“Foram vocês que fizeram” Guernica

A obra “Guernica”, de Pablo Picasso, com 349,3 x 776,6 cm, está exposta no Museu Reina Sofía, em Madrid. (Direitos reservados)
“Foram vocês que fizeram. Eu apenas pintei”, respondeu Pablo Ruiz Picasso (1881-1973) ao oficial da Gestapo1 que o interrogou sobre a sua obra “Guernica”2.

(wikiwand.com)
A pergunta foi feita a Picasso, imediatamente após os nazis terem ocupado Paris. Não admira: Hitler considerava-o um “artista degenerado”.
Também as autoridades francesas vigiavam todos os seus passos, desde a sua chegada, em Outubro de 1900. Tanto que, em Junho de 1901, redigiram o primeiro relatório sobre o “estrangeiro 74 664”: “Chegamos à conclusão de que Picasso compartilha das ideias de seu compatriota Mañach, com o qual habita. Em consequência, temos elementos que permitem classificá-lo como anarquista.”
O malaguenho Picasso tinha apenas 19 anos de idade. E, na capital francesa, juntou-se à comunidade catalã de Montmartre, o bairro boémio e artístico da “cidade luz”.
Pedro Manãch, anarquista, coleccionador e negociante de arte, oriundo de uma família rica de Barcelona (em Espanha), acolheu-o em sua casa e tornou-se o seu “marchand”.

autorretratos da carreira de Pablo Ruiz y Picasso, presente na sua
primeira exposição em Paris, a 24 de Junho de 1901.
(efemeridesdoefemello.com)
Manãch realizou a primeira exposição de Picasso em Paris. Uma mostra constituída por 64 quadros, que a comunidade artística local olhou com desconfiança. “Ele tinha um estigma triplo. Era um estrangeiro, um artista de vanguarda e um anarquista”, observa a historiadora francesa Annie Cohen-Solal, no seu livro “Picasso: o Estrangeiro”3, no qual, ao longo de 630 páginas, escreve sobre a vida e a obra do génio, que também se distinguiu como cenógrafo, poeta e dramaturgo.
Pablo Picasso aderiu ao Partido Comunista Francês (PCF) em 1944, mas ainda antes, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), deixou um significativo número de sinais, artísticos e pessoais, de apoio à República.
“Pomba da Paz”, uma série de desenhos que criou para simbolizar a Paz no pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), levaram-no a participar no Congresso Mundial pela Paz, que decorreu em Abril de 1949, na capital francesa.

O filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), o escritor e poeta surrealista francês Louis Aragon (1897-1982), o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1971, e o físico Frédéric Joliot-Curie (1900-1958) foram outros dos intelectuais presentes na reunião magna de Paris.
Picasso foi um gigante das artes plásticas que sempre esteve ao lado dos vivos ignorados. A sua obra “Guernica” é – continua a ser! –um grito contra o horror. Foi há 88 anos, que se cumprem no dia 26 de Abril. Urge não o esquecer. Sobretudo, agora que os neonazis ameaçam o Mundo…
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Notas:

1 – A Gestapo era a polícia secreta da Alemanha nazi (Geheime Staatspolizei), que também actuava na Europa ocupada pelos Alemães. Em 20 de Abril de 1934, a supervisão da Gestapo passou para o chefe da Schutzstaffel (SS), Heinrich Himmler, que foi igualmente nomeado Chefe da Polícia Alemã, por Adolf Hitler, em 1936.
2 – Guernica é considerada a “cidade santa” do País Basco. E durante a Guerra Civil Espanhola era conhecida como local de resistência da cultura basca. Foi arrasada no dia 26 de Abril de 1937, pela aviação alemã, ao serviço dos franquistas, durante a Guerra Civil. Os aviões de guerra alemães eram comandados pelo pelo marechal Wolfram von Richthofen. A ruína e o horror foram pintados por Pablo Picasso, que lhe deu o nome da cidade mártir. A obra encontra-se actualmente exposta no Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofía, em Madrid.


3 –Annie Cohen-Solal assina “Picasso, O Estrangeiro”, a densa biografia sobre o artista plástico, que mereceu rasgados elogios dos críticos. Pela sua originalidade: “Intrigante e perspicaz… uma faceta de Picasso há muito esquecida”, observa The Wall Street Journal, enquanto o New York Times ressalta que o livro se distancia das narrativas clichês da boemia parisiense e investiga a xenofobia que seguiu Picasso durante sua residência na França. Por fim, a Kirkus Review destaca a argumentação de Cohen-Solal sobre como a identidade expatriada do artista “influenciou decisivamente [a] sua obra e os eventos de sua vida, o que resulta [n]uma pesquisa abrangente sobre história da arte”. Cohen-Solal é socióloga, académica, escritora e principal biógrafa do filósofo francês Jean-Paul Sartre. É doutora em Letras e professora de Estudos Americanos na Universidade de Caen e na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais de Paris, bem como professora-visitante na Universidade de Nova Iorque.
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Fontes consultadas: “Picasso, O Estrangeiro”, de Annie Cohen-Solal, e “Infopédia – Dicionários Porto Editora” (infopedia.pt).
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14/04/2025
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