O SNS e o secretário-geral do PS 

 O SNS e o secretário-geral do PS 

(fōtos.pk – Unsplash)

As declarações feitas pelo primeiro-ministro a propósito do financiamento da Saúde vieram mostrar que o lugar da ministra não está em causa, ainda. É verdade que o corte de 800 milhões de euros nas rúbricas de equipamentos e prestação de serviços seria, em parte, justificado se o Serviço Nacional de Saúde (SNS), subitamente, tivesse a capacidade de internalizar a produção que é comprada ao sector privado. Não tendo essa capacidade, isso irá só contribuir para aumentar as dificuldades no acesso, fazendo crescer as listas e o tempo de espera.

José Luís Carneiro, secretário-geral do Partido Socialista.
(pt.wikipedia.org)

A reacção do líder do Partido Socialista (PS) a este anúncio acabou por ser injustificada, ao pedir a demissão da ministra da Saúde, na medida em que não é ela que fixa os valores e a distribuição do orçamento do sector, é, em última análise, o primeiro-ministro, como se viu pelas suas declarações, quando questionado sobre o assunto.

Fazer aquele pedido, nesta ocasião, representa, principalmente, um acto de oposicionismo, quando se sabe que o que está em causa não é a figura, mas a política definida para o sector. O que se espera, então, do PS não é andar a pedir a demissão de governantes, mas a apresentação de medidas que constituam uma alternativa ao que está a ser feito.

E, ao contrário do que geralmente é defendido pela oposição, sempre que ocupa esse lugar, não é fazer melhor o que está a ser mal feito; é fazer o que esteja certo. Mas, para isso, torna-se necessário percorrer toda a fila do processo de prestação de cuidados, desde as pessoas até às soluções. Ora é isso que não se vê fazer. Apesar de parecer ser uma repetição do que há anos se diz, o que é necessário fazer é regressar ao diagnóstico da situação, porque este está mal feito, falta-lhe a ressonância magnética e a tomografia axial computorizada: a visão geral em profundidade, visto que só nos temos ficado nos sinais e nos sintomas.

Ministra da Saúde, Ana Paula Martins. (portugal.gov.pt)

Quando se verificam substituições no comando da pasta da Saúde, como o deseja o PS, tem-se apanhado o comboio sempre em vias de descarrilar e vai-se então com ele, melhorando o serviço de refeições, mas não corrigindo a direcção da máquina. Enquanto for assim, andaremos sempre a massajar o SNS com receio de, finalmente, chegar o momento de parar. Sendo o número de zeros do Orçamento do Estado finito, quando um sector está obrigado a aumentar as suas despesas, como a Defesa, em consequência do esforço que a União Europeia impõe aos países no apoio à Ucrânia, os outros sectores acabam por ver os seus orçamentos prejudicados. Mas isso o líder do PS está obrigado a não dizer, cai melhor pedir a demissão da ministra. É mais inofensivo. 

(netfarma.pt)

O recente episódio da grávida que morreu por atraso na assistência de emergência vem somar-se a tantos outros que, desde que este governo está em funções, se verificaram. Todos dirão que são casos a mais para tão pouco tempo. Acontece que, desde há muito, é sentida a necessidade de instalar um sistema informático que ligue todos os serviços do SNS, de modo que a continuidade de cuidados se possa verificar. Sem que esse passo seja dado, e já vem muito atrasado, este caso – como todos os casos em que está indicada a comunicação entre os centros de saúde e os hospitais – irá ficar sacrificado à lógica e às consequências do improviso e dos erros.

(cfp.pt)

Se a ministra da saúde não está directamente implicada naquele acontecimento, não deixa de o estar por não ter preenchido as lacunas que veio encontrar no SNS. E, num serviço que funciona em rede, como o SNS, a sua natureza sistémica fica em causa se os seus serviços não tiverem como se comunicarem entre si. A dispensa da ministra só fará sentido, então, se a sua saída representar a correcção da trajectória que vinha sendo adoptada, uma vez que ela deixou de ter condições pessoais e institucionais de ser ouvida pelos seus pares e pelos dirigentes das instituições de saúde. Há muito que tudo o que ela diz, seja o que for, sofre contestação, tanto das organizações representativas dos profissionais da saúde como dos parceiros ligados ao SNS. Certo, é que para pior já basta assim. 

.

………………………….

.

Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

.

06/11/2025

Siga-nos:
fb-share-icon

Cipriano Justo

Licenciado em Medicina, especialista de Saúde Pública, doutorado em Saúde Comunitária. Médico de saúde pública em vários centros de saúde: Alentejo, Porto, Lisboa e Cascais. Foi subdiretor-geral da Saúde no mandato da ministra Maria de Belém. Professor universitário em várias universidades. Presidente do conselho distrital da Grande Lisboa da Ordem dos Médicos. Foi dirigente da Associação Académica de Moçambique e da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. É um dos principais impulsionadores da revisão da Lei de Bases da Saúde.

Outros artigos

Share
Instagram