahistoria.com.br)

A 5 de Junho de 1989, em Pequim, um jovem, sozinho, enfrenta um tanque impedindo-o de avançar, na praça de Tiananmen, ironicamente “A Praça da Paz Celeste”! O “homem do tanque” não foi baleado, tão-pouco atropelado, mas foi levado para um destino desconhecido até hoje. 

Num relatório oficial divulgado no fim de Junho de 1989, as autoridades chinesas reconheceram que mais de três mil civis tinham sido feridos e que mais de 200, incluindo 36 estudantes, tinham morrido. Embora os números exactos sejam desconhecidos, há inúmeros indícios de que os dados oficiais são demasiado baixos. 

Missão de paz em Timor-Leste. (arquivos.rtp.pt)

Aproveitando a situação política gerada em Portugal no ano de 1975, a Indonésia invadiu Timor-Leste, ocupação que se estendeu até 2002. Durante esse período, desenrolou-se uma forte campanha de resistência em que morreram milhares de timorenses. É de destacar o massacre de Santa Cruz (ou massacre de Díli) em Timor-Leste, que resultou do tiroteio sobre manifestantes pró-independência no cemitério de Santa Cruz, em Díli, a 12 de Novembro de 1991, tendo causado, pelo menos, 271 mortos e 278 feridos. 

“Dunkirk” é um épico de guerra realizado por Christopher Nolan. (comunidadeculturaearte.com)

Foram muitas as actividades, nacionais e internacionais, para a libertação de Timor, entre elas a incursão de solidariedade ou a “Missão de Paz” do Lusitânia Expresso, acontecimento marcante em 1992. A missão da viagem deste barco foi indispensável para colocar Timor na agenda internacional e para alargar os apoios para que se tornasse um país independente1.

Anne Frank na sua carteira escolar, na Holanda, em 1940.
(Fotografia retirada do seu álbum de fotos – britannica.com)

Foram grandes e pequenas embarcações que, entre 27 de Maio e 4 de Junho de 1940, resgataram mais de 338 mil soldados aliados das praias de Dunquerque, eram navios militares, mercantes e pesqueiros e “pequenos navios” civis. A evacuação foi necessária depois de os Aliados terem sido cercados pelos nazis. Mais de mil embarcações participaram nos nove dias e noites da evacuação. Esta epopeia está muito bem retratada no filme “Dunkirk” (de 2017), dirigido por Christopher Nolan. 

“Apesar de tudo, eu ainda acredito na bondade humana”. A frase é uma reflexão de Anne Frank. Ela escreveu esta frase no seu diário, no dia 15 de Julho de 1944. A jovem judia foi capturada pelos nazis apenas 20 dias depois! 

Pequenos gestos que são grandes gestos… A flotilha “Global Sumud” cumpriu a sua missão de colocar na consciência das pessoas de todo o do Mundo, o inferno de Gaza. 

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Nota:

1 – Esta missão “Paz por Timor” foi organizada após o massacre no cemitério de Santa Cruz, em Dili, que ocorreu no dia 12 de Novembro de 1991 e onde foram mortas mais de 300 pessoas e outras tantas ficaram feridas. Foi organizada pela revista Fórum Estudante, liderada por Rui Marques. Em Darwin, na Austrália, entraram 120 passageiros, a maioria estudantes, de 23 países. A bordo seguiam também jornalistas e o general Ramalho Eanes, antigo Presidente da República. Os jornalistas portugueses fizeram uma cobertura alargada desta viagem, existindo inúmeros registos, nomeadamente nos arquivos da RTP.

13/10/2025

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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