Encontros de teatro

 Encontros de teatro

(dgartes.gov.pt)

“Tan Tan Tann” 

Assisti à sessão de abertura do  “Tan Tan Tann – Festival de Artes Performativas Contemporâneas”,no dia 6 de Junho, o qual se realizou, como habitualmente, na Tanoaria Josafer, situada em plena cidade de Esmoriz. Esta iniciativa artística resulta do esforço conjunto entre a companhia Imaginar do Gigante – que tem a seu cargo a responsabilidade da coordenação e da direcção artística (Pedro Saraiva) – e da Câmara Municipal de Ovar, enquanto entidade organizadora e promotora do evento. 

(dgartes.gov.pt)

O espectáculo performativo de abertura, ”Alias”, segundo uma nota informativa da própria estrutura organizativa, “é uma incursão no binómio máscara e teatro físico do DÍRTZTHEATRE, uma companhia oriunda de França”. Estivemos perante um “espe[c]táculo que é uma revelação sensível e carnal, uma incursão pelo domínio do psicossomático e os seus mistérios”. “Uma cabeça, um corpo e um ego (tirânico e desajeitado) fustigados por uma dimensão existencial marcada pelo caos. Nesta ‘anatomia complexa’ do ser(-se) há, ainda assim, ombros capazes de aguentar, de suportar, o peso da existência”, acrescenta a mesma nota informativa, adiantando que o espectáculo “Alias” revela “um homem que tenta libertar-se das suas múltiplas camadas, das suas amarras, e parte na busca de encontro do eu com o ‘outro’ que também se alberga no seu próprio corpo e urge ser descoberto. E quem se esconde por detrás do homem?”

No palco, vemos um velho que se desloca com dificuldade. É um homem/máscara, velho cansado que luta com o peso de uma máscara carregada de rugas expressivas e marcantes… Passado algum tempo, descobrimos que por trás desta máscara há um jovem e que o binómio “máscara-corpo” se torna extremamente interessante nos seus quase 20 minutos de representação. O corpo jovem tenta libertar-se da máscara e naquela máscara inexpressiva apenas podemos ver a dor da luta no resto do corpo. 

“Aliás” (dgartes.gov.pt)

O espectáculo “Aliás” trouxe-me à memória uma bela pantomima, idealizada para o mimo Marcel Marceau1, pelo autor de origem chilena Alejandro Jodorowsky2, intitulada “O Fabricante de Máscaras”1. Marceau joga vestindo e despindo várias máscaras imaginárias, invisíveis, até que uma delas fica presa ao rosto e ele não consegue retirá-la. Vi esta pantomima mais de uma vez e está na Internet, para algum curioso ver! 

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44 anos a “Fazer a Festa” 

Terminou, a 10 de Junho, a 44.ª edição do “FAZER A FESTA – Festival Internacional de Teatro para a Infância e Juventude”, uma organização do Teatro Art’Imagem, que, durante cinco dias, decorreu no Fórum da Maia e na Quinta da Caverneira.  

(teatroartimagem.org)

Mais de mil pessoas estiveram presentes nas diversas actividades, acompanhando a programação do festival, com representações de companhias portuguesas e outras vindas da Galiza e da Estremadura (Espanha), do Uruguai e do Brasil.  Foram cinco dias seguidos de espectáculos, de debates, de oficinas e de espaços de encontros, a par de uma exposição e de uma residência artística, com cerca de 100 artistas, técnicos e jovens envolvidos.    

É bom lembrar, como está no texto que se segue, que o “Fazer a Festa”, nasceu no Porto e, claro, como a cidade não gostou, num passado recente – vale a pena lembrar que a companhia teatral Art´Imagem foi,  literalmente, expulsa do Porto e teve, ao jeito dos saltimbancos, de rumar para outras paragens:  “Alvíssaras! Eis aqui de novo o ‘Fazer A Festa’, esta tão nossa quanto vossa celebração teatral, sonhada há mais de quarenta anos, que já foi em tempos plantada num jardim de cristal, que também era um palácio. Tempos que já lá vão e que certamente estarão na memória de muitos que nos acompanham de forma ininterrupta desde o primeiro momento.”

Residência artística pela Sociedade das Primas (Portugal).
(teatroartimagem.org)

Diz o mesmo texto do Teatro Art’Imagem: “Como não nos atrapalhamos nos jardins, nem no senso de comunidade que continua a alimentar o sonho e a celebração, a festa há muito que foi transplantada para a Quinta da Caverneira, actual residência do Teatro Art’Imagem, em parceria com a Câmara Municipal da Maia. 

Se é certo que já não habitamos um palácio, também o é que, na contramão, ganhámos uma quinta e um castelo. O que só por si bastaria para rectificar a lei universal que nos recorda que nada se perde, mas que[,] sim, tudo se transforma.”

A recente edição, para além de companhias portuguesas, contou com parceiros vindos da Galiza e de Cáceres (Espanha) e do Uruguai, possibilitando, como referimos, uma residência artística e a respectiva apresentação do projecto. Além da também já mencionada exposição, houve oportunidade para a leitura do texto vencedor da terceira edição do “Prémio de Dramaturgia Para a Infância e Juventude”, assim como para o lançamento do livro “Cenógrafos, Figurinistas e Marionetistas”; e, igualmente, para o debate aberto à partição pública.  

Neste contexto programático, destacamos a homenagem prestada à artista plástica Fátima Maio e a uma exposição da sua autoria.

Homenagem a Fátima Maio. (teatroartimagem.org)

Fátima Maio é professora e artista plástica. Colaborou com o Teatro Art’Imagem, intensivamente durante mais de duas décadas, na concepção e na construção de figurinos e de adereços para mais de duas dezenas de espectáculos, além da concepção de cartazes – principalmente, para o festival “Fazer a Festa”, traduzindo-se numa linguagem estética muito própria e que dialoga com o projecto artístico desta companhia teatral, numa cumplicidade ímpar.

Exposição de Fátima Maio no Teatro Art’Imagem.
(teatroartimagem.org)

A aludida exposição, como exercício de memória, traz até ao público vários objectos artístico-teatrais marcantes no percurso de Fátima Maio, sobretudo no Art’Imagem, partilhando os objectos finais, mas, principalmente, dando a conhecer os processos criativos de toda a plástica – quer sejam desenhos de figurinos e maquetes de cartazes, quer sejam, mesmo, as ideias em construção nos seus esboços pessoais. Foi uma viagem pela arte de Fátima Maio ao serviço do teatro, com  curadoria desta artista plástica, enquanto a construção e a instalação foram da responsabilidade de  José Lopes, tendo o apoio na pesquisa sido concretizado pelo Fundo Teatral Art’Imagem e pela Câmara Municipal da Maia. 

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“Cenógrafos, Figurinistas e Marionetistas”

(teatroartimagem.org)

José Caldas apresentou o seu livro “Cenógrafos, Figurinistas e Marionetistas”: “Poucas publicações contemplam a radiografia poética e plástica dos diversos artistas que se mantém na sombra dos espe[c]táculos teatrais  como os cenógrafos, figurinistas e marionetistas. Este livro e esta exposição tem a intenção de dar a conhecer estes artistas que trabalharam comigo ao longo de 50 anos. Pouquíssimas publicações dão a radiografia poética e plástica dos diversos [artistas] em Portugal, França, Itália, Galiza e Brasil. Assim, queremos salientar a importância dos seus proje[c]tos e construções para os espe[c]táculos e contribuir para a História do Teatro no seu todo e [para] a conservação da sua memória. São eles[,] pois[,] os protagonistas desses aconteceres. Dirigidas a eles as luzes fortes dos proje[c]tores dando vida e voz ao seu trabalho: como não sei dar início à invenção de um espe[c]táculo sem ver o espaço que habitaremos, que figurinos os a[c]tores vestirão, qual a forma vida das marionetas – preciso com urgência das suas presenças. Dedico, pois, nos meus 80 anos de vida e 50 de teatro, este livro e exposição aos meus amados artistas que comungaram comigo a magia, a peleja e a realização destes sonhos concretamente efémeros.”

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Notas:

1“Uma fábula sobre a felicidade”, na eloquência de seu silêncio, Marceau conta a história de um homem que experimenta uma máscara após a outra, até que ocorre um incidente inesperado e sinistro que só pode ser resolvido tragicamente (é uma fábula que, aliás, parece ter enorme relevância ainda hoje). Vale a pena mencionar também que, embora a história seja de Jodorowsky, a gesticulação e a coreografia são de Marceau, razão pela qual os créditos da peça são de ambos. 

2 – Alejandro Jodorowsky  (1929) nasceu no Chile. É filho de pais judeus ucranianos oriundos de Yekaterinoslav (actual Dnipro) e de Elisavetgrad (actual Kropyvnytskyi) no Império Russo (hoje, na Ucrânia). Alejandro Jodorowsky é cineasta, escritor e “psicomago” (na sua própria definição). 

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30/06/2025

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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