Observadores de eleições?
Pontos prévios: não tenho especial simpatia por Nicolás Maduro. Tinha, outrossim, por Hugo Chávez e a sua genuinidade. Não ponho as mãos no fogo pelos números avançados, na Venezuela, para as eleições presidenciais (nem por um nem por outro candidato).
Sei que a Venezuela é um grande produtor mundial de petróleo e que, com o embargo à Rússia, se tornou crucial para os Estados Unidos da América (EUA). A “solução” de Lula da Silva, para repetição das eleições, é do tipo de “dar uma no cravo e outra na ferradura” e pode ser uma proposta que Jair Bolsonaro vai querer replicada no Brasil. Não ignoro que, por mais duvidosa que seja a eleição presidencial na Venezuela, não ouço do Ocidente igual reclamação para a expressão livre do povo, no caso de, por exemplo, os Emirados Árabes Unidos.
Dito o dito, pergunto-me quando são nomeados os observadores estrangeiros para garantir a credibilidade das eleições presidenciais norte-americanas. Isto para evitar as contestações aos resultados, até porque, ao contrário da Venezuela, não há tripla certificação dos votos. É um sistema mais frágil e sujeito a manipulações, como, no passado recente, houve quem o dissesse.
Donald Trump, sendo o que é (da mesmíssima família política de Maria Corina Machado), também achou que as eleições nos EUA foram deturpadas para o derrotar. E, nas eleições anteriores, foi a candidatura de Hillary Clinton que acusou ter havido interferência russa nos sistemas informáticos de suporte eleitoral, viciando os resultados a favor de Trump. Ou seja, de um lado e do outro, democratas e republicanos, puseram em causa os resultados oficiais. Assim, e dado que os próprios políticos norte-americanos, dos dois lados, consideram a necessidade de observadores estrangeiros para validar as eleições noutro país vizinho, parece-me que era coerente reclamar o mesmo dentro de portas. Aliás, é mais ainda do interesse internacional, porque não se trata, apenas, do preço do crude e dos lucros do mesmo e da dependência energética, mas, sim, também de ter sido o único país que já usou armamento nuclear1.
Eu tenho as maiores reservas em relação à ideia de a democracia ser um sistema, que se efectiva só por actos eleitorais universais e directos, o que nem é o caso dos EUA, onde já houve vários presidentes em que a maioria dos votos não se reflectiram do mesmo modo no resultado do colégio eleitoral. Para mim, a democracia só se realiza se e quando estejam garantidos determinados direitos de várias outras coisas. Como, por exemplo, o acesso e a distribuição da riqueza nacional de forma equitativa (não digo igualitária, mas de alcance universal), o mesmo se pretendendo para a posse dos meios de produção e para o seu controlo, a par do acesso universal e gratuito à saúde e à educação, assim como do direito global à habitação e ao trabalho.
Também relativamente à liberdade, se duvido de um sistema que tenha a posse dos meios de informação concentrados nas mãos do Estado, não menos duvido daquele, cuja posse dos mesmos dependam de oligopólios e das mesmas famílias, há mais de 200 anos (a este respeito, aconselho a leitura de um livro de Francisco Louçã e de Fernando Rosas, insuspeitos quanto a Nicolás Maduro). Tal como num país onde haja uma prisão de “alta segurança”, com direito a métodos avançados de interrogatório (conceito-avatar para “tortura”) e prisioneiros, durante anos e anos, sem culpa formada nem direito a advogado, não tem moral para se pronunciar sobre a sagrada palavra “liberdade”. Ou não tem vergonha?
E embora as minhas reservas e dúvidas sobre a democraticidade e o exercício pleno da liberdade sejam legítimas, reconheço a importância de garantir a veracidade dos resultados eleitorais e o acesso universal ao voto. A questão que se coloca é a de saber quem nomeia os observadores. Talvez, numa proposta “à Lula”, diria que na Venezuela seja o Pentágono e nos Estados Unidos da América as Forças Armadas Bolivarianas. Tal como, já agora, no Irão seria Israel e em Israel seria o Irão. E na Rússia seria a Ucrânia e na Ucrânia (quando houver porque foram suspensas) poderia ser a Rússia. Talvez seja uma proposta a ponderar na Organização das Nações Unidas. Porém, sem o direito ao veto “democrático” (?) do Conselho de Segurança.
Ou comem todos ou não há moralidade!
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Nota da Redacção:
1 – As duas vezes em que um país usou armas nucleares, em situação de guerra, sucederam quando os Estados Unidos da América castigaram o Japão (para reforçar a sua rendição) na Segunda Guerra Mundial com os bombardeamentos atómicos de Hiroshima (no dia 6 de Agosto de 1945) e de Nagasaki (três dias depois). Ao todo, os dois bombardeamentos mataram cerca de 110 mil pessoas e deixaram sequelas graves em cerca 130 mil habitantes.
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Nota do Director:
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22/08/2024