Livros e resenhas 

 Livros e resenhas 

Rui Reininho (tophits.pt)

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Rui Reininho apropria-se da letra “ñ” (leia-se “enhe”), letra única nos alfabetos latinos, para dar título à sua colectânea “Soñetos”. Estes poemas (ou letras de canções) não se submetem à rigorosa métrica de Petrarca. No século XVI, o soneto ganhou destaque na literatura europeia, principalmente, graças ao poeta italiano Francesco Petrarca. Os seus sonetos de amor e de paixão tornaram-se famosos e influenciaram uma geração inteira de poetas. O soneto foi introduzido em Portugal pelo poeta português Sá de Miranda, em 1527, mas foi Luís Vaz de Camões que se apossou do género literário e o tornou famoso devido ao extenso uso nas suas obras. 

Para o Rui Reininho, estas mais de 150 letras ou poemas que escreveu, tendo em conta o ritmo da música e como elas poderiam ser cantadas, são, talvez, sonetos sonhados. Entre eles destaco: “Há um prenúncio de morte / Lá do fundo donde eu venho / Os antigos chamam-lhe relho / Novos ricos são má sorte […]”

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No jornal Público, de 30 de Maio de 2025, António Araújo analisa, num belo texto, o livro “Semper Dolens – História do Suicídio no Ocidente”, de Ramón Andrés, que qualifica como um livro notável, mais do que uma simples história do suicídio, um ensaio notável sobre a condição humana: informado, erudito, profundo, interpelante. 

No mesmo artigo, António Araújo repara que não “só os pobres e os remediados punham termo à vida”. Pois, “no entanto, também os famosos se matavam – Soares dos Reis, Júlio César Machado e Camilo, em 1890; Antero, em 1891; Mouzinho de Albuquerque, em 1902; Carlos de Lima Mayer, em 1910; Manuel Laranjeira, em 1912 –, fazendo-o a uma cadência tal que levaria Unanumo a qualificar-nos como ‘un pueblo de suicidas, tal vez un pueblo suicida’, razão acrescida para que nos interessemos por este livro excepcional.” Entre as muitas notas interessantes do artigo, nota-se que o termo “suicídio” aparece tardiamente. Desde a primeira vez em que é usado no Ocidente (no tratado “Religio medici”, de Thomas Browne, impresso em 1642) até à célebre taxonomia de Émile Durkheim, o filósofo e ensaísta Ramón Andrés considera que “não há, não pode haver novas teorias sobre o suicídio”. 

Busto de Cícero nos Museus Capitolinos,
em Roma. (pt.wikipedia.org)

Na Antiguidade, autores como Eurípides, Aristóteles ou Heródoto utilizaram termos e expressões como “katalyo bioton” (significando “fazer a vida em pedaços”) e “hekousios apothneisko” (o que equivale a “morrer voluntariamente”), “autoktonos” (querendo dizer “matar-se a si próprio”) ou “autophoneutes” (transmitindo a ideia de “assassino de si mesmo”, tudo isto para se referirem ao suicídio. Todavia, a expressão mais antiga que existe para descrever o suicídio é a dada por Cicero (106-43 a.C.): “mors voluntaria”. Sabemos que os clássicos eram românticos. Mas por que dizer “suicídio”, pudendo dizer, nas palavras de Platão, que “se despoja violentamente da parte da vida que lhe foi dada pelo destino”? 

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Ao partilhar notas com o meu amigo e colega Francisco Jesus, da Escola Superior Artística do Porto (ESAP), chamou-me a atenção sobre a obra “O Suicídio”, livro que foi um dos pilares no campo da Sociologia. Escrito pelo sociólogo francês Émile Durkheim e publicado em 1897, foi um estudo de caso sobre o suicídio, publicação única nessa época, que trouxe o exemplo de como uma monografia sociológica deveria ser escrita. 

A figura de Rodrigo Díaz de Vivar (1043-1099), o Cid Campeador, voltou ao centro do debate historiográfico após a publicação, no Reino Unido, do livro “O Cid: Vida e lenda de um mercenário medieval”, assinado por Nora Berend, catedrática de História Europeia na Universidade de Cambridge.

Monumento ao Cid em Burgos (Castela e
Leão , em Espanha), inaugurado em 1955.
Estátua equestre de bronze esculpida por Juan
Cristóbal González Quesada (1897–1961).
(en.wikipedia.org)

A obra, que reinterpreta o Cid como um simples mercenário ao serviço de quem pagasse, levantou polémica no âmbito académico e nos media espanhóis. No programa radiofónico “Poniendo las Calles”, o historiador José Luis Corral desmontou essa visão: “Julgar o Cid com os olhos do século XXI é um erro monumental.” (“Cope” de José Manuel Nieto, publicado em 4 Junho de 2025) 

Esta figura foi tema dos meus estudos no liceu, na assinatura de Castellano, e foi sempre apresentada como um herói, de perfil exemplar, digno e conquistador justo das terras que ganhou aos Mouros no campo de batalha. É esse o perfil que está presente no “Poema de Mio Cid” (ou “Cantar de Mio Cid”, de autor anónimo) e, entre outras, na peça de Pierre de Corneille, “Le Cid”, de 1636, baseada na peça do autor espanhol Guillén de Castro “As Mocidades do Cid”. Peça de enorme êxito, apesar da famosa querela com o cardeal Richelieu (Armand Jean du Plessis), por causa das unidades clássicas de tempo/espaço e acção. 

Pintura mural “Alegoria de Franco e a Cruzada”, de Arturo Reque Meruvia «Kemer» (1948-1949). (ladespensadelahistoria.wordpress.com)

Francisco Franco, o ditador espanhol, num momento histórico apropriou-se desta figura na sua luta contra os “rojos” ou vermelhos espanhóis! Há um mural que ilustra esse momento em “Alegoría de Franco y la Cruzada”, de Arturo Reque Meruvia. 

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No cinema, foi um clássico interpretado por Charlton Heston e, no papel de Ximena,  por Sofia Loren, num filme de Anthony Mann, em 1961. 

Finalmente, leio, na publicação Articulo 14 (edição de 7 de Junho de 2025): “A obra-prima do século XVIII que quase ninguém leu e deu origem ao romance moderno. […] Quem lê este romance encontra nele uma experiência literária única, tão experimental quanto engraçada, tão absurda quanto profunda. Na longa história da literatura ocidental, há livros que mudam o curso da narrativa, mesmo que sua fama não se traduza em leituras em massa. Esse é o caso de ‘A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy’, escrito por Laurence Sterne, em meados do século XVIII. Um trabalho excêntrico, engraçado, profundamente inovador e, até hoje, injustamente esquecido pelo grande público. No entanto, muitos críticos consideram-no o precursor do romance moderno, devido ao seu estilo fragmentado e auto-reflexivo e à estrutura não convencional.”

O compositor austríaco Wilhelm Kienzl.
(en.wikipedia.org)

Sempre pensei que a obra iniciadora do romance moderno tinha sido “Dom Quixote de La Mancha”. E continuo a pensar assim. Em poucas obras encontramos um universo tão rico e cheio de personagens, de acções, de peripécias, de fantasia e de imaginação. Por isso mesmo, a obra de Miguel de Cervantes foi, na sua época, plagiada, imitada e copiada, bem como, nos tempos modernos, levada ao cinema, às televisões, ao bailado e à ópera, particularmente, numa “comédia-heróica”, em cinco actos, com música de Jules Massenet e  libreto francês de Henri Caïn; e numa outra intitulada “Don Quixote, Op. 50”, ópera em três actos, da autoria do compositor austríaco Wilhelm Kienzl, com um libreto escrito por si, baseado no romance de Miguel de Cervantes.

Acerca do poder da literatura, no prólogo e notas de Florencia Grau para as obras de Eurípides, na colecção “Obras Maestras”, da Editorial Iberia (Barcelona, 1952), leio o seguinte: “A Eurípides, [e aos] seus contemporâneos, como em muitos outros casos aconteceu, não lhe fizeram a justiça que ele merecia. No entanto, se não para todos, mas para muitos, gozou de popularidade no seu tempo e isso é demonstrado pelo facto de que os Siracusanos, após a derrota infligida aos Atenienses, mostraram-se indulgentes com os prisioneiros que sabiam recitar fragmentos das obras de Eurípides.” 

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12/06/2025

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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