Com Eloide Finel sobre Maputo Fast Forward

 Com Eloide Finel sobre Maputo Fast Forward

Com os oradores da sessão de abertura e os dois curadores do Maputo Fast Forward 2024. (Direitos reservados)

Descobri o Maputo Fast Forward (MFF) por indicações algorítmicas, enquanto navegava pelas redes sociais, faz uns dois anos. Entre posts e stories, rapidamente caí de amores pelo conceito: uma  plataforma de ideias, um ponto de encontro para mentes criativas que acreditam no poder da arte e da tecnologia como ferramentas de transformação social. Com uma programação diversa e estimulante, que inclui performances, debates, exposições e workshops que abordam questões essenciais como sustentabilidade, identidade e inovação, surpreendendo de edição para edição. O mais fascinante é a forma como o festival conecta o local ao global, mostrando que Maputo não é apenas um observador das transformações tecnológicas, mas um agente ativo que propõe novas narrativas.

Tive o prazer de entrevistar Eloide Finel, curadora e produtora do festival MFF.

Djam Neguin – sinalAberto (sA) – O que motivou a criação do Maputo Fast Forward e como é que o festival evoluiu desde a sua primeira edição, em 2016?

Eloide Finel (EF) – É difícil, para mim, dar uma resposta exacta, porque o fundador do MFF, Rui Trindade, infelizmente, faleceu em 2022. A 16Neto – Cowork e Espaço Cultural, centro cultural híbrido que eu dirijo, assumiu a iniciativa em 2021, com o Rui. Penso que ele tinha a visão de um ponto de encontro que levasse os perfis académicos para fora das suas universidades e para discussões com pessoas criativas e inovadoras, para que, juntos, pudessem construir uma reflexão e troca sobre futuros desejáveis.

A anterior (sétima) edição do festival Maputo Fast Forward (MFF 2022) foi dedicada ao seu fundador e coordenador, Rui Trindade, que morreu em Julho de 2022. (idolo.co.mz)

sA – O MFF coloca grande ênfase na inovação e nas discussões sobre o futuro. Quais são os principais objectivos e resultados esperados, ao estimular essas conversas no contexto moçambicano e global?

EF – O resultado esperado não é, obviamente, uma resposta concreta e imediata durante o festival, mas que este seja o lugar de uma faísca, de uma realização, de uma abertura do espírito crítico. E que, posteriormente, nasçam colaborações e se materializem ideias. É por isso que criámos um bazar de projectos inovadores no festival deste ano. Para mostrar que, uma vez terminados os debates da conferência, é possível ir ver as ideias a serem postas em prática no terreno, em projectos que estão agora a testar soluções. E falar com os responsáveis pelos projectos. E por que não investir nas suas ideias, em colaborar, criar sinergias, conjugar esforços e ampliar estes projectos-piloto promissores?

(16neto.com)

sA O tema do festival deste ano é “Corpos Hiperligados”. Como foi escolhido este tema e qual a sua relevância no actual contexto de crise global e da era digital?

EF – O programa da conferência, disponibilizado no nosso sítio [electrónico], penso que responde exatamente à pergunta. 

Este tema, desenvolvido por João Roxo, em colaboração com a investigadora Tassiana Tomé (curadora da conferência), foi desenvolvido na linha dos temas anteriores, com as suas próprias reflexões sobre o assunto. João Roxo tem colaborado frequentemente com o MFF e é ele próprio investigador e artista. Esta combinação conferiu-lhe o perfil ideal para dar continuidade à curadoria do MFF, que, até agora, era liderada apenas por Rui Trindade. Juntamente com Tassiana, que é também a filha espiritual de Rui, conseguiram dar continuidade e renovar o MFF, acrescentando uma abordagem mais enraizada territorialmente ao continente, com foco na implementação de uma grelha de leitura decolonial, pan-africana e feminista.

O curador João Roxo e a curadora da conferência internacional, Tassiana Tomé. (Retirado do Catálogo MFF2024)

sA O MFF é conhecido por convidar um vasto leque de pensadores, artistas e académicos internacionais. Como são seleccionados os convidados e o que devem trazer para o público?

EF – Os convidados foram seleccionados pelos dois curadores. A minha única palavra de ordem é “sonhar em grande”, evitar a autocensura e não hesitar em procurar as figuras mais eminentes. Pensámos em seleccionar, apenas, aqueles que aceitassem e, no final, quase todos aceitaram. A escolha foi feita com base nos recursos do projecto e em determinadas agendas. Devem trazer a público o fruto das suas reflexões, inovações, criações ou trabalhos e estarem abertos ao diálogo que lhes propomos com os outros perfis. A este respeito, todos responderam com grande generosidade.

Ao intervir na Conferência MFF-Festival 2024, no tema “Corpo Temporal: Memórias e Sonhos”, Yara Costa destaca a problematização das estruturas que permitem fazer artes. (maputofastforward.com)

sA Ao longo dos anos, quais foram os maiores desafios enfrentados pela organização do festival, particularmente num país como Moçambique, que ainda enfrenta dificuldades em termos de infra-estruturas e de financiamento para a Cultura?

EF – A resposta está na própria pergunta. O maior desafio continua a ser o financiamento, a corrida aos fundos que se renova constantemente, desde o cair do pano do festival até à sua reabertura. Para o festival deste ano, os dois últimos envelopes foram assinados no dia da abertura. E este ano de eleições mundiais tem sido particularmente difícil. Devemos [a sua concretização] também aos nossos muitos parceiros, que nos forneceram uma grande quantidade de material. Como a Topack, que nos forneceu milhares de caixas de plástico reciclado para criar toda a cenografia do recinto; como a JFS, que nos forneceu uma torre inteira; como a Fora de Foco, que nos deu grandes descontos na produção do evento e na cobertura fotográfica; e, igualmente, como a Evolution, que nos emprestou uma enorme quantidade de equipamento… A lista continua.

Este desafio é também a razão pela qual optámos pelo formato bienal, que nos dá mais tempo para financiar o festival e para capitalizar colaborações e actividades a longo prazo, daí a abertura da Academia MFF, com um programa de pesquisa e residência artística, bem como a continuação da nossa revista online Radar, que funciona durante todo o ano.

Apresentação da MFF Academia, voltada para pesquisas e residências artísticas. (maputofastforward.com)

sA Sabemos que o festival foi afectado pela pandemia e afirma-se que algumas edições foram canceladas, como em 2023. Como é que a equipa reagiu a estes cancelamentos e que lições foram retiradas para as edições futuras?

EF – O festival nunca foi cancelado. Em 2020 [ainda não era da responsabilidade da 16Neto], a edição foi recalibrada para ser online. Em 2021, o nosso primeiro ano de implementar o MFF, fizemos uma edição híbrida porque o número de participantes era limitado. Em 2022, anunciámos que iríamos passar para um modo bienal e aproveitámos 2023 para criar a Academia MFF. Inaugurada em Dezembro de 2023, a Academia deu apoio a um primeiro projecto de pesquisa e a uma residência artística. Ambas foram (ou iriam ser) utilizadas nesta edição final, em 2024. A pesquisa fazia, efectivamente, parte das exposições, mas, infelizmente, na sequência das revoltas pós-eleitorais, a “roda de saberes” sobre a pesquisa e o espectáculo de encerramento New Kids, fruto da residência, tiveram de ser cancelados.

Na fotografia, vemos as produtoras e a curadora do festival MFF. (Direitos reservados)

sA Como é que vê o futuro do Maputo Fast Forward? Há planos para expandir o formato e para incluir novas disciplinas? Ou para levar o festival para além das fronteiras de Moçambique?

EF – Já estamos a trabalhar no novo ciclo de financiamento. Em 2023, decidimos focar uma das duas palavras-chave: “Inovação”. Sobretudo, nas novas tecnologias para promover a criatividade e a reflexão. Parece ser este o caminho que estamos a seguir, no seguimento da jornada “Novas Narrativas”, durante o festival. Com um lugar possível para a formação, para a incubação, para a residência e para a pesquisa. Essa é a próxima aventura…. Quanto à passagem de fronteiras, um dos sonhos do Rui Trindade era o de acolher outros eventos, como os “ateliers de la pensée”, de Dakar a Maputo. Mas também estender a mão entre as duas edições às capitais africanas e não só, para criar uma rede que concretize a ambição de fazer do MFF uma plataforma internacional que transmita de Moçambique para e com o resto do Mundo. A ligação já foi feita com eventos como o Fak’ugesi, em Joanesburgo, e o Ars Electronica, em Linz. Por isso, continuamos…

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12/12/2024

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Djam Neguin

Djam Neguin (Bruno Amarante) é um artista multidisciplinar da nova geração de criativos contemporâneos cabo-verdianos, expressando-se através da dança, do teatro, do cinema e da música, cruzando várias formas de criação. Djam Neguin, enquanto actual agente da cena artística e cultural de Cabo Verde, vivencia diferentes afectos e domínios artísticos – artes cénicas e visuais –, passando por actividades de gestão e de produção cultural. Assim, tem estado envolvido, como coordenador geral e director artístico, na produção do Festival Internacional de Dança Contemporânea Kontornu e é criador e dinamizador do projecto virtual Rede de Dança da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da Mostra de Dança da Cidade da Praia, em Cabo Verde, entre outros eventos. Coreografou importantes acontecimentos culturais da agenda cabo-verdiana, tendo sido um dos principais dinamizadores das danças urbanas na última década, organizando “battles” e o Concurso Nacional de Hip Hop (em Cabo Verde). Tem leccionado em diferentes cidades do Mundo e também realiza, com regularidade, diversos “workshops”. Foi membro fundador e bailarino do Cabo Verde Ballet. Desde 2015, cria os seus próprios espectáculos e participa em vários circuitos internacionais. Com a sua rubrica quinzenal “Pokas & Boas” no jornal sinalAberto, Djam Neguin procura reforçar os laços culturais e os afectos no espaço lusófono, através de encontros, de vivências, de relatos, de conversas e de entrevistas com “personalidades negras das Artes, Culturas e Saberes da Lusofonia”, como sublinha.

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