Desintoxicação digital

 Desintoxicação digital

Créditos fotográficos: Paige Cody (Unsplash)

Há cada vez mais pessoas que, de vez em quando, procedem à chamada “desintoxicação digital”. Por alguns dias, isolam-se numa “bolha”, deixando de lado todo o tipo de equipamentos eletrónicos, abstendo-se de aceder à Internet, comunicando apenas com as pessoas com quem se encontram fisicamente, lendo livros em papel, comungando com a Natureza, recuperando forças.

É claro que, para que alguns possam fazer isso, muitos outros têm de trabalhar afincadamente para garantir que nenhum serviço essencial fique interrompido, o que só pode acontecer através da utilização intensiva das tecnologias da informação e comunicação (TIC).

É com as TIC que se desmaterializam processos, se facilita o acesso dos cidadãos a todo o tipo de serviços, se disponibiliza mais e melhor informação

De facto, é já impraticável manter a nossa sociedade a funcionar sem recorrer às TIC. As tecnologias da informação e comunicação são essenciais para todas as infraestruturas críticas, sejam elas de produção ou distribuição de energia, de comunicações fixas ou móveis, de transporte de mercadorias ou de pessoas, de segurança dos cidadãos ou do Estado. Além disso, todas as atividades dos setores primário, secundário e terciário recorrem, direta ou indiretamente, às TIC.  O que seria hoje a vida de cada um de nós sem as TIC?

Naturalmente, neste contexto, também os governos e a administração pública recorrem, de forma crescente, às TIC. É com as TIC que se desmaterializam processos, se facilita o acesso dos cidadãos a todo o tipo de serviços, se disponibiliza mais e melhor informação.

Créditos fotográficos: Ayrus Hill (Unsplash)

Infelizmente, em muitos casos isso não significa maior simplificação nem maior benefício para as pessoas. Processos que, em papel, eram complexos, tornam-se ainda mais complexos quando se exige ainda mais informação. Procedimentos que através de uma interação presencial poderiam ser mais simples e mais humanizados, passam obrigatoriamente a ser feitos por via eletrónica. Organismos, instituições e responsáveis remetem friamente os utilizadores para páginas de questões frequentes – as chamadas FAQ (Frequently Asked Questions) –, deixando às pessoas o ónus de entenderem processos muito elaborados e, por vezes, mal concebidos. A tudo isto, acresce a má construção de muitos dos sistemas, que recorrem a interfaces de baixa qualidade funcional e baixa usabilidade.

Créditos fotográficos: Scott Graham (Unsplash)

As tecnologias da informação e comunicação podem ser utilizadas para quase tudo e é bom que o sejam também na área da governação. Mas, apesar de as TIC serem utilizadas para tudo e por todos, os estados não devem, no entanto, querer reduzir a sociedade a um conjunto de indivíduos que se limitam a interagir consigo através dos seus dispositivos móveis.

Num estado desenvolvido, não são as TIC nem os dispositivos eletrónicos que contam, mas sim as pessoas. As TIC não podem ser usadas para, meramente, mostrar serviço e dar a ilusão de progresso, à custa dos genuínos benefícios para as pessoas. Talvez por isso, de vez em quando, os nossos políticos devessem pensar em fazer uma “desintoxicação digital”.

03/11/2022

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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