Desafios para a proteção da liberdade de imprensa e o papel da IA

 Desafios para a proteção da liberdade de imprensa e o papel da IA

(news.un.org)

Oficialmente instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1993, o 3 de maio é o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. A data foi criada para comemorar a Declaração de Windhoek (na Namíbia) de 3 de maio de 1991, documento, redigido e publicado por jornalistas africanos, sobre a importância dos princípios em defesa da liberdade de imprensa, do pluralismo e da independência dos meios de comunicação social.

Neste ano, a efeméride, que assume valor crucial, sobretudo, neste período histórico em que a liberdade de imprensa, no Mundo, está cada vez mais ameaçada por restrições e por censura, foi aproveitada para refletir sobre o papel da liberdade dos meios de comunicação social como pilares da democracia e sobre o potencial da IA na informação.

Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu.
(facebook.com/roberta.metsola)

A este respeito, Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu (PE), declarou: “Uma imprensa livre é o melhor escudo da democracia. Os jornalistas devem ser livres de informar sem receio de censura, intimidação ou retaliação. O Parlamento Europeu defenderá e apoiará sempre a liberdade dos meios de comunicação social e da imprensa, não apenas no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, mas todos os dias.”

Esta declaração foi secundada pelas da vice-presidente do PE, Sabine Verheyen, e da presidente da Comissão da Cultura e da Educação, Nela Riehl, vincando o papel vital do jornalismo independente. “O jornalismo livre, independente e diversificado é essencial para qualquer sociedade democrática. No entanto, continua a estar ameaçado – mesmo em alguns estados-membros da UE [União Europeia] – e a democracia não pode funcionar sem ele. A Lei Europeia da Liberdade de Imprensa (EMFA), que foi aprovada em abril de 2024, é fundamental para enfrentar estes desafios”, frisou Sabine Verheyen, também presidente do grupo de trabalho para a implementação da EMFA.

Vice-presidente do PE, Sabine Verheyen. (cicae.org)

De acordo com Sabine Verheyen, a EMFA é um “marco histórico” para a UE, já que, pela primeira vez, está em vigor uma lei europeia abrangente de apoio à liberdade de imprensa e ao pluralismo dos media, com progressos legislativos significativos, protegendo os jornalistas da interferência política e das pressões económicas”, o que deve ser ativamente aplicado. Com efeito, as primeiras disposições já entraram em vigor e as partes mais significativas da lei serão implementadas até 8 de agosto de 2025, constituindo passo importante no reforço da liberdade dos meios de comunicação social, em toda a UE.

Por seu turno, Nela Riehl alertou para os perigos da desinformação, especialmente em linha, e sublinhou: “O jornalismo de qualidade está a competir com os algoritmos nas plataformas de redes sociais pela nossa atenção. Para minimizar a propagação de desinformação prejudicial, a UE está a começar a regular as plataformas digitais, mas também precisamos de melhorar a literacia mediática, [de] garantir que as pessoas têm acesso a informações precisas e [de] proporcionar educação sobre o consumo dos meios de comunicação social.”

Presidente da Comissão da Cultura e da Educação, Nela Riehl.
(volteuropa.org)

“Quando a manipulação da informação se torna uma arma, reforçar e proteger as pessoas – especialmente, jornalistas independentes, repórteres, profissionais da comunicação social e voluntários –, é também uma questão de segurança. Por isso, neste Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, sublinhamos também a necessidade de tornar os ambientes de trabalho seguros para a imprensa independente, com condições de trabalho habitáveis, uma infraestrutura europeia de apoio e proteção contra a perseguição”, concluiu.

A efeméride forneceu também o ensejo para refletir sobre temas quentes, como o papel da inteligência artificial (IA) na liberdade de imprensa e na informação. Assim, Mélanie Lepoultier, representante permanente adjunta para os Direitos Humanos do Congresso dos Poderes Locais e Regionais, apelou às autoridades para que maximizassem os benefícios e abordassem os riscos da utilização da IA nos media. “Numa altura em que os meios de comunicação social locais e regionais estão em declínio, devido ao aumento das redes sociais e das plataformas de comunicação social globais, a IA pode ser inestimável para a reportagem de investigação e a criação de conteúdos interessantes, incluindo para os meios de comunicação social locais e regionais. Pode também libertar o tempo dos jornalistas para reportagens originais”, afirmou.

Mélanie Lepoultier, representante permanente adjunta para os
Direitos Humanos do Congresso dos Poderes Locais e Regionais.
(linkedin.com/in/melanie-lepoultier)

Porém, no dizer da especialista, continuam os desafios na transformação digital dos meios de comunicação social locais e regionais, que incluem o facto de os conteúdos gerados pela IA poderem ser enganadores, espalharem desinformação e minarem a confiança no jornalismo local. Ora, como os meios de comunicação social têm recursos limitados para formar o pessoal e os jornalistas sobre a utilização ótima da IA e de outras novas tecnologias, isso tem “impacto direto na sua capacidade de prosperar no novo ambiente digital e de garantir a qualidade dos conteúdos nos meios de comunicação social locais modernos”.

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A 2 de maio deste ano, a organização não-governamental (ONG) Repórteres sem Fronteiras (RSF), publicou o seu relatório anual sobre a liberdade de imprensa no Mundo, com o levantamento dos países onde a atividade jornalística é restringida ou censurada. O resultado é o de “situação mundial difícil”: pela primeira vez, a liberdade de imprensa está no nível mais baixo de sempre; “os ataques físicos a jornalistas são as violações mais visíveis da liberdade de imprensa”; e “a pressão económica é também um problema grave e mais insidioso”.

(rsf.org)

Em primeiro lugar, no ranking, está a Noruega; no fundo estão a China, a Coreia do Norte e a Eritreia; os Estados Unidos da América (EUA) de Donald Trump caíram para a 57.ª posição.

A Europa continua a ser a região mais segura para os jornalistas, mas a situação está a deteriorar-se. De acordo com os dados de 2025, a Itália ocupa o 49.º lugar, descendo três posições, face ao ano anterior. É o país da Europa Ocidental com a classificação mais baixa.

A imprensa europeia está a sufocar. As dificuldades económicas ameaçam as redações, sobretudo as independentes. Os meios de comunicação social têm de enfrentar o fim da ajuda americana e o reforço da propaganda russa. “Hoje, Donald Trump é uma ameaça tão grande para os meios de comunicação social na Europa como Vladimir Putin”, afirma o eurodeputado Pavol Szalai, chefe do gabinete UE-Balcãs da RSF.

Eurodeputado Pavol Szalai, chefe do gabinete UE-Balcãs da RSF.
(linkedin.com/in/pavolszalai)

A Noruega, a Estónia e os Países Baixos estão no topo do ranking. Em contrapartida, a Grécia, a Sérvia e o Kosovo são os países mais mal classificados do continente, respetivamente, nos lugares 89.º, 96.º e 99.º, entre 180 países. Na UE, Atenas está em último lugar. “Na Grécia, a liberdade de imprensa é, realmente, sufocada pela impunidade dos crimes cometidos contra jornalistas. Estou a falar do assassinato do jornalista Giorgos Karaïvaz, em 2021. Até agora, houve um julgamento e os acusados foram absolvidos”, explicou Pavol Szalai, para sublinhar, que se registou maior vigilância de jornalistas na UE e que, na Grécia, mais de 10 profissionais dos media foram alvo do spyware Predator, que deu o nome ao caso Predatorgate.

A Hungria, criticada pelos ataques ao Estado de Direito, está em 68.º lugar. Pavol Szalai refere que “os jornalistas não são mortos nem presos”, mas que há controlo da informação, por parte do governo, ou seja, 80% dos media são controlados pelos amigos de Orbán, o qual tem vindo a apertar constantemente o seu controlo aos meios de comunicação social.

Embora a Europa continue a ser o local mais seguro para os meios de comunicação social, a RSF adverte que a UE deve manter-se vigilante, pois, como sustenta Pavol Szalai, “a liberdade de imprensa continuou a deteriorar-se na Europa”.

(commission.europa.eu)

Porém, a UE dispõe de meios legislativos para proteger os jornalistas, após a adoção, em 2024, pela UE, do Ato Europeu para a Liberdade dos Meios de Comunicação Social, que constitui um ato legislativo histórico, tendo por objetivo reforçar a independência das redações, proteger as fontes, garantir maior transparência na propriedade dos meios de comunicação social e proteger os jornalistas contra todas as formas de espionagem. Porém, “os regulamentos não são aplicados da mesma forma por todos os estados-membros”, segundo Pavol Szalai. Por isso, a RSF apela aos governos europeus para que adotem medidas de apoio aos meios de comunicação social e aponta a necessidade de modelos de financiamento inovadores ou de benefícios fiscais.

A ONG pretende que as plataformas digitais defendam e promovam os meios de comunicação social credíveis. “Infelizmente, as plataformas atuais tendem a promover rumores e propaganda, em vez de informação fiável”, verifica Pavol Szalai, salientando a necessidade de os estados-membros financiarem os meios de comunicação social, após o vazio criado pela retirada financeira e política dos EUA, que exclui, seletivamente, media críticos das suas políticas.

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Alessandra Costante, secretária-geral do sindicato dos jornalistas
italianos. (fnsi.it)

A 25 de Julho de 2024, o relatório anual da Comissão Europeia sobre o Estado de Direito, que analisa os estados-membros, sublinhou os problemas que persistem em matéria de liberdade de imprensa, na Itália. O debate sobre a influência política no setor dos media tem vindo a aumentar. E o relatório punha em evidência a greve dos jornalistas da RAI em protesto contra o controlo do governo sobre o conteúdo editorial, com Alessandra Costante, secretária-geral do sindicato dos jornalistas italianos (FNSI-Federação Nacional de Imprensa Italiana), a lamentar que a Itália esteja “ao mesmo nível de outros países que enfrentam problemas mais graves” e a alertar que “o perímetro da liberdade de imprensa, na Itália, está a diminuir lentamente”. Por isso, levantou a questão à Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) e à Comissão Europeia e solicitou a visita de missões específicas ao país, tentando, de todas as formas possíveis, avisar todos de que “a liberdade de imprensa em Itália está a desaparecer”.

Alessandra Costante criticou a influência do governo sobre a RAI. “Nunca, antes, o serviço público de radiodifusão tinha sido ‘ocupado’ desta forma. A RAI tornou-se uma rede de televisão muito política e isso não é bom; não ajuda o pluralismo da informação”, afirmou.

Giangiacomo Calovini, deputado do partido Fratelli d’Italia.
(en.wikipedia.org)

No relatório, a Comissão Europeia abordava a reforma da justiça, com a possibilidade de afetar a independência e a autoridade dos juízes; manifestava dúvidas sobre o projeto de reforma que visa a eleição direta do primeiro-ministro e sobre a possibilidade de esta trazer maior estabilidade política; e revelava preocupação pela hipótese de o papel do chefe de Estado ser enfraquecido.

Para Giangiacomo Calovini, deputado do partido Fratelli d’Italia, que integra a coligação governativa, o relatório apresenta aspetos positivos e negativos. Quanto aos negativos, como a questão dos meios de comunicação social com a RAI ou a reforma para eleger diretamente o primeiro-ministro, dizia que a questão da Rai já existia, não podendo ser associada apenas ao governo de Giorgia Meloni, que os Italianos escolheram, por duas vezes, mostrando que querem as reformas. Ao invés, a oposição responsabiliza o governo pelo declínio dos padrões democráticos, aduzindo que discorda de algumas daquelas reformas.

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A 13 de março de 2024, na sessão plenária, em Estrasburgo, na França, o PE aprovou, com 464 votos a favor, 92 contra e 65 abstenções, o Regulamento para a Liberdade dos Meios de Comunicação Social, proposto pelo executivo da UE, em setembro de 2022, para proteger a liberdade de imprensa, face a crescentes ameaças, como a manipulação de factos e a espionagem de jornalistas. Posteriormente, denominado Ato Europeu para a Liberdade dos Meios de Comunicação Social, obriga os governos a protegerem os media contra interferências manipuladoras e a limitar o uso de software  de espionagem contra jornalistas.

(Créditos fotográficos: Frederic MARVAUX/ European Union 2024 – Source: EP – pt.euronews.com)

Para supervisionar a aplicação da legislação, será criado um organismo europeu específico, denominado Conselho Europeu dos Serviços de Comunicação Social e os media têm de divulgar, de forma transparente, informações sobre a propriedade, o financiamento e a publicidade estatal.

A desinformação generalizada, a falta de transparência sobre a propriedade dos media e a crescente pressão sobre os jornalistas levaram o bloco a intervir com novas regras abrangentes. Este é o primeiro regulamento da UE para salvaguardar a liberdade de imprensa, considerada uma pedra angular da democracia europeia. E Věra Jourová, então comissária europeia para os Valores e a Transparência, disse no PE, que a lei enviaria uma “mensagem clara àqueles que querem enfraquecer a democracia”, pelo poder do Estado e/ou pelo poder financeiro.

A relatora Sabine Verheyen, então eurodeputada alemã do centro-direita, considera que o regulamento permitirá que os meios de comunicação social se tornem mais independentes da influência das autoridades estatais, num momento em que se teme um retrocesso na liberdade de imprensa em vários estados-membros. Aquando da aprovação do Regulamento, vários países do norte da UE, incluindo a Irlanda, a Finlândia e a Suécia, estavam entre os cinco do topo, a nível mundial, em matéria de independência dos meios de comunicação social, mas outros estados-membros, nomeadamente, a Grécia (em 107.º lugar), estavam a cair nessa lista.

Věra Jourová, então comissária europeia para os Valores e a
Transparência. (pessoas2030.gov.pt)

Verheyen Sabine adiantava que o novo Conselho Europeu (a constituir após as eleições para o PE) podia responsabilizar os governos e os serviços de comunicação social, através de pareceres independentes e da mediação de litígios. 

O PE solicitara que o secretariado do Conselho Europeu fosse nomeado, de forma independente, para garantir a independência, face à Comissão, mas tal não foi possível, devido às “estruturas jurídicas”. E esperava que a lei introduzisse a proibição total da utilização de software de espionagem contra repórteres, em resposta aos relatos da utilização de programas, como o Pegasus e o Predator, para aceder ilegalmente ao equipamento de repórteres na Grécia, na Hungria, na Polónia e na Espanha, mas também isso não foi possível. “Vamos estar atentos à forma como os estados-membros lidam com a tarefa clara de criar organismos de execução verdadeiramente independentes, prometeu Věra Jourová. 

Alguns estados-membros, como a França, a Itália, Malta, a Grécia, Chipre, a Suécia e a Finlândia, tinham insistido na isenção que permitisse aos governos escutar as conversas entre os jornalistas e as suas fontes, em caso de ameaça à segurança nacional. Porém, ao abrigo da nova legislação, os governos da UE só poderão utilizar esses programas informáticos contra jornalistas, como mecanismo de último recurso e quando houver motivo judicialmente válido. E os jornalistas cujo equipamento seja atacado por razões de segurança nacional terão de ser informados das medidas tomadas contra eles, mas não haverá restrições ao trabalho de investigação dos jornalistas.

Eurodeputada neerlandesa Sophie in ‘t Veld. (pt.wikipedia.org)

A eurodeputada neerlandesa Sophie in ‘t Veld, do grupo liberal Renovar a Europa, congratulou-se com as restrições a estes programas e advertiu a Comissão Europeia de que não deve permitir que os governos da UE minem a liberdade dos media e os direitos dos jornalistas, pois há muitos governos, na UE, que não gostam de ser escrutinados. Por isso, a Comissão que deve aplicar as regras e impedir os estados-membros de fugirem às suas responsabilidades.

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A liberdade de imprensa satisfaz a liberdade de expressão e cumpre o direito à informação.

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08/05/2025

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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