“Foram vocês que fizeram” Guernica

 “Foram vocês que fizeram” Guernica

A obra “Guernica”, de Pablo Picasso, com 349,3 x 776,6 cm, está exposta no Museu Reina Sofía, em Madrid. (Direitos reservados)

“Foram vocês que fizeram. Eu apenas pintei”, respondeu Pablo Ruiz Picasso (1881-1973) ao oficial da Gestapo1 que o interrogou sobre a sua obra “Guernica”2.

Picasso em foto da revista Vea y Lea, em Março de 1962.
(wikiwand.com)

A pergunta foi feita a Picasso, imediatamente após os nazis terem ocupado Paris. Não admira: Hitler considerava-o um “artista degenerado”.

Também as autoridades francesas vigiavam todos os seus passos, desde a sua chegada, em Outubro de 1900. Tanto que, em Junho de 1901, redigiram o primeiro relatório sobre o “estrangeiro 74 664”: “Chegamos à conclusão de que Picasso compartilha das ideias de seu compatriota Mañach, com o qual habita. Em consequência, temos elementos que permitem classificá-lo como anarquista.”

O malaguenho Picasso tinha apenas 19 anos de idade. E, na capital francesa, juntou-se à comunidade catalã de Montmartre, o bairro boémio e artístico da “cidade luz”.

Pedro Manãch, anarquista, coleccionador e negociante de arte, oriundo de uma família rica de Barcelona (em Espanha), acolheu-o em sua casa e tornou-se o seu “marchand”.

“Yo, Picasso” é o título desta pintura, um dos primeiros
autorretratos da carreira de Pablo Ruiz y Picasso, presente na sua
primeira exposição em Paris, a  24 de Junho de 1901.
(efemeridesdoefemello.com)

Manãch realizou a primeira exposição de Picasso em Paris. Uma mostra constituída por 64 quadros, que a comunidade artística local olhou com desconfiança. “Ele tinha um estigma triplo. Era um estrangeiro, um artista de vanguarda e um anarquista”, observa a historiadora francesa Annie Cohen-Solal, no seu livro “Picasso: o Estrangeiro”3, no qual, ao longo de 630 páginas, escreve sobre a vida e a obra do génio, que também se distinguiu como cenógrafo, poeta e dramaturgo.

Pablo Picasso aderiu ao Partido Comunista Francês (PCF) em 1944, mas ainda antes, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), deixou um significativo número de sinais, artísticos e pessoais, de apoio à República.  

“Pomba da Paz”, uma série de desenhos que criou para simbolizar a Paz no pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), levaram-no a participar no Congresso Mundial pela Paz, que decorreu em Abril de 1949, na capital francesa.

“O Rosto da Paz”, Offset, por Pablo Picasso. (auctionet.com)

O filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), o escritor e poeta surrealista francês Louis Aragon (1897-1982), o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1971, e o físico Frédéric Joliot-Curie (1900-1958) foram outros dos intelectuais presentes na reunião magna de Paris.

Picasso foi um gigante das artes plásticas que sempre esteve ao lado dos vivos ignorados. A sua obra  “Guernica” é – continua a ser!um grito contra o horror. Foi há 88 anos, que se cumprem no dia 26 de Abril. Urge não o esquecer. Sobretudo, agora que os neonazis ameaçam o Mundo…

.

Notas:

(eng.ipn.gov.pl)

1 – A Gestapo era a polícia secreta da Alemanha nazi (Geheime Staatspolizei), que também actuava na Europa ocupada pelos Alemães.  Em 20 de Abril de 1934, a supervisão da Gestapo passou para o chefe da Schutzstaffel (SS), Heinrich Himmler, que foi igualmente nomeado Chefe da Polícia Alemã, por Adolf Hitler, em 1936.

2 – Guernica é considerada a “cidade santa” do País Basco. E durante a Guerra Civil Espanhola era conhecida como local de resistência da cultura basca. Foi arrasada no dia 26 de Abril de 1937, pela aviação alemã, ao serviço dos franquistas, durante a Guerra Civil. Os aviões de guerra alemães eram comandados pelo pelo marechal Wolfram von Richthofen. A ruína e o horror foram pintados por Pablo Picasso, que lhe deu o nome da cidade mártir.  A obra encontra-se actualmente exposta no Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofía, em Madrid.

Guernica foi arrasada pela aviação alemã, a 26 de Abril de 1937. (theconversation.com)
(Direitos reservados)

3 –Annie Cohen-Solal assina “Picasso, O Estrangeiro”, a densa biografia sobre o artista plástico, que mereceu rasgados elogios dos críticos. Pela sua originalidade: “Intrigante e perspicaz… uma faceta de Picasso há muito esquecida”, observa The Wall Street Journal, enquanto o New York Times ressalta que o livro se distancia das narrativas clichês da boemia parisiense e investiga a xenofobia que seguiu Picasso durante sua residência na França. Por fim, a Kirkus Review destaca a argumentação de Cohen-Solal sobre como a identidade expatriada do artista “influenciou decisivamente [a] sua obra e os eventos de sua vida, o que resulta [n]uma pesquisa abrangente sobre história da arte”. Cohen-Solal é socióloga, académica, escritora e principal biógrafa do filósofo francês Jean-Paul Sartre. É doutora em Letras e professora de Estudos Americanos na Universidade de Caen e na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais de Paris, bem como professora-visitante na Universidade de Nova Iorque.  

.

Fontes consultadas: “Picasso, O Estrangeiro”, de Annie Cohen-Solal, e “Infopédia – Dicionários Porto Editora” (infopedia.pt).

.

14/04/2025

.

Siga-nos:
fb-share-icon

Soares Novais

Porto (1954). Jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. “Diário de Notícias”, “Portugal Hoje”, “Record”, “Tal & Qual” e “Jornal de Notícias” (JN) são algumas das publicações onde exerceu o seu ofício [Fonte: “Quem é Quem no Jornalismo”, obra editada pelo Clube de Jornalistas, em 1992]. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi delegado sindical e dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) [no biénio de 1996/97, sendo a Direcção do SJ presidida por Diana Andringa], da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP) e membro do Conselho de Redacção do JN, do qual foi editor-adjunto do “Gabinete de Reportagem” e do “Desporto”. É autor do romance “Português Suave – Cuidado com cão” [1.ª edição “Euroedições”, em 1990; 2.ª edição “Arca das Letras”, em 2004], do livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”, da peça de teatro “E Tudo o Espírito Santo Levou” e da obra para a infância “A Família da Gata Pintinhas”. É um dos autores portugueses com obra publicada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Actualmente, integra a Redacção do jornal digital “sinalAberto”.

Outros artigos

Share
Instagram