Danças no Teatro Carlos Alberto/TNSJ

 Danças no Teatro Carlos Alberto/TNSJ

Espectáculo de “balleteatro” “Esta Hora de Espanto”. (© José Caldeira – tnsj.pt)

Num breve período de 15 dias, tivemos a oportunidade, na cidade do Porto, de assistir a duas coreografias notáveis, separadas apenas por alguns anos de idade entre as suas criadoras, mas ambas imbuídas de um forte sentido coreográfico e compromisso pessoal com a Dança.

“Esta Hora de Espanto” decorreu no Teatro Carlos Alberto (TECA), na cidade do Porto. (viralagenda.com)

Começarei por fazer referência ao espectáculo de Né (Manuela) Barros, “Esta Hora de Espanto”, que a sua autora explica como “uma peça em tom de coreodrama”, em que se “retoma o corpo como e na paisagem, algo que percorre muito do [seu] trabalho, para convocar imagens limite e radicais sobre um futuro previsível de catástrofe”. E Né Barros acrescenta, na folha de sala do Teatro Nacional São João (TNSJ): “É, também, a paisagem no limite da sua transformação que nos interessa, em particular, no radical das catástrofes e do apocalíptico. Em ‘Lastro’ (2015), sob um céu estranho, os corpos iam ocupando um lugar, gerando a sua rotina e as suas ligações. Nessa peça coreográfica, os movimentos dos corpos juntamente com o dispositivo cénico, criavam o lugar teatral: um lugar em mudança, um lugar que é feito de memória.”

A coreografia actual faz ainda menção a duas produções antecedentes, “Lastro” (de 2015), apresentada pouco depois de uma outra anterior “Muros”, peça que ocorre sob um céu estranho: “[…] um imenso pano celeste sob o qual os corpos em movimento criam um lugar teatral, um lugar em mudança, um lugar feito de memória”. São, pois, “corpos que repetem para resistir ao final que se imagina, para fazer com que algo perdure, mas toda a catástrofe produz o seu ocultamento, a sua desaparição […]” Este espectáculo foi inspirado nas teses de Jean-Luc Nancy sobre a “equivalência das catástrofes”.

Kurt Jooss em “The Green Table”, cerca de 1935. (britannica.com)

Os enunciados destas três coreografias estão marcados por um signo trágico e pós-apocalíptico. “O céu pode cair e seria a última coisa que poderíamos prever”, retemos no espectáculo “Lastro”. A ideia de uma dança macabra/dança da morte, tão ao gosto do teatro medieval e convocada pelo coreógrafo Kurt Jooss (1901-1979), na sua coreografia “A Mesa Verde”, está nas palavras do autor do texto de “Esta Hora de Espanto”, Tiago Mesquita Carvalho: “Eis que chega a Morte sorrateira e no seu esgar altivo sorri e saúda os vivos. Está pronta para a grande colheita das almas, ávida dos ais e queixumes dos mortais. A todos beija, a todos abraça e com todos dança. Não poupa nem a criança nem o velho, nem o rico ou o pobre, nem o belo ou o feio. Leva o justo e o pecador, o santo e o vilão. Ri-se das humanas certezas e dos seus pés de barro”. 

Espectáculo “Esta Hora de Espanto”. (© José Caldeira – tnsj.pt)

No sendo este espaço um espaço de crítica, não é isso o que se pretende, devo ainda dizer que muito me liga a Né Barros e a sua irmã, Isabel Barros, amizade, cumplicidade e admiração em relação a ambas, pelo contributo cultural que elas deram e continuam a dar à cidade do Porto. Fundadoras do Balleteatro (em 1983), a primeira escola profissional de artes teatrais e de dança da cidade do Porto, à qual estive ligado como docente, durante 33 anos. Isabel Barros é também directora artística do Teatro de Marionetas do Porto (TMP), instituição para a qual realizei dois projectos teatrais. A ambas, parabéns pelo trabalho desenvolvido e (como se diz quotidianamente) pela sua continuação!

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“O Salvado” por Olga Roriz

“O Salvado”, um solo de Olga Roriz. (tnsj.pt)

Ao seguirmos o texto da folha de sala do TNSJ, lemos: “Percorridas sete décadas de vida e uma das mais longas e prolíficas carreiras da dança portuguesa, o que se salva? Olga Roriz responde no palco do Teatro Carlos Alberto com um novo solo: ‘O Salvado’. Como um náufrago que escapa à catástrofe, a coreógrafa e bailarina agarra-se à matéria do mundo, partilhando com o público o que do passado, [do] presente e [do] futuro se desprende e produz vida. Um percurso ímpar, construído a partir de largas dezenas de criações e celebrado com os mais importantes prémios artísticos nacionais e internacionais. Uma vida e obra que já se elevam a património cultural português. Em 2015, no contexto da apresentação no Teatro São João de ‘A Sagração da Primavera’, a peça com que celebrou o centenário do bailado de Stravinsk[y] e Vaslav Nijinsk[y]1, Olga Roriz declarou que nunca deixaria de dançar. Dez anos depois, prova-o com ‘O Salvado’.”

“O Salvado” é um espectáculo dirigido e interpretado por Olga Roriz,
que também é autora do texto e responsável pela escolha musical.
(tnsj.pt)

Como no teatro, um monólogo/solilóquio é um espectáculo difícil de criar e de suster no palco, Olga Roriz rompe o desafio, ou assume-o, com um sentido comunicativo extremo e lúdico numa representação/dança carregada de humor e de referências à sua carreira, e à actualidade. É notável o manejo do corpo, da gestualidade sempre límpida, quase transparente, com a qual assume os diferentes momentos desta coreografia, que, em certos momentos, se transforma em pantomima, em comunicação e em diálogo com o público e muito mais!

Emotivo e marcante para a memória, fica e ficará, o momento final, Olga Roriz, sentada num cadeirão com rodas, rodopia intermitentemente até ao final, num círculo contínuo, acompanhada apenas pela música e por uma luz zenital, enquanto os braços possibilitam o último e único recurso gestual, que parece não se esgotar!

Numa nota muito particular, fui desde 1975, um espectador feliz das representações do Ballet Gulbenkian2, onde vi belas coreografias e vi brilhar como bailarinos(as) e coreógrafos, entre outros, Olga Roriz, Vasco Wellenkamp, Águeda Sena, Marta Athayde, Carlos Trincheiras, Armando Jorge, Rui Horta e Paulo Ribeiro.

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Morreu Álamo de Oliveira

José Henrique Álamo de Oliveira
(© CMAH – acorianooriental.pt)

Em 2017, o açoriano Alpendre – Grupo de Teatro (de Angra do Heroísmo) cumpria 40 anos de existência. Agora, tive notícias da morte (no domingo, 6 de Julho) do autor, dramaturgo e poeta, seu fundador José Henrique Álamo de Oliveira (que era natural da ilha Terceira). As primeiras referências sobre este autor foram-me dadas por um amigo comum, o dramaturgo Norberto Ávila, também açoriano. Resta-me, apenas, lamentar este acontecimento, endereçando sentimentos de pesar ao grupo Alpendre, que resiste na actividade teatral insular!

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Notas:

1 – O espectáculo “O Salvado”na sua estreia, foi dedicado ao encenador e antigo director artístico do TNSJ, Ricardo Pais.

2 – O Ballet Gulbenkian, companhia portuguesa de dança foi criada em Lisboa, no ano 1975, sobre o Grupo Experimental de Ballet (do Centro Português de Bailado) – que se estreou, na cidade do Porto, a 11 de Maio de 1961, tendo sido apoiado pela Fundação Gulbenkian – e o Grupo Gulbenkian de Bailado, no ano de 1965. O seu último espectáculo aconteceu no Teatro Camões, em Lisboa, a 31 de Julho de 2005.

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10/07/2025

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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