Nem a preto nem a branco: tudo tão transparente!

 Nem a preto nem a branco: tudo tão transparente!

Os conflitos entre Israel e a Palestina. (mundoeducacao.uol.com.br)

Há muito, encaro o conflito judaico-palestiniano como algo demasiado complexo para, no Ocidente, entendê-lo em toda a sua extensão. Ele não é sequer desde 1948, mas milenar. De tal maneira tenho consciência dessa complexidade que, por vezes, amigos meus que defendem a causa palestiniana, me chamaram reaccionário ou alinhado com o imperialismo! Claro que não é verdade. Mas não tenho a mínima dúvida sobre o carácter terrorista do Hamas: fiquei horrorizado com a barbárie que cometeram a 7 de Outubro.

Compreendo a necessidade de Israel se defender e a legitimidade desse direito. Sei, até, que não há guerras assépticas e que há sempre civis a sofrerem consequências. Porém, ontem senti-me envergonhado de estar numa parte do Mundo que sanciona o crime de guerra cometido pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) ao bombardearem um campo de refugiados. É indecoroso, impróprio da cultura judaica e denota um ódio que, de facto, nos obriga a aceitar que está em marcha um plano de genocídio.

(Créditos fotográficos: Mohammed Al-Masri – Reuters – rtp.pt)

O comportamento norte-americano é cúmplice e deita por terra todos os argumentos da sua civilização, rasga a Carta dos Direitos Humanos e cospe no próprio cristianismo. Eu, que nem me revejo na cultura norte-americana, mas tenho respeito por algum dos valores que conclama, tenho a certeza de que Thomas Jefferson, nestes dias que se têm passado, se envergonharia de Joe Biden. E que dizer da União Europeia? Emmanuel Macron é igual a Philippe Pétain, não faz jus ao grito de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, de 1789. E cá por casa? No primeiro país a abolir a pena de morte e a nem fazer extradições para países onde há pena de morte, como convive com os Palestinianos literalmente condenados à morte, sem processo para se defenderem?

Se não se pode tolerar o que o Hamas fez – e eu não tolero, nem com paliativos –, não se pode, ainda menos, tolerar que um Estado (Israel) se organize e comporte como um grupo de iguais terroristas, mais armado e (objectivamente) mais sanguinário. Onde estão a Organização das Nações Unidas (ONU) e as democracias? Onde está a Carta dos Direitos Humanos? Onde está o Tribunal Penal Internacional? Onde estão as emoções exacerbadas perante o conflito russo-ucraniano? Quem tem moral para dizer que uma democracia liberal (em que se inclui Israel) é sempre preferível a uma autocracia? O governo de Israel e quem o apoia passaram à categoria dos talibãs ou dos membros do DAESH (Grupo Estado Islâmico) de sinal contrário. Uma vergonha para os próprios Judeus, uma traição às Tábuas da Lei! 

O secretário-geral da ONU, António Guterres, está chocado com o bombardeamento israelita no campo de refugiados de Jabaliya, em Gaza, que causou dezenas de mortos, disse o seu porta-voz. (24.sapo.pt)

Só não vê isto quem tem o cérebro lavado (melhor será dizer “abadalhocado” ou extraído para teclar apenas), está cego de alma e tem coração de pedra. Ou se revê nas teorias nazis, agora postas ao serviço do sionismo mais xenófobo e cruel que se possa imaginar. Agonia-me. Desde anteontem (31 de Outubro), não pode haver a mínima dúvida de que, por razões humanitárias básicas, se exige um cessar-fogo imediato no conflito entre Israel e o Hamas. E um corredor livre de apoio humanitário para Gaza. Para fechar as torneiras do Zyclon B (o gás usado nas câmaras de morte em Auschwitz-Birkenau) transformado, tão ou mais cinicamente, em corte de energia, de água e de alimentos.

Às pessoas que tal fizeram, o deus da sua religião não perdoaria, certamente. Tornaram-se adoradores do “bezerro de ouro”, sem respeito pelas Tábuas da Lei. O nosso (deus), que reconhece Jesus como o Messias, só pode perdoar-lhes na sua infinita misericórdia. Como humanos, se humanos somos, não o conseguiremos. Ou devo também perdoar ao Hamas? E a Hitler? E a Átila? Não consigo, Senhor, não consigo!

Papa pede libertação “imediata” de reféns no conflito Hamas-Israel e condena cerco à Palestina. (jovempan.com.br)

Fala-nos tu também, Francisco! Em nome de Cristo tem de se denunciar tais crimes e sem meias-palavras. Basta de barbárie, basta de tanto ódio, basta de tanta crueldade.

.

02/11/2023

Siga-nos:
fb-share-icon

Jorge Castro Guedes

Com a actividade profissional essencialmente centrada no teatro, ao longo de mais de 50 anos – tendo dirigido mais de mil intérpretes em mais de cem encenações –, repartiu a sua intervenção, profissional e social, por outros mundos: da publicidade à escrita de artigos de opinião, curioso do Ser(-se) Humano com a capacidade de se espantar como em criança. Se, outrora, se deixou tentar pela miragem de indicar caminhos, na maturidade, que só se conquista em idade avançada, o seu desejo restringe-se a partilhar espírito, coração e palavras. Pessimista por cepticismo, cínico interior em relação às suas convicções, mesmo assim, esforça-se por acreditar que a Humanidade sobreviverá enquanto razão de encontro fraterno e bom. Mesmo que possa verificar que as distopias vencem as utopias, recusa-se a deixar que o matem por dentro e que o calem para fora; mesmo que dela só fique o imaginário. Os heróis que viu em menino, por mais longe que esteja desses ideais e ilusões que, noutras partes, se transformaram em pesadelos, impõem-lhe um dever ético, a que chama “serviços mínimos”. Nasceu no Porto em 1954, tem vivido espalhado pelo Mundo: umas vezes “residencialmente”, outras “em viagem”. Tem convicções arreigadas, mas não é dogmático. Porém, se tiver de escolher, no plano das ideias, recusa mais depressa os “pragma” de justificação para a amoralidade do egoísmo e da indiferença do que os “dogma” de bússola ética.

Outros artigos

Share
Instagram