Jogos Olímpicos 2024: “A maior medalha é estar presente”
Terminaram, em Paris, a 11 de Agosto de 2024, mais uns Jogos Olímpicos da era moderna. Sobre estes jogos muito já se comentou e até disparatou, bem à maneira portuguesa, pois é sempre mais fácil criticar o que corre mal do que elogiar o que corre bem. Procuraremos demonstrar que as críticas destrutivas feitas aos atletas portugueses participantes não têm qualquer razão de ser e que são particularmente injustas. Antes, porém, queremos recordar alguns dados das nossas participações nos jogos anteriores.
1 – As olimpíadas gregas estão documentadas desde 776 a.C. Em 1896, realizaram-se, em Atenas, os primeiros jogos da era moderna. Por mera curiosidade, a primeira participação portuguesa em Jogos Olímpicos aconteceu numa modalidade que não faz parte, rigorosamente falando, das modalidades olímpicas de hoje. Aconteceu em 1900, também em Paris, tendo sido uma das provas destes jogos aberta aos bombeiros. Estes participantes tinham de, no mínimo tempo possível, simular um resgate de vítimas de uma casa em chamas. E foi a equipa portuguesa – liderada por Guilherme Gomes Fernandes, uma personalidade que, hoje, dá nome a uma praça no Porto – que se sagrou campeã do Mundo. Este facto relevante vale o que vale pelo seu simbolismo e, quiçá, será desconhecido de grande parte dos Portugueses.
Mas, curiosamente, foi também há 100 anos, em Paris, que uma equipa lusa de hipismo, composta por oficiais de cavalaria – Aníbal Borges de Almeida, Hélder de Sousa Martins e José Mouzinho de Albuquerque – trouxe consigo a medalha de bronze.
Foi nessa data, pois, que começou o nosso ciclo vencedor que nos fez já ganhar 33 medalhas olímpicas (seis medalhas de ouro, 12 de prata e 15 de bronze), as quais são a prova do esforço, da dedicação e do talento dos atletas portugueses, em várias modalidades, com destaque muito particular para o atletismo, em que Portugal obteve alguns dos seus maiores sucessos. Todos recordamos, certamente, os grandes feitos de Carlos Lopes, de Rosa Mota, de Fernanda Ribeiro e de Nelson Évora, que nos brindaram com medalhas de ouro. Convém ainda não esquecer que, desde 1900 até hoje, terão participado nos Jogos Olímpicos cerca de 800 atletas de eleição.
Todavia, como disse recentemente uma ex-atleta olímpica portuguesa, “a melhor medalha é estar presente”. Por norma, louvamos apenas os medalhados e esquecemos todos aqueles que conquistaram diplomas olímpicos. No caso deste ano, Portugal conseguiu 14 diplomas olímpicos.
Momento alto dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, que fez vibrar de júbilo qualquer português em qualquer canto do Mundo, foi o sorriso e o abraço de Iuri Leitão e de Rui Oliveira, vencedores da medalha de ouro em ciclismo de pista.
Os dois atletas irradiavam satisfação e devem ter dado por muito bem empregado o tempo de treino no velódromo de Sangalhos, estrutura construída há 15 anos e que fez progredir, de forma espantosa, esta modalidade – muito menos conhecida do que o ciclismo de provas em estrada. Registemos que, desde que existe este velódromo bairradino, Portugal conquistou 37 medalhas internacionais no ciclismo de pista.
Porém, já que falamos de estruturas, não podemos deixar de referir a pista de canoagem de Montemor-o-Velho, inaugurada em 2002, que contribui, verdadeiramente, muito para as 145 medalhas conquistadas pelo supercampeão Fernando Pimenta e que permite a centenas de atletas de outros países aproveitarem esta infraestrutura maravilhosa, em boa hora construída.
2 – No país da má língua, sobretudo nas conversas de café ou no Facebook e no Instagram, alguns iluminados “portugas” acham, contudo, vergonhosos os resultados de Paris. Estes apedeutas, sem cultura desportiva – pois, para eles, desporto é ganhar –, vociferaram contra alguns resultados obtidos por atletas que nada têm a provar ao Mundo, como são os casos de Fernando Pimenta, o português mais medalhado, e de Diogo Ribeiro, que crucificaram imediatamente!
Ou o caso de Pablo Pichardo, que se ficou pela medalha de prata! Gritaram que Pimenta foi uma desilusão, esquecendo todo o seu passado de honra e de glória! Juraram que o jovem Diogo Ribeiro foi um falhado que tanto prometeu, mas que nada nos deu! Proclamaram, urbi et orbi, que Pablo Pichardo teve medo, que não arriscou e que se contentou com a prata!
Que gente ignorante e injusta! Como é que podemos admitir tais comentários, tais juízos de valor sem qualquer fundamento, se a delegação portuguesa de Paris 2024 foi, apesar desses desaires, a melhor representação de sempre de Portugal em Jogos Olímpicos? Estamos em crer, salvo melhor opinião, que estes portugueses pertencem ao leque dos que só se interessam por essas modalidades de quatro em quatro anos. Nos intervalos dos Jogos Olímpicos, praticam o seu desporto favorito que é, basicamente, verem futebol, refastelados nas poltronas.
Convém, contudo, não esquecer que estes e estas, que tanto gritam contra o que consideram ser maus resultados, pertencem a um país que terá, muito provavelmente, a única capital europeia, Lisboa, sem uma pista coberta de atletismo. E devemos considerar ainda outro aspecto: Portugal é um país que investe 40 euros por habitante em desporto, enquanto a média da União Europeia está nos 113 euros. Acrescentemos também que Portugal reservou 10 milhões de euros no seu Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para apoiar o desporto olímpico. O mesmo que, afinal, investiu no famoso velódromo de Sangalhos e que, agora, deu frutos.
Ainda há bem pouco tempo, precisamente há três anos, a melhor ginasta portuguesa de sempre, como voltou a provar este ano nos Jogos de Paris, Filipa Martins, se queixava de que mal conseguia arrendar uma casa e comprar um carro, dependendo financeiramente só da modalidade. Esta ginasta e outros atletas vivem em Portugal, que é um país que, como lembrou Jorge Manuel Araújo (director do Comité Olímpico Português), precisou de 20 anos para que um primeiro-ministro visitasse a comitiva nacional nos Jogos Olímpicos. E, claro, como qualquer político, mais ou menos experiente, toca a tirar partido do êxito dos atletas! Palmas, abraços, bandeira a acenar e palmadinhas nas costas, a que se acrescentou o desabafo brilhante: “O desporto é uma política pública que este Governo privilegia.” “Nota-se muito?”, perguntarão os leitores. Eu diria que nem tanto assim. Para isso, basta pensarmos que o Orçamento de Estado para o sector do desporto é da ordem dos 50,3 milhões de euros.
Após a sua vitória, em Paris, todos tivemos oportunidade de ouvir as palavras de Rui Oliveira, um dos dois heróis do ciclismo em pista: “Espero que nos ajudem mais e [que] tenhamos mais apoio. Às vezes, isso falta. Que não se lembrem só daqui a quatro anos que existimos e [que não] só pensem em medalhas.” Acreditamos que este desabafo do ciclista poderia ser assumido por qualquer dos atletas portugueses participantes.
3 – Há muitos comentadores e analistas do fenómeno desportivo a considerarem – com alguma razão, diga-se – que, em Portugal, só se liga ao futebol e, particularmente, aos clubes grandes. Portanto, a maioria dos Portugueses não conhece mais nada! No entanto, durante três semanas, estes portugueses viraram todos especialistas e passaram a exigir medalhas aos atletas, muitos deles que tinham acabado de descobrir! Será que todos estes hipercríticos conhecem as condições de treino de todos os atletas?
Rejubilámos com as vitórias no ciclismo de pista! Isso é legítimo! Mas, quantos portugueses conhecem as regras do Madison1? Quantos sabem o número de regatas para chegar a uma final de canoagem? Saberão, igualmente, quantos saltos se podem fazer numa final de tripo salto em comprimento?
O mais importante seria que todos os portugueses ganhassem mais cultura desportiva. Ideal seria também que as apostas do Estado no apoio ao desporto, seja no âmbito escolar seja na alta competição, fossem mais ambiciosas. Os Portugueses, no geral, têm de ganhar cultura desportiva e o Estado tem de perceber quão positiva é essa aposta, desde o desporto escolar à alta competição. Ninguém pretende exigir um velódromo em cada distrito. Mas são, certamente, possíveis mais pistas de piso em “tartan” para a prática do atletismo, em que sempre tivemos boas tradições. Se, hoje, temos tão bons resultados em algumas modalidades, é bom que analisemos as condições de trabalho desses atletas. E então, sim, poderemos falar e tirar conclusões.
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Nota da Redacção:
1 – Madison é uma corrida em que cada equipa deve completar mais voltas do que qualquer outra equipa. Na sua participação, os ciclistas de cada equipa alternam-se durante a corrida, dando vez ao outro membro, descansando e, depois, retomando a corrida.
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19/08/2024