Futsal feminino da Académica encerra: um silêncio indesejado

 Futsal feminino da Académica encerra: um silêncio indesejado

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Mesmo com títulos e talento, a equipa feminina de futsal da Académica não vai regressar aos pavilhões. Atletas sem clube, promessas adiadas e um futuro incerto marcam o fim de um projecto que resistia num desporto que ainda fecha portas às mulheres.

Arrancou mais uma época desportiva. Os pavilhões ganham vida, os clubes definem estratégias e os atletas regressam aos treinos. Mas para as jovens que vestiam a camisola preta do Futsal da Académica, este recomeço não aconteceu. A secção feminina não vai voltar. A decisão não foi anunciada com comunicados nem conferências de imprensa. Apenas foram adiando as inscrições para nova época.

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“Porque é tudo tão difícil para as meninas? Mesmo quando apresentam óptimos resultados?”, desabafa Inês Pratas, de 17 anos, ex-atleta da equipa. Talento promissor e a ambição de se tornar jogadora profissional – hoje está sem clube, sem planos concretos e com uma pergunta que ecoa em muitas outras jovens: porquê?

A equipa feminina de futsal da Académica nasceu há cerca de seis anos, pelas mãos do então treinador João Filipe – que acabaria por sair para o Sporting. A iniciativa foi uma resposta directa a uma lacuna estrutural: a ausência de espaço para raparigas neste desporto. Na altura, as atletas jogavam em equipas mistas até à adolescência, mas, à medida que cresciam, viam-se forçadas a abandonar a prática. “Se não tivesse sido criada a equipa feminina, a maioria das minhas colegas teria desistido,” recorda Inês.

Do zero construiu-se um projecto com duas equipas: juniores e seniores. Rapidamente, chegaram os resultados. Títulos distritais, subidas de divisão, atletas chamadas a selecções regionais. Com esforço e paixão, formou-se uma estrutura que dava respostas treinos regulares, apoio médico, envolvimento das famílias e até patrocínios. Um deles, da EFAPEL, foi conquistado graças aos resultados das seniores.

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Mas com a saída do treinador fundador, veio o declínio. Segundo Filipe Pratas, pai da Inês e envolvido activamente na vida da equipa, “assistimos a uma luta de poder pela direcção que resultou numa nova liderança que não quis investir no futsal feminino. Nem com os resultados a justificar”.

A equipa sénior da Académica estava prestes a garantir a subida à Primeira Divisão Nacional. Lutava com clubes mais estruturados e apresentava um desempenho notável. Mas, do lado da direcção, o apoio não chegou. “Às vezes, não havia água nos treinos. Não havia equipamentos. Era tudo à base da boa vontade das atletas e das famílias”, denuncia Inês.

A balança era desequilibrada. Enquanto o futsal feminino era ignorado, os escalões masculinos aumentavam. Foram criadas equipas para rapazes, com divulgação online, treinos bidiários e acesso privilegiado ao melhor pavilhão. “Estas miúdas são as que sobreviveram ao filtro do desporto misto. São as melhores das melhores”, sublinha Filipe Pratas. “Porque é que, em vez de mais um escalão masculino, não abriram um para meninas mais novas? A resposta da direcção foi: ‘as meninas só dão despesa’.” A frase choca, mas é reveladora.

No jogo da igualdade, os obstáculos para as mulheres não se limitam ao campo. Estão na gestão, nos orçamentos e nas prioridades. Filipe lembra ainda um episódio particularmente simbólico: “Num jogo contra o Miranda, nas equipas mistas, havia uma menina em cada equipa. Foram as únicas que não jogaram nem um minuto. Com 12 anos. Porque ‘aquele resultado era muito importante’.

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Quando chegou ao fim a época passada, não houve qualquer aviso formal. Apenas um silêncio ensurdecedor. Foi a treinadora que, por consideração, nos avisou que não ia haver próxima época”, refere Filipe, adiantando: “Perguntei ao presidente e voltou a dizer que não havia dinheiro. E ficou por aí. Sem uma reunião. Sem uma explicação. Simplesmente… acabou.”

Inês resume a frustração partilhada por todas: “Nenhuma atleta ia sair da Académica se a equipa continuasse. Tínhamos tudo para subir à Primeira Divisão. O único patrocínio que existia era o nosso, o das raparigas. Mas mesmo assim, não foi suficiente.”

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Futebol (ainda) não é para elas

Apesar dos avanços dos últimos anos – com selecções nacionais a brilhar e jogadoras portuguesas em clubes internacionais –, o futebol feminino em Portugal continua a enfrentar uma série de obstáculos. A começar na base. Nas escolas, as raparigas têm menos acesso a horários e espaços para jogar. Muitas vezes, precisam insistir para serem incluídas.

Depois, a ausência de representatividade na comunicação social e a falta de modelos femininos visíveis alimentam um ciclo de exclusão. Se não se vêem mulheres a jogar, torna-se mais difícil para uma criança acreditar que pode vir a ser uma delas.

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A desigualdade estende-se a todos os níveis: salários, infraestruturas, apoio médico, staff técnico. Enquanto alguns jogadores homens chegam a ganhar ordenados milionários, muitas jogadoras treinam ao fim do dia, depois de um dia de trabalho ou de aulas – e sem remuneração. Há relatos de atletas que compram as próprias chuteiras, pagam deslocações ou treinam em pavilhões degradados.

Nos clubes profissionais, o cenário é apenas marginalmente melhor. Os orçamentos continuam profundamente desiguais, com os patrocinadores hesitantes. Os jornais desportivos raramente dão destaque às equipas femininas. Nos telejornais, o futebol de mulheres surge apenas quando há conquistas inéditas.

Essa invisibilidade tem consequências reais: menos apoio, menos investimento, menos inspiração para as novas gerações.

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Resistência e paixão

Apesar de tudo, o futebol feminino continua a crescer. E cresce contra todas as probabilidades. “Cada menina que entra em campo representa uma luta colectiva por mais respeito, igualdade e espaço no desporto,” diz Filipe Pratas, acrescentando: “Mas também representa tudo o que está mal.”

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O encerramento da equipa feminina de futsal da Académica não é apenas um fim. É um símbolo. Do que se perde quando se negligencia o desporto feminino. De como o talento pode ser ignorado em nome de preconceitos e orçamentos míopes. De como a paixão, por mais forte que seja, nem sempre basta.

Para Inês, que ainda sonha com uma carreira profissional, o futuro é incerto. Não desistiu, mas também não encontra portas abertas. “Se nem com títulos, com patrocínios e bons resultados conseguimos continuar, o que mais precisamos fazer? As meninas têm de lutar muito mais. E, às vezes, nem isso chega”, declara.

O caso da Académica é, infelizmente, apenas um exemplo entre muitos. Enquanto o futebol feminino não for visto como uma prioridade – desde as escolas aos clubes, passando pela comunicação social –, continuaremos a perder atletas, oportunidades e, acima de tudo, justiça desportiva e igualdade.

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06/11/2025

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Ana Rajado

Ana Rajado é natural de Coimbra. Mestre em História e licenciada em Geografia. Com experiência em jornalismo, estagiou na “Lusa” (Agência de Notícias de Portugal), colaborou com o “Jornal I”, bem como na obra colectiva “Os Anos de Salazar” (30 volumes, pela Editorial Planeta DeAgostini, em 2008). É autora do documentário “Os Corticeiros”, sobre a indústria da cortiça no Vale do Ave, e produtora do documentário “As Coisas Não São Feitas Por Acaso”, em torno da vida e da obra do fotojornalista Eduardo Gageiro. Actualmente, escreve também para o semanário “Campeão das Províncias” e para o jornal “O Despertar”.

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