Adoramos viajar (mas odiamos turistas)
Esta é uma crónica hipócrita. Vou escrever sobre os dilemas causados pelo turismo massivo, mas, como turista, sou também parte do problema. Por exemplo, no Japão, vi um cartaz que dizia que “cidadãos estrangeiros que não saibam falar Japonês não podem entrar na loja”. A minha primeira reação foi negativa. Como se atrevem a tratar pessoas assim, só porque são estrangeiros? Depois, lembrei-me de quando vivia em Barcelona. Como as Ramblas se tornaram totalmente descaracterizadas, ladeadas por restaurantes e bares duvidosos, que não querem saber dos locais e, apenas, do dinheiro de quem vem de fora. Por lá, a luta entre residentes e turistas continua: “Guiris [visitantes estrangeiros] go home!” é o grito de guerra dos Catalães, enquanto disparam pistolas de água contra os turistas. Ser turista é bom, mas ter de aguentar com turismo em massa é horrível.
Uma publicação no agregador social de notícias Reddit fez-me entender que não estou só na hipocrisia. Nesta rede social, existe um sub-fórum dedicado a viagens ao Japão, em que se partilham itinerários e impressões. Um tema recorrente é o de quanto o país é seguro e tranquilo, fora das áreas turísticas, claro. Ou seja, mesmo quem dedica tempo a publicar e a avaliar itinerários para turistas queixa-se de que havia demasiada gente nos pontos turísticos. Como ratos atrás do flautista, viajamos guiados pelas publicações de influencers que fazem dinheiro a partilhar os melhores segredos de uma cidade que logo deixam de ser secretos. Vi alguns em Tóquio, de câmara na mão, a falar para uma futura audiência. Muitas vezes, o conteúdo sai tão bonito que a realidade até acaba por desapontar, com cada vez menos surpresas. Isto é, mais imagem que substância. Por todo o Mundo, tudo isto leva a preços demasiado caros, a multidões descontroladas. E os serviços e estabelecimentos só existem para se aproveitarem de quem passa. Se até quem visita se queixa, imaginem quem lá vive.
Um turista, por muito bem-intencionado que seja, é um ignorante. Mesmo que tenha estudado o seu destino turístico, não sabe como será de verdade. De que lado é que se sobe ou caminha numas escadas rolantes? Onde é que se come bem ou mal? Que zona é segura ou não? Muitas vezes, espanta-se – como eu – que não se fale, pelo menos, Inglês. Uns tentam ajustar-se. Outros não, exigem que a cultura que os recebe se vergue e comportam-se como não fariam em casa. A mesma dualidade também existe entre os residentes. Uns tentam ser simpáticos e ajudar. Outros entendem que não têm nenhuma obrigação de ceder e de se ajustar. Em destinos turísticos, vive-se uma tensão permanente.
O turismo existe por dois motivos: a necessidade de as pessoas saírem da sua rotina e a curiosidade pelo desconhecido. Uma cultura local forte cria pontos de interesse turístico, que, com o tempo, acabam por absorvê-la e, até, destruí-la. É bonito ver templos no Japão, mas, quando milhões de pessoas o fazem, a atividade principal desses templos já não é a religião. Um passeio pelas Ramblas, em Barcelona, seria muito mais agradável sem pessoas a tirar selfies ou com restaurantes autênticos, em vez de armadilhas para turistas que oferecem pratos congelados como especialidades locais. O turismo traz dinheiro, mas leva o que torna algo único com ele. O risco de perder a alma de um lugar é bem real.
É preciso, pois, encontrar um ponto de equilíbrio entre os benefícios do turismo e o seu impacto negativo. Quando havia menos turistas, parecia-me interessante que alguém se desse ao trabalho de visitar Portugal e sei que, culturalmente, a nossa vontade é a de receber bem quem nos visita. No Japão, mesmo com uma cultura tradicionalmente fechada, nota-se que a maioria das pessoas quer ser amável e ajudar. Como em tudo na vida, o que o turismo precisa é de moderação.
O Butão implementou uma política de “valor alto, volume limitado”. Ou seja, uma escolha consciente por um turismo mais sustentável e de qualidade, apoiada em taxas diárias de 100 dólares por noite, limitando o número de visitantes. É uma medida que – embora tenha os seus críticos e limitações – protege a cultura local e os residentes, mas que apenas é possível num país que teve as fronteiras fechadas até 1974. Na Europa, será complicado replicar esta decisão política, mas é uma ideia que importa explorar. Como criar um modelo de turismo que apoia a cultura local sem destruir a sua essência? Como podemos ser “bons” turistas? Quando conseguirmos responder a estas perguntas, já não me sentirei tão hipócrita na hora de viajar. Afinal, quem nunca se fez a uma selfie que atire a primeira pedra.
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07/11/2024