Com Urivaldo Lopes

 Com Urivaldo Lopes

Urivaldo Lopes (Direitos reservados)

Boa pergunta: como é que um fotógrafo não tem uma foto de si mesmo? “Uma afronta”, responde, entre risos, a este aparente paradoxo. Se bem que reduzir Urivaldo a fotógrafo é incorrer naquele tipo de injustiça poética que pretende encaixotar uma mente criativa como a sua. É esse “muito mais do que só isso” que o torna verdadeiramente cativante.

(Créditos fotográficos: Kristin Wilson – Unsplash)

Nascido na morabeza sãovicentina, em Cabo Verde, Urivaldo Lopes parece já ter vindo ao mundo com a estrelinha que mais tarde viria a radiar. Imaginem só: desde os seis anos, ele já se destacava na zona, criando roupas personalizadas para todas as Barbies da sua vizinhança. Este talento inato foi atiçado ainda mais pela chegada da televisão a sua casa, nos anos 90. Passou a ser um espectador e devorador assíduo de reportagens e de programas de moda. Um dos seus programas favoritos era “86-60-86”, apresentado pela renomada modelo da época Sofia Aparício. “Este programa me fez compreender muitas coisas, mesmo sendo muito jovem”, relembra.

(arquivos.rtp.pt)

A partir de então, não houve trégua: ele sonhava, fervorosamente, dia e noite, pelo dia em que ingressaria na indústria da moda. Tanto é que, no seu trigésimo terceiro aniversário, num gesto simbólico de fé e de desespero, desenhou uma cruz no quintal da sua casa com uma faca, e rogou a Deus para que realizasse o seu sonho. Já nessa altura, estava completamente convicto de que essa era a sua missão e propósito no mundo. Bom, parece que os mistérios se alinharam, a seu tempo.  Aos 15 anos, a sua vida deu uma guinada significativa, quando irmãs desconhecidas por parte de pai o contactaram e ofereceram ajuda para obter a nacionalidade portuguesa. Com essa nova perspectiva, ele se mudou para a França.  Abriam-se os caminhos!

L’École de la Chambre Syndicale de la Couture Parisienne. Visites Privées)

Em Marselha, iniciou a sua formação na área da moda, dedicando dois anos a aprender os fundamentos e as técnicas que mais tarde definiriam a sua carreira. Contudo, sentindo que aí não era o epicentro da moda que ele tanto almejava, decidiu, com apenas 17 anos, aventurar-se sozinho para Paris. Lá, frequentou a prestigiada L’École de la Chambre Syndicale de la Couture Parisienne. O seu empenho não passou despercebido e, ao final do curso, recebeu um convite para uma entrevista na renomada casa de moda Blumarine. Vejam só?

Durante os seis anos que se seguiram, mudou-se para Itália. Nesse período, ele também começou a explorar o mundo da fotografia, uma paixão que havia iniciado ainda em Marselha. Urivaldo soube equilibrar as suas duas paixões, dedicando-se a elas simultaneamente. E nelas, claro, singrando com absoluto sucesso.

Ventos de mudança:  Urivaldo decidiu buscar novos desafios e mudou-se para Nova Iorque. Na metrópole americana, foi convidado, por uma top model, para ser o director criativo da marca Anna Bodysuit. Aceitar esse convite foi mais um feito marcante, permitindo-lhe explorar novos horizontes e expandir a sua visão criativa.

Anitta (Direitos reservados)

Actualmente, ele e o seu melhor amigo são os co-fundadores da marca Slimi Studio, tendo lançado uma revista de moda que é distribuída por cerca de 66 países. Anitta, Beyoncé, J Balvin, Marina Ruy Barbosa, Lindsay Lohan, Shay, Michael Gazzo, Ronisia, Oxlade, Davido, Nathy Peluso, Dino d’Santiago, Mayra Andrade, Kady, Neyna, Ceuzany e a lista de “stars” com quem já trabalhou é numerosa – um currículo de pesos pesados!

Mesmo assim, é muito generoso em dar um cheirinho do seu processo criativo:

“É muito distinto se estou em modo fotógrafo ou se estou em modo designer. No primeiro caso, tento sempre fazer uma combo da inspiração de elementos culturais, sobretudo do meu país, mas com referências e influencias de uma vibe internacional. Por outro lado, quando estou a trabalhar em design, costumo colocar uma música que me inspira e ando, pelos quatro cantos da casa, a imaginar tecidos, cores, texturas, diferentes materiais que poderia adicionar. E quando tenho algum resultado próximo da minha vontade, começo a desenhar. Portanto, é um processo primeiramente imaginativo, que acontece dentro da minha cabeça e que, depois, passo tudo para o papel.”

Boa Vista, em Cabo Verde. (Créditos fotográficos: Belinda Fewings – Unsplash)

Outra coisa de que falámos foi sobre as suas constantes retomadas a Cabo Verde, das quais nos brinda com ensaios maravilhosos. “As paisagens cabo-verdianas são extremamente bonitas e inspiradoras, e também encontramos lá muitos bons modelos”, afirma Urivaldo Lopes.

Por falar em Cabo-Verde, Urivaldo Lopes considera que não se pode
dizer que é um país de moda. (Créditos fotográficos: Nick Fewings –
Unsplash)

Por falar em Cabo-Verde, considera que não se pode dizer que é um país de moda. “Talvez, por causa da temperatura. Quando moras num país com muito calor e mais empobrecido, acaba não sendo uma prioridade. Também por ser muito pequeno, quando surge alguém com uma aparência mais fora da norma, a tendência é ficar ‘na boca do povo’. E isso inibe muita gente de ser autêntica e de experimentar expressar-se, quotidianamente, através de looks originais. É o que sinto quando vou aí!”, observa.

Para mudar a mentalidade e para dar a conhecer novos talentos no país, Urivaldo Lopes considera que um programa curricular que desse aos jovens a educação e a aprendizagem para poderem optar em seguir por esta área, seria, na sua opinião, “uma forma de mudança”.

“O que me move é que isto é uma paixão. É o meu combustível. Então,
nem sinto que é um trabalho”, sublinha Urivaldo Lopes.
(Direitos reservados)

Urivaldo tem palavras de vivência e de advertência para os que querem enveredar por esta modalidade: “Para estar nesta área, é preciso, acima de tudo, ter coragem. Não é toda a gente que consegue estar sob os holofotes. É preciso estar constantemente a manejar o medo e a insegurança, e também uma certa instabilidade. Mesmo já nos meus quarentas, tenho medo todos os dias! Só os corajosos se mantêm aqui. Por isso, digo sempre, aos que vão querer começar, para pensarem duas vezes, procurando saber se é, realmente, isto o que querem fazer.” E prossegue: “É um caminho que vai exigir muitas provações, muita dedicação e perseverança. Para os iniciantes, a minha dica é a de manterem o espírito da curiosidade sempre aguçado, assim como pesquisar muito e tentar, sempre, aprender muito, estando dispostos a assumir riscos. Para chegar aonde cheguei, foi preciso comer muita papa. O que me move é que isto é uma paixão. É o meu combustível. Então, nem sinto que é um trabalho. Parece que estou sempre no recreio da escola.”

Ainda para 2024, Urivaldo Lopes revela que tem uma revista a sair do forno e um desfile em Setembro, na semana de moda semestral Paris Fashion Week, para além das requisições habituais de sessões fotográficas e de videoclips.

Mas, o que o torna único? “A minha mistura de elementos culturais com a chamada High Fashion, com cores vivas, sem compromisso”, replica, rindo-se e dizendo ainda: “I hope.” Eu respondo: “Amém!”

08/07/2024

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Djam Neguin

Djam Neguin (Bruno Amarante) é um artista multidisciplinar da nova geração de criativos contemporâneos cabo-verdianos, expressando-se através da dança, do teatro, do cinema e da música, cruzando várias formas de criação. Djam Neguin, enquanto actual agente da cena artística e cultural de Cabo Verde, vivencia diferentes afectos e domínios artísticos – artes cénicas e visuais –, passando por actividades de gestão e de produção cultural. Assim, tem estado envolvido, como coordenador geral e director artístico, na produção do Festival Internacional de Dança Contemporânea Kontornu e é criador e dinamizador do projecto virtual Rede de Dança da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da Mostra de Dança da Cidade da Praia, em Cabo Verde, entre outros eventos. Coreografou importantes acontecimentos culturais da agenda cabo-verdiana, tendo sido um dos principais dinamizadores das danças urbanas na última década, organizando “battles” e o Concurso Nacional de Hip Hop (em Cabo Verde). Tem leccionado em diferentes cidades do Mundo e também realiza, com regularidade, diversos “workshops”. Foi membro fundador e bailarino do Cabo Verde Ballet. Desde 2015, cria os seus próprios espectáculos e participa em vários circuitos internacionais. Com a sua rubrica quinzenal “Pokas & Boas” no jornal sinalAberto, Djam Neguin procura reforçar os laços culturais e os afectos no espaço lusófono, através de encontros, de vivências, de relatos, de conversas e de entrevistas com “personalidades negras das Artes, Culturas e Saberes da Lusofonia”, como sublinha.

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