Com Eloide Finel sobre Maputo Fast Forward
Descobri o Maputo Fast Forward (MFF) por indicações algorítmicas, enquanto navegava pelas redes sociais, faz uns dois anos. Entre posts e stories, rapidamente caí de amores pelo conceito: uma plataforma de ideias, um ponto de encontro para mentes criativas que acreditam no poder da arte e da tecnologia como ferramentas de transformação social. Com uma programação diversa e estimulante, que inclui performances, debates, exposições e workshops que abordam questões essenciais como sustentabilidade, identidade e inovação, surpreendendo de edição para edição. O mais fascinante é a forma como o festival conecta o local ao global, mostrando que Maputo não é apenas um observador das transformações tecnológicas, mas um agente ativo que propõe novas narrativas.
Tive o prazer de entrevistar Eloide Finel, curadora e produtora do festival MFF.
Djam Neguin – sinalAberto (sA) – O que motivou a criação do Maputo Fast Forward e como é que o festival evoluiu desde a sua primeira edição, em 2016?
Eloide Finel (EF) – É difícil, para mim, dar uma resposta exacta, porque o fundador do MFF, Rui Trindade, infelizmente, faleceu em 2022. A 16Neto – Cowork e Espaço Cultural, centro cultural híbrido que eu dirijo, assumiu a iniciativa em 2021, com o Rui. Penso que ele tinha a visão de um ponto de encontro que levasse os perfis académicos para fora das suas universidades e para discussões com pessoas criativas e inovadoras, para que, juntos, pudessem construir uma reflexão e troca sobre futuros desejáveis.
sA – O MFF coloca grande ênfase na inovação e nas discussões sobre o futuro. Quais são os principais objectivos e resultados esperados, ao estimular essas conversas no contexto moçambicano e global?
EF – O resultado esperado não é, obviamente, uma resposta concreta e imediata durante o festival, mas que este seja o lugar de uma faísca, de uma realização, de uma abertura do espírito crítico. E que, posteriormente, nasçam colaborações e se materializem ideias. É por isso que criámos um bazar de projectos inovadores no festival deste ano. Para mostrar que, uma vez terminados os debates da conferência, é possível ir ver as ideias a serem postas em prática no terreno, em projectos que estão agora a testar soluções. E falar com os responsáveis pelos projectos. E por que não investir nas suas ideias, em colaborar, criar sinergias, conjugar esforços e ampliar estes projectos-piloto promissores?
sA – O tema do festival deste ano é “Corpos Hiperligados”. Como foi escolhido este tema e qual a sua relevância no actual contexto de crise global e da era digital?
EF – O programa da conferência, disponibilizado no nosso sítio [electrónico], penso que responde exatamente à pergunta.
Este tema, desenvolvido por João Roxo, em colaboração com a investigadora Tassiana Tomé (curadora da conferência), foi desenvolvido na linha dos temas anteriores, com as suas próprias reflexões sobre o assunto. João Roxo tem colaborado frequentemente com o MFF e é ele próprio investigador e artista. Esta combinação conferiu-lhe o perfil ideal para dar continuidade à curadoria do MFF, que, até agora, era liderada apenas por Rui Trindade. Juntamente com Tassiana, que é também a filha espiritual de Rui, conseguiram dar continuidade e renovar o MFF, acrescentando uma abordagem mais enraizada territorialmente ao continente, com foco na implementação de uma grelha de leitura decolonial, pan-africana e feminista.
sA – O MFF é conhecido por convidar um vasto leque de pensadores, artistas e académicos internacionais. Como são seleccionados os convidados e o que devem trazer para o público?
EF – Os convidados foram seleccionados pelos dois curadores. A minha única palavra de ordem é “sonhar em grande”, evitar a autocensura e não hesitar em procurar as figuras mais eminentes. Pensámos em seleccionar, apenas, aqueles que aceitassem e, no final, quase todos aceitaram. A escolha foi feita com base nos recursos do projecto e em determinadas agendas. Devem trazer a público o fruto das suas reflexões, inovações, criações ou trabalhos e estarem abertos ao diálogo que lhes propomos com os outros perfis. A este respeito, todos responderam com grande generosidade.
sA – Ao longo dos anos, quais foram os maiores desafios enfrentados pela organização do festival, particularmente num país como Moçambique, que ainda enfrenta dificuldades em termos de infra-estruturas e de financiamento para a Cultura?
EF – A resposta está na própria pergunta. O maior desafio continua a ser o financiamento, a corrida aos fundos que se renova constantemente, desde o cair do pano do festival até à sua reabertura. Para o festival deste ano, os dois últimos envelopes foram assinados no dia da abertura. E este ano de eleições mundiais tem sido particularmente difícil. Devemos [a sua concretização] também aos nossos muitos parceiros, que nos forneceram uma grande quantidade de material. Como a Topack, que nos forneceu milhares de caixas de plástico reciclado para criar toda a cenografia do recinto; como a JFS, que nos forneceu uma torre inteira; como a Fora de Foco, que nos deu grandes descontos na produção do evento e na cobertura fotográfica; e, igualmente, como a Evolution, que nos emprestou uma enorme quantidade de equipamento… A lista continua.
Este desafio é também a razão pela qual optámos pelo formato bienal, que nos dá mais tempo para financiar o festival e para capitalizar colaborações e actividades a longo prazo, daí a abertura da Academia MFF, com um programa de pesquisa e residência artística, bem como a continuação da nossa revista online Radar, que funciona durante todo o ano.
sA – Sabemos que o festival foi afectado pela pandemia e afirma-se que algumas edições foram canceladas, como em 2023. Como é que a equipa reagiu a estes cancelamentos e que lições foram retiradas para as edições futuras?
EF – O festival nunca foi cancelado. Em 2020 [ainda não era da responsabilidade da 16Neto], a edição foi recalibrada para ser online. Em 2021, o nosso primeiro ano de implementar o MFF, fizemos uma edição híbrida porque o número de participantes era limitado. Em 2022, anunciámos que iríamos passar para um modo bienal e aproveitámos 2023 para criar a Academia MFF. Inaugurada em Dezembro de 2023, a Academia deu apoio a um primeiro projecto de pesquisa e a uma residência artística. Ambas foram (ou iriam ser) utilizadas nesta edição final, em 2024. A pesquisa fazia, efectivamente, parte das exposições, mas, infelizmente, na sequência das revoltas pós-eleitorais, a “roda de saberes” sobre a pesquisa e o espectáculo de encerramento New Kids, fruto da residência, tiveram de ser cancelados.
sA – Como é que vê o futuro do Maputo Fast Forward? Há planos para expandir o formato e para incluir novas disciplinas? Ou para levar o festival para além das fronteiras de Moçambique?
EF – Já estamos a trabalhar no novo ciclo de financiamento. Em 2023, decidimos focar uma das duas palavras-chave: “Inovação”. Sobretudo, nas novas tecnologias para promover a criatividade e a reflexão. Parece ser este o caminho que estamos a seguir, no seguimento da jornada “Novas Narrativas”, durante o festival. Com um lugar possível para a formação, para a incubação, para a residência e para a pesquisa. Essa é a próxima aventura…. Quanto à passagem de fronteiras, um dos sonhos do Rui Trindade era o de acolher outros eventos, como os “ateliers de la pensée”, de Dakar a Maputo. Mas também estender a mão entre as duas edições às capitais africanas e não só, para criar uma rede que concretize a ambição de fazer do MFF uma plataforma internacional que transmita de Moçambique para e com o resto do Mundo. A ligação já foi feita com eventos como o Fak’ugesi, em Joanesburgo, e o Ars Electronica, em Linz. Por isso, continuamos…
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12/12/2024