O tempo que estamos a viver

Assembleia da República, Palácio de São Bento, em Lisboa. (pt.wikipedia.org)
“Nenhuma democracia resiste sem um módico de confiança por parte dos cidadãos”, escreveu António Barreto, em 7 de Setembro, no Sorumbático, o blogue em que, regularmente, participamos. Este respeitado sociólogo disse, por palavras suas, o que penso sobre o tempo que estamos a viver.
O socialista Fernando Medina, em obediência à posição da sua bancada, votou contra a moção de confiança de 11 de Março (terça-feira), mas, no final da votação, escreveu que estas legislativas antecipadas irão agravar “os níveis de confiança dos portugueses na política e nos políticos”, numa posição que coincide com a minha e a de Barreto.

Nesta conjuntura, ganha o desinteresse e a consequente abstenção e ganha o partido Chega que, imediatamente, lançou a sua campanha às legislativas, para daqui a dois meses, com um ignóbil cartaz onde escreve “50 ANOS DE CORRUPÇÃO”, mostrando, sem sombra de dúvida, o seu propósito de destruir os cinquenta anos da democracia que, na sua imperfeição e nos seus erros, lhe deu nascimento e lhe dá toda a liberdade de actuação.
Julgo ser evidente, para os que não andam distraídos, que Portugal atravessa uma deplorável crise, não do foro económico, financeiro ou social, mas dos partidos, dos políticos e dos seus protagonismos na condução da política nacional. Uma crise de valores sem precedentes. Face a esta situação que “bateu no fundo”, no debate da citada moção, a confiança nestes políticos perdeu-se.

Como já escrevi, à semelhança do que se passou com a Primeira República, a generalidade da classe política, a quem os Capitães de Abril, há mais de 50 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada”, entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar aos cidadãos a cultura civilizacional necessária na sociedade que se quer democrática. Nesta infeliz situação, uma muito significativa parcela do povo, destituída dessa cultura, é presa fácil do populismo da extrema-direita. E é também por isto que, pelo menos, estes dois partidos se têm de entender, em defesa da democracia, que tanto custou a ganhar.

cabeça, na convicção de que a política partidária é uma arte ou, se
quiserem, uma habilidade para manusear conhecimentos do foro das
ciências políticas e sociais na conquista do poder.”
(Direitos reservados)
Sobre o tempo que estamos a viver, paira grande insegurança, a nível internacional, não só no que respeita à economia, com inevitável reflexo na vida nacional, como também no que envolve o espectro da guerra, com todas as consequências e sofrimentos que ela arrasta. Tudo isto são gravíssimas preocupações que se adicionam a outras, nacionais, como as das áreas da Saúde, da Educação, da Habitação e outras. Preocupações que, no quadro presente, os citados partidos têm de procurar consensos. Os seus protagonistas já mostraram não terem sabedoria nem vontade para o fazer, pelo que há que encontrar, entre os seus correligionários, quem o possa fazer. Chame-se Bloco Central ou outra coisa qualquer, mas é, no tempo que estamos a viver, o caminho a seguir.
Quem me conhece e tem acompanhado, desde sempre, as minhas intervenções e tomadas de posição públicas, sabe da minha independência dos aparelhos partidários e não espera de mim outro pensamento que não seja este. Sempre procurei pensar pela minha cabeça, na convicção de que a política partidária é uma arte ou, se quiserem, uma habilidade para manusear conhecimentos do foro das ciências políticas e sociais na conquista do poder. A nossa sorte depende, não só da competência dos respectivos dirigentes, mas também do seu sentido ético. Desgraçadamente, competência e ética são atributos em falta no tempo que estamos a viver.

Belém, em 13 de Março de 2025. (Créditos fotográficos: Rui Ochoa –
presidencia.pt)
Termino dizendo que continuo a pensar como sempre pensei e que, no essencial, posso resumir dizendo que, independente de quaisquer disciplinas partidárias, sempre estive do lado dos explorados contra os exploradores. Em termos teóricos, socialistas, sociais-democratas e democratas cristãos não podem deixar de pensar como eu. Assim sendo e tendo em conta as condicionantes nacionais e internacionais, explicito, dizendo que, sendo possível, quer o Partido Socialista quer a Aliança Democrática deviam procurar encontrar, entre os seus, quem lhes restituísse a confiança perdida. Infelizmente, julgo saber que, nos dois meses que nos separam das eleições, não haverá tempo para que uma e outra dessas duas forças mudem as respectivas lideranças, o que não pode deixar de nos preocupar.
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17/03/2025