O Dia da Mãe e a Cruz de Maio

Mães da Praça de Maio, na Argentina. (Foto de ivulgação – vermelho.org.br)
“Maio maduro Maio, quem te pintou? / Quem te quebrou o encanto, nunca te amou / Raiava o sol já no Sul / E uma falua vinha lá de Istambul” […]
(“Maio Maduro Maio”, canção de José Afonso)


.
O Dia da Mãe é uma data comemorativa que se celebra no primeiro domingo do mês de Maio em Portugal, mas chegou a ser assinalada a 8 de Dezembro em Portugal, que é o Dia da Imaculada Conceição. Porém, a pedido da Igreja, a comemoração foi mudada para que o Dia da Imaculada Conceição, a fim de que não perdesse o seu destaque. Por conseguinte, a comemoração passou a ser feita no mês de Maio, porque é o mês conhecido entre os católicos como o mês de Maria, mãe de Jesus.
No entanto, esta celebração passou a ser mais uma de tantas celebrações com data comercial, a qual está recheada de prendinhas à venda no comércio tradicional, em que se misturam os doces com os cartões ou postais alusivos e as pequenas ofertas de lembranças. Neste dia, não faltam os almoços nos restaurantes, de forma a reunir a família.

Seria banal dizer que todos os dias são o “dia da mãe”. Não podemos deixar de nos lembrarmos, neste dia tão especial e tão próximo, nos nossos lares, daquelas mães que estão longe geograficamente. Nem podemos deixar de pensar nas mães dos palestinianos da Faixa de Gaza, das mães dos reféns do Hamas, das mães das vítimas de naufrágios no Mediterrâneo, das mães dos desaparecidos do Chile e da Argentina, as Mães da Praça de Maio, em Buenos Aires…

Assim, na minha evocação, o Dia da Mãe converte-se no dia da Mater Dolorosa, a Mãe de todas as dores, a Dolorosa. Aquela que nos aparece frequentemente representada com uma expressão condoída diante da Cruz, contemplando o filho morto (que motivou o hino medieval Stabat Mater); ou, então, segurando Jesus morto nos braços, após a sua descida da Cruz, imagem tão repetida nas várias versões da Pietà.
Acerca de Nossa Senhora das Dores, a Wikipédia regista: “Nossa Senhora das Dores, também chamada de Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora da Soledade, Nossa Senhora das Angústias, Nossa Senhora da Agonia, Nossa Senhora das Lágrimas, Nossa Senhora das Sete Dores, Nossa Senhora do Calvário, Nossa Senhora do Monte Calvário, Mãe Soberana e Nossa Senhora do Pranto, invocada em Latim como Beata Maria Virgo Perdolens ou Mater Dolorosa (sendo, sob essa designação, particularmente cultuada em Portugal), é uma forma pela qual é venerada a Virgem Maria, mãe de Jesus. A sua iconografia é reconhecida por ter uma ou mais espadas ou punhais, geralmente sete, atravessando o Seu Doloroso e Imaculado Coração.”

Neste ano, em especial, lembrámo-nos de muitos cenários de guerra, dos lugares de destruição, de fogo e de morte, nos quais se repete a mais célebre, mais antiga e longa guerra da História, a Guerra de Troia. A propósito dela, ainda ecoam as palavras de Séneca: “[…] a violência costuma ser mais eficaz do que o amor de uma mãe[…] uma mãe corajosa não admite nenhum temor.”1
O ano civil, nos seus 365 dias, já não tem medida para a celebração de mais dias. De facto, uns juntam-se a outros. Para compensar a falta de elasticidade temporal, poderíamos eliminar alguns, como o anódino dia de São Valentim – este, sim, repleto de comércio, tratando-se de um dia favorito dos pinga-amor. Ao menos, o dia de São Martinho traz-nos castanhas e vinho. Mesmo sabendo pouco da vida deste santo, ficamos a conhecer a lenda daquele que partilhou a sua capa com um pobre, e temos um auto do Gil Vicente que, magnificamente, acaba com estas palavras:

No meu país, o Dia da Mãe
A celebração do Dia das Mães no Chile tem suas raízes na História dos Estados Unidos da América (EUA). Em 1905, Anna Jarvis iniciou uma campanha para estabelecer um dia de homenagem às mães, procurando também evocar a memória da sua própria mãe, que havia falecido recentemente. Após muitos anos de esforço, o presidente dos EUA Woodrow Wilson declarou, oficialmente, o Dia das Mães como feriado nacional, em 1914. No Chile, a ideia de celebrar o Dia das Mães foi introduzida pela jornalista e feminista chilena Elena Caffarena, na década de 1920. Ela havia estudado nos EUA e testemunhado a popularidade da celebração do Dia das Mães naquele país. Inspirada na experiência norte-americana, começou a promover a ideia no Chile, mas foi apenas na década de 1940 que a celebração se tornou popular em todo o país.

Pobres e pequenos, como éramos, a nossa prenda para as mães era um poema, escrito por nós ou copiado de algum livro de leitura. Também podia haver uma flor e pouco mais. Recordo a minha mãe e, ao mesmo tempo, a minha avó materna. Foram ambas tão importantes na minha vida, por aquilo que me transmitiram, incluindo os modos e as formas de vida, sabendo valorizar a amizade, a família, as relações humanas; mas, sobretudo, o respeito pelos outros, procurando ser companheiro, solidário e não solitário!
.
Lembranças da Cruz de Maio
A festa da Cruz de Maio, remonta aos tempos da conquista espanhola, quando uma das devoções mais difundidas no meu país era o culto à Santa Cruz. Mais tarde, as cruzes veneradas nos campos foram decoradas com flores e com vários outros ornamentos. Nas casas, a cruz era honrada com a recitação do terço, das ladainhas e com um cântico ao divino, que era celebrado com mistelas (bebidas licorosas) e vinho, chamado, nesse momento especial, gloriao.

Era o momento em que nós, os miúdos, vínhamos para a rua com uma improvisada cruz e, de porta em porta, cantávamos, esperando ser recompensados com uma pequena prenda ou gorjeta… Ainda ficam na memória as cantigas, os refrões de agradecimento ou de crítica: “Aquí anda la Cruz de Mayo visitando a sus devotos, con un cabito de vela y un cantarito de mosto. Si la tiene, no la niegue, le servirá de algún daño por no dar la limosna a la Cruz de Mayo.”
Quando a porta da casa se abria e era dada uma esmola, o cantar era este: “Muchas gracias caballero (señorita) por la limosna que ha dado, pasaron las tres Marías por el camino sagrado.”
Se a porta não se abria e não havia uma esmola, o cantar era mais severo e crítico: “Esta es la casa de los Pino donde viven los mezquinos. Esta es la casa de los Tachos donde viven los borrachos.”
.
Nova edição do FITEI

Começou no dia 14 de Maio o FITEI 48. O Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI) regressa para a sua 48.ª edição sob o tema “Espectros, Eros e Sacrifício”. A festa teatral ibérica, na cidade do Porto, da qual daremos conta noutra ocasião., ficam aqui as palavras do seu director artístico, Gonçalo Amorim, numa breve introdução: “As diversas crises que têm assolado estas primeiras décadas do século XXI, como a crise climática, a das migrações, as guerras, a perda do sentido do comum, o esgotamento dos recursos do planeta, em paralelo com uma grave crise de saúde mental, têm constituído a base para a construção temática das últimas edições do FITEI. Estes enormes sinais de alerta para o humano e o não-humano ajudaram-nos a construir o tema do último biénio, Trauma e Bravura, a que acabámos por juntar a palavra Fantasmagorias.

do século XVII, peça escultórica que integra o
Museu do Prado. (pt.wikipedia.org)
Porque entendemos que estes eixos temáticos não estão esgotados, o FITEI 48 como título e motor temático ‘Espectros, Eros e Sacrifício – Nosso impensado’. O ‘nosso impensado’ é um conceito presente na obra de Eduardo Lourenço, quando se refere a quinhentos anos de colonialismo português. Esta dimensão espectral marca o ressentimento e o desejo sacrificial. Num tempo em que se fala de dívida e reparação, o FITEI, como lugar privilegiado de diálogo entre as antigas potências colonizadoras ibéricas e o Sul global, assume a dimensão mágica e ritualizada que muitas destas questões levantam.”
.
Nota:
1 –“Troades” (“As Troianas”) é uma tragédia romana com assunto grego, escrita em versos por Lucius Annaeus Seneca (ou Lúcio Aneu Séneca), que nasceu Corduba (cerca de a.C. e morreu em Roma, no ano 65). Foi um filósofo estoico e um dos mais célebres advogados, oradores, escritores e pensadores do Império Romano. Conhecido também como Séneca, o Moço, o Filósofo, ou ainda o Jovem, a sua obra literária e filosófica é tida como modelo do pensador estoico durante o Renascimento, tendo inspirado o desenvolvimento da tragédia na dramaturgia europeia renascentista.
.
19/05/2025