“O Herói de Hacksaw Ridge”

 “O Herói de Hacksaw Ridge”

(hojeviviumfilme.blogspot.com)

No início da madrugada de quinta-feira, ao buscar algo fortuito e sem propósitos de programação através do controlo remoto, num dos canais de televisão por cabo, deparo-me com as imagens de um filme de guerra, como se não fosse intensa e repetitiva a divulgação de cenas reais terríveis em múltiplas geografias da nossa angústia.

No entanto, ao aperceber-me de que se tratava do drama biográfico de um jovem norte-americano oriundo da zona rural do estado de Virgínia que – já depois do ataque japonês a Pearl Harbor – se alistou como voluntário no Exército, sob o comando do sargento Howell, tendo surpreendido todos na sua determinação de rejeitar o uso de quaisquer armas de fogo, acabei por não atender à necessidade de dormir e ganhei razões para ver esta cativante peça cinematográfica de 2016, dirigida por Mel Gibson.

(hojeviviumfilme.blogspot.com)

O filme “O Herói de Hacksaw Ridge” é baseado no documentário “The Conscientious Objector”, realizado, doze anos antes, por Terry Benedict, recordando a vida de Desmond Doss (interpretado por Andrew Garfield), o primeiro objector de consciência que recebeu a Medalha de Honra pelos seus serviços na Segunda Guerra Mundial. Foi, de facto, sobre-humana a sua intervenção na Batalha de Okinawa, ocorrida no arquipélago japonês de Ryukyu, entre Abril e Junho de 1945, sendo considerada a maior batalha marítimo-terrestre-aérea da História. Estamos perante uma situação que contradiz o pensamento lógico e o senso comum?

Cartaz publicitário do filme. (Direitos reservados)

Desmond Doss, sob a chefia de Howell, destaca-se nas provas físicas, mas é excluído pelos seus colegas de aquartelamento, por desobedecer às ordens de manusear armas de fogo e por não querer participar nos treinos ao sábado, para poder rezar. Se procuramos compreender o seu comportamento, temos de reconhecer as marcas do seu passado, bem como a força das suas convicções pessoais e religiosas. Isso não sucedeu por parte dos seus superiores, os quais tentaram dispensá-lo do Exército, alegando motivos psiquiátricos apoiados no procedimento da Secção 8, julgando-o inapto para continuar no serviço militar.

Ao não conseguirem justificar a acentuada crença religiosa de Doss com uma suposta fragilidade ou doença mental, sujeitaram-no a uma humilhante faxina, principalmente na limpeza das instalações sanitárias e na manutenção de vários equipamentos da tropa. Mas ele não desiste de se preparar para socorrista, mesmo quando é severamente espancado pelos seus camaradas, escusando-se a denunciar os agressores.

Nas brincadeiras de infância, espontaneamente impetuosas, o rapazito Desmond quase matou o seu irmão Hal, mais novo. Este episódio traumático e a sua educação adventista sedimentaram-lhe a importância do mandamento “Não matarás”, levando-o a enfatizar o valor da vida humana e a compaixão até perante os soldados inimigos feridos em combate.

Desmond Doss interpretado por Andrew Garfield. (blogbeautifuldreams.wordpress.com)

A unidade de Desmond Doss foi informada de que iriam servir para a 96.ª Divisão de Infantaria, então, encarregada de subir a Escarpa de Maeda e, assim, enfrentar os japoneses, com numerosas perdas humanas. Nesse contexto infernal, Doss explica ao soldado Smitty Ryker, a quem salvou a vida (mas que morreria no dia seguinte), a sua repulsa relativamente à posse de uma arma de fogo, porque, ainda muito novo, quase disparara contra o seu pai bêbedo, por este ameaçar a sua mãe com uma pistola.

Fotografia de Desmond Doss enviada à sua mãe.(© Desmond Doss Council – nationalgeographic.pt)

No final do filme, vemos fotografias de arquivo e vídeos reais confirmando que Doss – assumido “colaborador de consciência” – quis ir para o campo de batalha apenas para salvar pessoas. Por isso, foi condecorado com a Medalha de Honra, pelo presidente Harry Truman, sendo-lhe atribuído o resgate de mais de sete dezenas de soldados feridos na Escarpa de Maeda. Desgraçadamente, também se deve a Truman o uso das bombas atómicas contra as cidades japonesas de Hiroshima e de Nagasaki.

Concluo com uma interrogação do imperador Marco Aurélio: “Pode estar satisfeito consigo mesmo quem se arrepende de quase tudo o que faz?”

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Nota:

O presente artigo (na versão de crónica) foi publicado na edição de ontem (domingo, 18 de Maio) do Diário de Coimbra, no âmbito da rubrica “Da Raiz e do Espanto”.

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19/05/2025

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Vitalino José Santos

Jornalista, cronista e editor. Licenciado em Ciências Sociais (variante de Antropologia) e mestre em Jornalismo e Comunicação. Oestino (de Torres Vedras) que vive em Coimbra.

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