As lideranças no século XXI: o líder e o grupo
A cada passo, ouvimos profetas da desgraça a clamar que não há líderes de jeito na política, nas empresas, no setor social, na escola, nas comunidades religiosas e assim por diante. Por exemplo, diz-se que o chefe do governo está desgastado e que o líder da oposição se perde em casos e casinhos!
É provável que os arautos dos trenos ou das lamentações encarem a liderança segundo o arquétipo de líder que têm na mente ou em conformidade com o tipo de líder que seguiram ou que exercitaram.
A liderança é um conceito muito abordado e debatido, mas que não se reduz ao círculo da univocidade, ou seja, não há modelo único de líder nem modelo único de liderança.
Depois, há os/as que nascem líderes e que a sociedade aproveita ou aqueles/as que nunca ninguém descobriu; há aqueles/as que os acontecimentos de conjuntura tornam líderes ou aqueles/as que nunca aprenderam com os factos; há aqueles/as que foram eleitos/as líderes, corresponderam e até ultrapassaram as expectativas, como há aqueles/as que foram eleitos/as e foram uma completa desilusão; há aqueles/as que ascendem a cargos de liderança, obedecendo ao perfil e a regras burocráticas, que agem, depois, na estrita obediência aos superiores e se tornam tiranos para com os inferiores; e há aqueles/as que foram líderes por eleição ou por nomeação, mas que foram vítimas do desdém, que os colocou na prateleira, ou da inveja, que os trucidou.
Não há um perfil de líder nem um modelo acabado de liderança. O modelo a aplicar dependerá do líder, do grupo de liderados, do universo da liderança e dos objetivos a perseguir.
Liderar pressupõe a ideia da personalidade (líder) ou de grupo (os líderes), que tem a hegemonia e a dominação sobre outros, os seguidores. E, apesar dos desvios de que venha a padecer, a liderança é necessária para os problemas que não têm respostas fáceis, ou seja, para os problemas complexos e repletos de paradoxos e de dilemas. Não obstante, exigem respostas e alçam a patamares superiores os líderes que apontem soluções. Entretanto, em vez de perdermos tempo em insistir para que apareça quem nos solucione os problemas, em vez de buscarmos salvadores, devemos procurar a liderança que nos desafie a enfrentar os problemas que não têm soluções simples e indolores, mas que nos levem a aprender novos caminhos.
Nesta perspetiva, o líder não é o que fornece soluções em bandeja, mas o que é capaz de inspirar e de mobilizar as pessoas, de forma criteriosa, para resolverem problemas que ainda não foram resolvidos. Urge que o líder formal conheça o olhar daqueles/as que lidera, que trabalhe com eles/as e que lhes reconheça os pontos frágeis, profundos ou parciais, em prol de boas práticas.
Deste pressuposto, ressalta que existe, por parte da liderança, a provocação positiva de todos e a participação cúmplice na resolução dos problemas (princípio moral). Este processo, em ambiente de estudo, de decisão ou de trabalho, pode potenciar a valorização das pessoas, já que lhes permite questionarem-se, problematizar o quotidiano escolar, perspetivar a instituição que servem e a ação a desenvolver, bem como aplicar estratégias à luz dos princípios e valores partilhados por todos (liderança democrática). É exigível, também, que toda a ação política da instituição em causa seja retratada a partir do interior, pois aí surgem as dificuldades e os conflitos e se constroem os consensos. O líder formal autoritário, fechado e inflexível, porque tido como manipulador, provoca a atitude de resistência, nada conforme com os modelos de liderança. Ao invés, terá maior sucesso o líder que se abra à mudança e a provoque, mais acessível, participante, mais cooperante, fazendo amizade, e gerando cordialidade e empatia, construindo relações diversificadas com as demais pessoas ou grupos e evitando pontos de crispação agudizados pelo distanciamento.
Outra vertente da liderança é a criação e a partilha de novos conhecimentos, segundo a teoria da organização do conhecimento, partilha que exige bom relacionamento e boa consciência moral. O ambiente profissional das instituições exige dos seus servidores a dinâmica de autoria coletiva, de entreajuda na realização das tarefas e de partilha de experiências e de saberes. Procura valorizar-se a linguagem de harmonia e de ambiente familiar, para, através do diálogo, se responder, de forma mais eficaz, às exigências de mudança e aos desafios colocados.
Deseja-se, pois, uma liderança esclarecida e democrática e estratégico-criativa, uma vez que, no ambiente de trabalho das diversas instituições (empresas, serviços, escolas…), não raro, surgem desequilíbrios. Não se pretende um líder singular, porque todos o são, na medida em que são seres diferentes, mas tende-se a desenvolver práticas coerentes, abertas à dinâmica da mudança, à relação e à interação, no pano de fundo da obrigação de definir e de manter o rumo.
O compromisso inferido de tal postulado terá de ser digerido paulatina e crescentemente, para todos entenderem as premissas e os passos a seguir, o que pressupõe um sistema avesso às facilidades e, sobretudo, aos facilitismos. Com efeito, é na dificuldade que surgem as grandes façanhas, por via da implicação positiva da liderança que sabe criar sistemas de pressão e de apoio, a curto e a médio prazo. Ao invés, a liderança que não entenda isto fica votada ao fracasso. Pode, é certo, partir-se de um compromisso individual, mas que postule a mobilização coletiva.
Agindo em conformidade com este pressuposto, os resultados serão, naturalmente, mais positivos; e os negativos, se não configurarem vertentes constritivas, potenciam dinâmicas empreendedoras. Obviamente (e não há contradição), em todo o processo de liderança, em que se convoca a mobilização sinérgica de todas as caraterísticas benéficas, se acentuam, de forma pessoal, as dimensões de “energia-entusiasmo-confiança”. E o seu uso levará o líder a construir relações e conhecimentos e a atingir os objetivos da comunidade e os seus.
As lideranças tiveram, ao longo do tempo, e têm diversos pontos de partida. Centram-se nas competências inatas do líder (o líder nasce mais do que se faz), ou na conduta que apresenta nos modelos de liderança, isto é, pelo que ele faz, ou, ainda, no que pretendem que ele seja.
Todavia, são cada vez mais os investigadores que vincam a preponderância da análise situacional na liderança centrada na tarefa. Esta ótica exige o reconhecimento de vários tipos de pessoas e de condutas específicas resultantes do caráter único de cada situação, salientando que os elementos fundamentais desta perspetiva são o líder, o grupo (com grau específico de maturidade) e a situação. Em última análise, cada situação postula um tipo de liderança adequado. Dito de outro modo, este modelo estabelece uma correspondência entre a atuação do líder e a maturidade dos cooperadores, na linha da responsabilização, da autonomia e da criatividade, em que o líder não se fica só pelo desejável, mas procura alcançar e potenciar, ao máximo, o grau das relações, das tarefas, da responsabilização e da flexibilização (sendo esta uma das palavras-chave, que deve ser tida em conta na leitura do modelo).
Maria Helena Revez (em “Gestão das Organizações Escolares, Liderança Escolar e Clima de Trabalho – Um Estudo de Caso: 2004”) apresenta um estudo de liderança baseado em caraterísticas da personalidade em que o líder conhece e percebe os vários tipos de pessoas que integram o grupo, pelo que atua, nas diferentes situações, de acordo com o tipo de membro ou grupo com que lida. Assim, o comportamento personalizado influenciará a conduta e desempenho dos elementos do grupo. Porém, não se pretende sobrevalorizar a personalidade do líder ou a sua capacidade de liderança, mas a interação destas componentes com o tipo de situações. Os vetores desta realidade levam-nos a inferir que o êxito do líder depende sobretudo da sua forma de liderar e de analisar, em concreto, as especificidades situacionais.
O estilo de liderança pode, então, fundamentar-se em dois tipos de motivação: o relacional, segundo o qual o líder procura a satisfação, mediante o bom relacionamento com os demais membros do grupo; e o centrado na tarefa, a partir do qual o líder procura a satisfação, através do grau de controlo que tem do grupo, das tarefas e dos objetivos. O líder que se paute pelo primeiro estilo torna-se mais eficaz em situações mais moderadas e favoráveis a si próprio, ao passo que o líder que se paute, sobretudo pela tarefa, revela-se mais eficiente em situações desfavoráveis ou com problemas de resolução difícil.
Da perspetiva situacional emergem, as seguintes dimensões: relações entre o líder e os restantes membros, alicerçadas pelo nível de aceitação, de apoio, de dependência e de lealdade, que o primeiro recebe dos restantes (apoio socioefetivo); adequação da estrutura da tarefa, mediante a clareza ou a ambiguidade na definição da tarefa (diretrizes emitidas pelo líder); poder posicional formal versus poder informal próprio da sua liderança na organização. Assim, o verdadeiro líder, o líder transformacional, demonstra capacidade sustentável para se adequar a um grupo particular de pessoas sob condicionantes diversas – capacidade que permite ao grupo, mediante o índice de responsabilidade diagnosticada e de maturidade conscientizada, saber quem melhor se perfila para o papel de líder, antecipar o tipo de desempenho e a modo de o concretizar.
Destacam-se, como caraterísticas da liderança, a capacidade de enfoque no futuro, de potenciação de mudanças e de assunção de riscos, tendo em conta o grupo de cooperadores e o seu grau de maturação e partindo do diagnóstico das situações. No entanto, é preciso focalizar, centrar e otimizar o conceito de visão, pois o líder tem de saber concentrar todos os elementos em torno de uma visão positiva, na possibilidade de a organização “poder ser ou poder tornar-se”.
Com efeito, os líderes eficazes têm objetivos, adotam novas visões do que é possível e desejável, comunicam-nas e persuadem os outros a comprometerem-se tanto com essas direções que ficam ansiosos por canalizar os seus recursos e energias para que elas se concretizem. Por outro lado, em reforço desta perspetiva dinâmica, é de referir que os líderes devem ser capazes de planear e executar uma visão, montar a estratégia para a atingir; construir a rede de pessoas que concordam com ela e que a podem concretizar; e motivar essas pessoas para trabalharem arduamente nesta visão.
Esta perspetiva pode dar azo a atitudes de segregação ou de elitismo, onde uns têm uma visão clara, enquanto os outros são meros seguidores, em virtude de carecerem de uma perspetiva. Há, porém, que deixar claro que o líder, ao valorizar as pessoas cuja capacidade de gestão e de visão estratégica permitem alcançar as finalidades propostas pela organização, ultrapassa situações incómodas e rentabiliza os diversos contributos, sem excluir alguém. Por isso, não é lícito a alguém delegar no líder a tarefa de pensar, limitando-se o seguidor a obedecer “como um cadáver”. E o líder não pode impor a sua ideia, sem escutar e ponderar as diversas opiniões.
É, ainda, imperioso destacar, de entre os postulados referidos, a reticência e inquietação que as pessoas revelam, ao porem-se na zona de mudança. Porém, se acreditarem nas vantagens da mudança, assumi-la-ão, de forma dinâmica, alicerçada no acreditar: acreditar na nova realidade, com diferente impacto e efeito na vida de cada um e do grupo. Semelhante formulação leva-nos a rejeitar muita da prática atual e a pesar o impacto de uma nova realidade na vida.
Será, assim, pedida uma resposta mais em conformidade com os conteúdos da visão do que com as caraterísticas pessoais do líder. Nesta conceção de liderança, segundo uma visão estabelecida, há que dar cor especial à clara e nítida perceção do percurso. Porém, se tal perspetiva não surgir bem fundamentada, pode ruir face à ideia de risco ou de perigo do percurso a trilhar.
Mas o desafio não fica por aqui: temos de considerar as várias formas, às vezes, opostas, como as pessoas valorizam ou não visões, percursos e riscos, mesmo praticando as mesmas atividades e enveredando por idênticos caminhos. Por isso, é pertinente conhecer o ponto de chegada e o percurso a efetuar, bem como os contornos do ponto de partida, de modo a perceber o fio condutor e a visão holística. É preciso ver e ouvir, pensar e decidir, comunicar e pôr em ação.
São nefastos os líderes autoritários, inúteis os anárquicos, raros (por vezes, perigosos) os carismáticos, mas úteis os democráticos que os bons grupos constroem e que tornam bons os grupos medíocres. Os líderes fazem-se mais do que nascem.
.
17/08/2023