“Adolescência” 

 “Adolescência” 

Cena da série “Adolescência”. (omelete.com.br)

A adolescência é o período de crescimento e de desenvolvimento humano que ocorre após a infância e antes da idade adulta. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a adolescência como o período entre os 10 anos e os 19 anos, mas a idade é, apenas, uma das características que delimita este período de desenvolvimento.

Não sou o primeiro nem serei, com certeza, o último que aborda este tema motivado pela série que, em streaming, passa neste momento, convertendo-se num êxito de audiência e de crítica.

Os criadores da série da Netflix “Adolescência” abriram uma caixa de Pandora e iniciaram uma discussão no Reino Unido sobre o uso das redes sociais. (cnnportugal.iol.pt)

Da adolescência, todos temos uma memória. Para mim e para os da minha geração,  foi o fincar ideias e atitudes, pensar no futuro, escolher uma formação universitária, bem como a descoberta da sexualidade, das relações com os amigos, das nossas festas de garagem e dos nossos sonhos. Para outros, a descoberta do tabaco e da bebida.

Hoje, parece que essa etapa se transformou ou decorre num quarto escuro da casa, na qual o adolescente se refugia, com as cortinas corridas e com pouca luz. Ou seja, um quarto apenas iluminado pelo ecrã do computador ou do tablet. Aí, nascem subterraneamente os rancores, a ira, a negação, a perda de sociabilidade, o bullying e outros.

Falamos de um jovem, Jamie, de 13 anos, com uma família estável: pai, mãe e irmã. O Jamie é, para o resto da família, um desconhecido. O seu rosto de menino engana e quando ele, acusado de homicídio, é preso na sua casa – cena de uma violência inusitada –, sabemos ou ficamos a saber que, pare ele, a idade da adolescência acabou!

(© Netflix – noticiasaominuto.com.br)

Li que o impacto da série, pelo seu actualizado conteúdo, será passada nas escolas da Grã-Bretanha, como matéria de análise de comportamentos e de prevenção. Talvez ainda não seja tarde demais para despertar, nos jovens e nos seus pais, o alerta sobre determinado tipo de comportamento agressivo.

A serie actualiza o conceito de “Incel” que, segundo a Wikipédia é “aglutinação das palavras inglesas ‘involuntary celibates’ (‘celibatários involuntários’) é uma referência a membros de uma subcultura virtual que se definem como incapazes de encontrar um parceiro romântico ou sexual, apesar de desejarem ter”. Trata-se de um estado que descrevem como “inceldom”. Adianta ainda a Wikipédia que os auto-identificados “incels” são, na sua maioria, homens heterossexuais. “As discussões nos fóruns ‘incels são frequentemente caracterizadas pelo ressentimento, pela misoginia, pela misantropia, pela autopiedade, pelo auto-ódio, pelo racismo e pelo senso de direito ao sexo, assim como pelo endosso da violência contra pessoas sexualmente activas.

(Imagem de divulgação – jornadageek.ig.com.br)

“Adolescência” (“Adolescence”) é uma mini-série britânica de drama criminal, datada de 2025, criada por Jack Thorne e Stephen Graham e realizada por Philip Barantini. A trama gira em torno de Jamie Miller (interpretado pelo jovem actor Owen Cooper), um estudante de 13 anos que é preso sob acusação de assassinar uma colega de classe.

A mini-série estreou na Netflix, em 13 de Março de 2025, e recebeu aclamação da crítica pela sua direcção, mas também pelo roteiro, atmosfera e interpretações. “Adolescência” foi o primeiro programa de streaming a alcançar o topo do ranking semanal de audiência.

Sobre o conteúdo, penso que o espectador poderá descobrir por si mesmo a intensidade da trama, considerando o ponto de partida e as suas consequências.

Debrucei-me um pouco sobre os aspectos da realização e da interpretação. O jovem protagonista é um actor excelente, os seus dotes ficam demonstrados no terceiro capítulo, num diálogo intenso e cambiante de registos, quando é entrevistado pela psicóloga que acompanha o processo penal. Excelente, sem dúvida, será a última aparição dele. Mais tarde, só vamos ouvir a sua voz numa breve mensagem ao seu pai!

Esta série que está fazendo sucesso mostra o desafio de criar adolescentes nos dias actuais. (Imagem de divulgação/Netflix/reprodução – saude.abril.com.br)

Entre as muitas qualidades da realização, é de notar que todos os quatro episódios são filmados num plano-sequência único (de, aproximadamente, uma hora de duração). Isto é a técnica audiovisual que consiste em filmar uma cena sem cortes, ou seja, num único take.

Recorrendo novamente à Wikipédia, lemos: “Segundo o teórico Jacques Aumont, o que caracteriza o plano-sequência não é apenas a sua duração, mas o facto de ele ser articulado para representar o equivalente de uma sequência. Conviria, portanto, distingui-lo do plano longo ‘onde nenhuma sucessão de acontecimentos é representada’, tais como planos fixos de duração acima da média envolvendo diálogos ou simples localizações de personagens e cenários. Mas o próprio Aumont adverte que esta distinção é difícil e que, por isso, muitas vezes, o conceito de plano-sequência é confundido com o de plano longo.”

Irmãos Lumière. (adorocinema.com)

A técnica não é nova. Os primeiros filmes dos irmãos Lumière, já em 1895, eram constituídos por planos-sequência, dado que eram filmes inteiros rodados num único plano de 40 a 45 segundos de duração. No entanto, o próprio conceito de “plano” ainda não tinha sido formulado.

Entre os muitos filmes que já utilizaram esta técnica, guardo na memória “Arca Russa” (de 2002), realizado por Aleksandr Sokurov. Imponente e majestoso,  é um deslumbrante passeio pelos 300 anos de História da Rússia. Filmado inteiramente no Museu Hermitage e com a participação coreografada de dois mil actores e atrizes.

(pt.wikipedia.org)

“Rope” (“A Corda”) é um filme norte-americano, de 1948, realizado por Alfred Hitchcock, baseado na peça homónima, de 1929, escrita por Patrick Hamilton. O filme foi adaptado por Hume Cronyn e contou com argumento de Arthur Laurents.

Difícil será esquecer esse belo filme “Expiação / Desejo e Reparação” (“Atonement”, no original inglês), de 2007,  com realização de Joe Wright, no qual assistimos a um plano-sequência de, aproximadamente, 10 minutos, na cena da praia, lugar de combate na II Guerra Mundial. Também neste filme se fala de adolescência: uma jovem, Briony, de apenas 13 anos, mente sobre um suposto assédio sexual, motivada pelo ciúme pelo relacionamento da sua irmã, Cecília, e do filho do caseiro, Robbie. A sua reação ingénua, em face dos desejos dos adultos, vai provocar uma tragédia. Robbie e Cecília tornam-se vítimas da imaginação prodigiosa de Briony. No final, a vida dos três terá mudado para sempre. Resta-nos esperar pela prodigiosa actriz Vanessa Redgrave que, no final do filme, nos revela a verdade dos acontecimentos. O seu olhar azul penetrante e a sua beleza, mesmo quando madura, são o remate perfeito de um argumento e de um filme notável.

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Notas finais: 

Eleições na Madeira – Pelo facto de ter vivido na Região Autónoma da Madeira (RAM), durante cinco anos e de ter ajudado a criar uma estrutura teatral que ainda subsiste – o Teatro Experimental do Funchal (ATEF) – e que cumpre,  em 2025, 50 anos de vida. Tudo o que ali se passa, de certo modo, me interessa. Também pelos inúmeros amigos e conhecidos que lá deixei!  As análises na imprensa, aqui e na RAM, são unânimes: os eleitores preferem a estabilidade à impunidade! É quanto se pode ler, em quase toda a imprensa… Isto é, estamos perante a suspeita versus a estabilidade. Já alguns tentam estabelecer próximos paralelismos com as eleições do continente. Não fica descabida nesta nota a lembrança do caso de Marine Le Pen, em França, e a proibição de ser candidata às presidenciais naquele país. Parafraseando o Rei Cláudio, em “Hamlet”: “A loucura dos grandes deve ser vigiada” (cena primeira do terceiro acto). A palavra “loucura” pode, perfeitamente, ser substituída por muitas outras.

(dn.pt)

Morte de Yves Boisset (1939-2025) – É de lamentar o desaparecimento do cineasta “mais censurado de França”. Como escreve Vasco Câmara, na edição de 1 de Abril do jornal Público, no “momento da sua morte, a reavaliação do cineasta francês e a nostalgia por um cinema que serviu de formação cívica do grande público”. “Coisas antes desvalorizadas, agora fervorosamente recuperadas”, observa Vasco Câmara.

Yves Boisset, um dos mais combativos e politicamente comprometidos realizadores do cinema francês do século XX, morreu aos 86 anos. (clubedecinema.pt)

Igualmente no cinema, assinala-se a morte do actor Val Kilmer (1959-2005). Fica na minha memória a sua interpretação como Jim Morrison, em “The Doors” (filme de 1991), com realização de Oliver Stone. Também foi actor de teatro, particularmente numa versão de “Hamlet” (em 1986, no Festival Shakespeare de Boulder, no Colorado). E um dos seus ambicionados projectos era levar a vida do escritor Mark Twain ao cinema. O monólogo teatral sobre este autor, “Living in California”, esteve em cena durante cinco anos. Da sua excelente transformação física existem registos em vídeo que despertam algum interesse: 

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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10/04/2025

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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