O mestre mostra em Cerveira, Vila das Artes, o seu esplendor

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A obra de Acácio de Carvalho é feita de cabeça levantada e olhar de fogo. É obra de um homem livre e de um artista indomável. De um artífice, que sempre nos surpreende e provoca.
Não, este não é um “Retrato do Artista Quando Jovem” como aquele que James Joyce escreveu. Não, não é. Acácio de Carvalho tem 70 anos, feitos nos primeiros dias de Fevereiro deste ano, e com 50 anos de vida artística, mas não se aburguesou, nem envelheceu. Continua intranquilo, a desafiar-se e a desafiar-nos, a questionar-se e a questionar-nos.
Prova-o esta TROMPE-L’OEIL – UMA ILUSÃO TEATRAL OU A INEVITÁVEL (IN)SUSTENTABILIDADE. Com ela, e tendo como palco, o Museu da Bienal, Acácio de Carvalho volta a mostrar, em Cerveira, Vila das Artes, o seu esplendor. Um esplendor que nos faz mergulhar num oceano de obras – umas mais intimistas e outras de grande escala, recheadas de teatralidade, como estas duas que aqui destaco:
A cela onde aprisionou “As Criadas”, de Jean Genet, cuja cenografia fez para a Companhia de Teatro de Braga.
E a imensa mancha de “Panos de Terra”, que dão cor à cenografia de uma ópera, a partir da peça “O Fim”, de António Patrício, levada à cena em Cascais, em 2004, com música original de Carlos Marecos, libreto e encenação de Paulo Lages, e do qual se pode ver fragmentos num monitor.
Nada que espante se se tiver em linha de conta que Acácio de Carvalho é um artista dotado de chispa e de uma labareda interior que o leva a usar os mais diversos materiais para produzir a sua arte. Quer utilize os meios tradicionais ou os novíssimos meios digitas, sendo certo que sempre privilegia os elementos geométricos e “a sugestão referencial do real”, como assinala Helena Mendes Pereira, a curadora da exposição.

Acácio de Carvalho tem uma relação longa e feliz com Cerveira e com a Bienal. Testemunhada por murais. Como aquele que se pode admirar no Aquamuseu; ou aqueloutro que assinala os 25 anos da mais antiga bienal da Península Ibérica e que nos mira a partir da empena do edifício que alberga a agência do BCP, nesta Vila.
A arte deste mestre-artesão é impositiva e imponente. Desafiadora e provocatória. Como foi o “Assalto ao Castelo”, com que assinalou os 40 anos da Bienal, em 2018. Um assalto que levou Acácio a vestir o fato-macaco, a usar 38 mil metros de mangueira multicolor PVC, centenas de quilogramas de verguinha de ferro e iluminação LED, pois só assim era possível abraçar a muralha com um impressionante e gigantesco arco-íris. Ou como aconteceu mais recentemente, em 2021, com a sua instalação “Ilhas de Plástico”, no leito do rio Minho, que foi grito de alerta para as maldades humanas que colocam em causa o futuro da nossa casa comum, o planeta Terra.
A Escola Superior de Belas Artes do Porto deu-nos este mestre-artífice inquieto, que espalha a sua arte pelo teatro, pela dança e pelo cinema. Como actor e encenador, mas sobretudo como cenógrafo, Acácio de Carvalho não pára de trabalhar. Ele sabe que em arte não há passado nem futuro. A arte tem de estar presente para ser arte. Agarrar-nos pelo pescoço e sacudir-nos. Principalmente, em períodos sombrios da História da humanidade. Como este que vivemos, por via da pandemia que nos condenou ao isolamento e à ameaça de peste protagonizada pelos bandos neonazis. A Portugal e a toda a Europa.
Precisamos da arte “para não morrer da verdade”, disse Friedrich Nietzsche. A obra de Acácio salva-nos dessa monstruosidade. Confirma-o esta exposição, a arte pública que o artista tem espalhada por diversas geografias e na sua casa-atelier – o útero quente onde Acácio de Carvalho faz poesia com versos de Arte Plástica.
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Nota do autor:
Texto escrito para o catálogo da exposição TROMPE-L’OEIL – UMA ILUSÃO TEATRAL OU A INEVITÁVEL (IN)SUSTENTABILIDADE, que decorreu entre 5 de Fevereiro e 19 de Março, no Museu Bienal de Cerveira.
13/06/2022