Minerais e cristais: Mineralogia e Cristalografia

 Minerais e cristais: Mineralogia e Cristalografia

Família dos sulfuretos e sulfossais. (Créditos fotográficos: © U. Porto – agenda-porto.pt)

Cristal-pedra (sorumbatico.blogspot.com)

Os minerais estão no nosso quotidiano. Nas pedras das calçadas, na areia com que se faz o vidro, nas matérias-primas de todos os metais que nos asseguram a sociedade industrial, nas jóias de quem as pode usar e no sal de que nós, portugueses, abusamos.

Todos falamos de minerais com base num conhecimento vulgar, empírico, ligado à experiência do dia-a-dia. Minas, minérios e mineiros fazem parte do vocabulário popular, por razões óbvias ligadas a um vasto e velho sector primário da economia. Não há sítio onde não se fale de minas, nem que seja de minas de água. “Mina”, nome que recebemos através do termo francês “mine”, significa escavação na terra e parece radicar na cultura céltica, vivida por um povo ao qual se deve a metalurgia do ferro.

Cristais de esmeralda. (pt.wikipedia.org)

O conceito mais divulgado de “mineral” diz que, além de natural, tem de ser sólido, assim como ter uma composição química variável, dentro de limites bem estabelecidos, e ter uma estrutura cristalina bem definida, caracterizada por uma disposição geométrica dos seus átomos, segundo redes tridimensionais, próprias de cada espécie. Diz-se, então, que os minerais têm estrutura cristalina. Um outro conceito, mais simples e mais abrangente, informa, simplesmente, que mineral é todo o elemento ou composto químico, geralmente cristalino, gerado por um processo geológico.

Desde a Antiguidade e até, pelo menos, ao século XVIII, acreditou-se que os cristais de quartzo hialino, isto é, incolor e transparente, eram ocorrências de água no estado sólido, num grau de congelação tão intenso que era impossível fazê-los voltar ao estado líquido.

Cristais de quartzo hialino, incompletos na base que os unia à
parede da cavidade de onde foram retirados.
(sopasdepedra.blogspot.com)

Aristóteles (384-322 a. C.) chamava “cristal” ao gelo (“krystallos”, em Grego) e foi sob tal nome que esta espécie mineral passou aos domínios da Alquimia, primeiro, e da Mineralogia, depois. Um seu aluno, Theophrastus (372-287 a. C.), distinguia o cristal-água (o gelo) do cristal-pedra (o quartzo hialino). Os Romanos mantiveram este entendimento, latinizando o nome para “cristallus”, como se pode ler num dos 38 volumes da “História Natural”, de Plínio, o Velho, (23-79 d. C.).

“O Alquimista”, pintura de David Teniers, o Jovem (1610-1690). (meisterdrucke.pt)

Foi o carácter transparente e incolor do cristal-pedra que acabou por dar o nome ao vidro industrial de alta qualidade, a que, hoje, chamamos simplesmente cristal. A expressão “cristal-de-rocha”, aplicada ao quartzo hialino, surgiu muito mais tarde (no século XIX) para distinguir o mineral do produto manufacturado. A palavra “cristal” acabou, depois, por se generalizar aos corpos poliédricos minerais ou orgânicos, naturais e artificiais, tendo sido, por isso, usada como étimo do nome da disciplina que os estuda – a Cristalografia –, afirmada como ciência no início do século XIX, com René-Just Haüy, em França.

Cristais piramidados de quartzo. (sopasdepedra.blogspot.com)

Minerais e cristais são, pois, duas realidades indissociáveis. Por tradição, o conceito de “cristal” implicava o carácter poliédrico (facetado) do sólido, fosse ele uma substância mineral ou orgânica, natural ou produzida artificialmente. Tal concepção foi abandonada a partir do momento em que se tornou conhecida a estrutura íntima, à escala atómica, dos corpos no estado sólido.

Assim, cristal é, actualmente; entendido como uma porção uniforme de matéria cristalina, matéria que, como se disse atrás, é caracterizada por uma disposição geométrica dos seus átomos, segundo redes tridimensionais, próprias de cada espécie.

Um tal arranjo geométrico é posto em evidência, entre outras manifestações, pelas faces do cristal. Mas nem sempre a matéria cristalina se manifesta com a configuração de um cristal, no sentido vulgar do termo, isto é, no de um corpo poliédrico, total ou parcialmente limitado por faces planas. Um grão de quartzo no seio do granito ou solto e na areia da praia não tem forma poliédrica, mas é matéria cristalina.

Cristal poliédrico de quartzo (à esquerda) e grãos de areia de quartzo muito bem boleados e brilhantes por efeito de prolongado rolamento numa praia. (sopasdepedra.blogspot.com)

Com a mesma composição química do quartzo, existe a opala, uma variedade de sílica amorfa, ou seja, não cristalina. Amorfo é também o vidro vulcânico, principal constituinte de rochas como a pedra-pomes ou a obsidiana.

Ainda que cristalinas, não são consideradas minerais as substâncias inorgânicas produzidas artificialmente (bicarbonato de sódio, sulfato de magnésio, etc., à venda nas farmácias) e as orgânicas (açúcar), sejam elas naturais ou artificiais. Na actualidade, são muitos os chamados sintéticos – isto é, substâncias químicas e estruturalmente semelhantes a determinadas espécies minerais – produzidos (sintetizados) em laboratório e/ou industrialmente. O quartzo, o diamante, o rubi e muitas outras gemas sintéticas não são, pois, minerais. A sua produção com fins tecnológicos, gemológicos ou outros, é já uma rotina.

Rubi bruto obtido na Tanzânia. (pt.wikipedia.org)

A Mineralogia é a ciência que estuda os minerais, nela se separando uma Mineralogia Pura, interessada nos aspectos científicos fundamentais, do saber pelo saber, e uma Mineralogia Aplicada, visando a aplicação dos minerais como matérias-primas, nas mais variadas indústrias e utilizações. Vinda da Antiguidade, com destaque para as civilizações chinesa, babilónica, hindu e egípcia, através da tradição e dos textos eruditos dos clássicos gregos e latinos, recuperados pelos Árabes, a Mineralogia percorreu a Idade Média de mãos dadas com a Alquimia, tendo então crescido, deixando para trás muitas das concepções fantasiosas e místicas dos escolásticos. A Mineralogia afirmou-se e desenvolveu-se como Ciência, juntamente com a Química, ao longo dos séculos XVIII e XIX, fazendo-a progredir e tirando dela o essencial do seu desenvolvimento com acentuada organização sistemática.

Na Alemanha, o mineralogista e cristalógrafo Christian Samuel
Weiss (1780-1856), professor da Universidade de Berlim,
encontrou maneira de definir matematicamente qualquer face
de um poliedro cristalino. Para tal Weiss definiu o conceito de
“zona cristalográfica” como o conjunto de planos paralelos a
uma direcção cristalográfica designada por “eixo de zona” e foi
o autor de uma lei fundamental da cristalografia morfológica,
conhecida por Lei das Zonas. (dererummundi.blogspot.com)

A Mineralogia fez nascer, deu corpo e aprofundou uma nova disciplina científica, de cariz geométrico e matemático – a Cristalografia Morfológica –, que usou como complemento até às primeiras décadas do século XX. Alargou-se, depois, ainda mais, com a Cristaloquímica, numa abordagem à organização espacial das redes cristalinas em função da natureza dos elementos químicos que as constituem para, a partir daí, se irmanar com a Física do Estado Sólido, com recurso às modernas tecnologias de análise.

A Mineralogia acompanha, hoje, o caminho da Cristalografia Estrutural, nova disciplina de âmbito alargado a todos os sólidos cristalinos, sejam eles inorgânicos ou orgânicos, naturais e artificiais ou sintéticos.

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07/10/2024

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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