A importância das opiniões

 A importância das opiniões

(Imagem gerada por IA – canva.com)

Para muitas pessoas, a incerteza é uma coisa certa. Assim como a insegurança é uma coisa segura. Assim como a saudade é a dor da ausência.

Um dia, calhou-me ter um sonho: escrever um livro. Isto veio quase do nada. Mas cada pessoa tem um carimbo próprio. A minha visão esvaneceu-se e já não conseguia ler o que escrevia. Cismei, então, que havia de comprar um gravador de voz, como usam os jornalistas. Dispus-me a andar pelos campos a sorver as viagens das veredas e dos socalcos, das raízes, dos troncos e das copas das árvores. E a deslumbrar-me com a tranquilidade dos passarinhos, das nuvens e do vento a acariciar e a  fazer cócegas aos mil elementos que por ali se estendiam cheios de vida.

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Tudo me servia de motivo para contar histórias e para, mais tarde, alguém as passar para o papel. Nada conseguia. Já há muito que eu deixara de ler e, como terá dito um filósofo chinês, ninguém é capaz de escrever um livro sem ter lido outros mil antes dessa proeza. Passei a devorar audiolivros. Por fim, arrisquei escrevinhar poemas, alguns contos e textos de ficção.

Certa vez, ao crepúsculo de um dia invernoso, cuja trovoada caía pelas encostas do horizonte, resolvi escrever um poema. As palavras fluíam em cascata. É muito raro eu escrever tão rápido. Choviam pensamentos sobre o meu maior pensamento. Acastelavam-se como paralelos da rua. Como água no cântaro. Como chuvadas no espaço que o olhar alcança. Como as trevas na desembocadura de um vulcão. Como raios do Sol nas manchas verdejantes do chão. Como o sangue nas veias e nas artérias. Como tudo o que se caldeia no nada. E o nada que se sobrepõe ao tudo.

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Acabei o poema. Tive vontade de o apagar. Resolvi, então, enviá-lo a uma amiga poeta. E tudo dependeria da sua opinião. Pouco tempo depois, li a seguinte mensagem electrónica: “Ai, José, este é um dos seus poemas de que gostei mais. Por amor de Deus, não apague o poema. Dê-o a conhecer.”

Não devemos pedir opiniões ao acaso, sob pena de nos baralharmos. Só alguns é que vão a conclave. Só certas pessoas é que detêm o tempero perfeito. Comamos da sua comida, bebamos da sua bebida. Ainda que a vida nos ensine que não devemos dizer ao nosso amigo aquilo que o nosso pior inimigo não possa saber. Nas nossas obras, de qualquer cariz, devemos aproveitar as críticas. Nunca irá a algum todo aquele que só sabe ouvir elogios. Sozinhos nada somos.

O tal poema, publicado no meu livro “A Inquietude do Silêncio”, a que se deve o título deste espaço no sinalAberto, é o seguinte:

(Imagem gerada por IA – canva.com)

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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23/12/2024

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José Torres Gomes

José Torres Gomes é natural da localidade de Belinho, no concelho de Esposende. O facto de ser portador da doença degenerativa de Stargardt (ou seja, uma distrofia macular hereditária de início juvenil caracterizada por atrofia macular bilateral) tem-lhe agravado a acção da visão central, a ponto de não ler o que escreve pelo seu próprio punho. O contacto com a Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) trouxe-lhe novas esperanças na realização do seu sonho. Concretizou uma formação para a aprendizagem dos "softwares" de leitura de textos digitais, particularmente o “JAWS” (um leitor de ecrã desenvolvido para utilizadores de computadores cuja perda de visão os impede de ver o conteúdo do ecrã ou de navegar com um rato), transitando para o “NVDA” ("non visual desktop access"). A partir de então, passou a escrever regularmente no computador. Assim, em 2010, editou o seu primeiro livro, intitulado “Os ossos também falam”. No ano seguinte, publicou a obra “Nunca mais te vi”. Em 2013, lançou o seu terceiro livro: “Gente sem governo”. Na sua quarta obra, em 2015, experimentou a poesia com “A inquietude do silêncio”, título que agora adapta para o seu espaço de escrita no jornal "sinalAberto". Já em 2018, começa a exercitar a sua escrita no domínio da literatura para a infância e publica “O elefante branco”, ilustrado por Geandra Lipa. Em 2020, edita, igualmente para os mais novos, o livro “Zé Trinca-Espinhas e as letras do lago”, com ilustrações de Alexandra de Moraes. O seu mais recente livro para a infância “O menino que queria ser árvore” (homónimo de uma obra do autor brasileiro Fabiano Tadeu Grazioli) foi ilustrado por Carla Sofia Cardoso. Entretanto, tem participado em várias antologias.

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