Os sinos dobram pelo senhor Presidente

 Os sinos dobram pelo senhor Presidente

José (“Pepe”) Mujica (sinasefe.org.br)

José Mujica, em Julho de 2023. (pt.wikipedia.org)

Começo este texto com um excerto do discurso proferido pelo antigo presidente do Uruguai, José (“Pepe”) Alberto Mujica Cordano, durante a cerimónia de outorga da Ordem Nacional do Equador, em 2024: “A política não deveria ser uma profissão da qual você ganha a vida; deveria ser uma paixão pela qual você vive. Uma paixão criativa, que não garante que erros não serão cometidos. As nossas limitações humanas obrigam-nos a cometer erros. Mas devemos abordar a política como um artista faz ao criar uma obra: com a melhor honestidade que consiga e dando tudo de si.”         

Os sinos dobram por “Pepe” Mujica (1935-2025), o ateu que foi o mais cristão dos presidentes do Uruguai. “Pepe” Mujica padecia de um cancro esofágico. Em Janeiro deste ano, anunciou que suspenderia os tratamentos e preparou-se para morte: “É uma senhora de quem não gostamos, e que não queremos, mas que inevitavelmente vai chegar em algum momento. Portanto, temos [de] nos resignar. Todos os seres vivos são feitos para lutar pela vida: desde uma erva daninha, um sapo e até nós. Chega-se à conclusão de que isso serve para dar sabor à vida, pois, como dizia o velho Aristóteles: tudo o que a Natureza faz é bem feito.”

(Direitos reservados)

O presidente Mujica, que completaria 90 anos no próximo dia 20 (terça-feira), deixou-nos na última terça-feira (13 de Maio), em Montevideu, capital do país que serviu como presidente, entre 2010 e 2015.

Apesar de muito debilitado pela doença e da crónica anunciada da sua morte, “Pepe” Mujica não deixou de reflectir sobre o (mau) estado do Mundo. Prova-o o livro “Sobrevivendo ao Século XXI”, publicado em 2024. Nele, e tendo como companheiro de estrada o intelectual norte-americano Noam Chomsky, reflecte sobre as grandes questões contemporâneas e o futuro.

Agricultor e antigo militante do Movimento de Libertação Nacional (MLN-T) ou simplesmente Tupamaros, um grupo guerrilheiro marxista-leninista de guerrilha urbana, que operou nas décadas de 1960 e de 1970, antes e durante a ditadura civil-militar no Uruguai (1973-1985), o presidente “Pepe” Mujica aprovou leis progressistas, como o direito ao aborto ou o matrimónio igualitário, que também permitiu aos casais homossexuais adoptar, bem como a sua inclusão nas forças militares do Uruguai.

(facebook.com/tvbrasil)

Durante a sua presidência, o salário-mínimo foi aumentado em 250%, o desemprego caiu de 13% para 7% e a taxa de pobreza nacional de 40% para 11%. Segundo a Confederação Sindical Internacional, o Urugui tornou-se “o país mais avançado das Américas”, respeitando os “direitos fundamentais do trabalho, em particular a liberdade de associação, o direito à negociação colectiva e o direito à greve”.

“Pepe” Mujica liderou o Uruguai segundo o seu pensamento e o seu exemplo. Os muito anos de cativeiro não o amargaram e quando diziam que ele era o presidente mais pobre do Mundo retorquia: “Eu não sou um presidente pobre. Pessoas pobres são aquelas que sempre precisam de mais, aqueles que nunca têm o suficiente, porque estão num ciclo infinito. Escolhi esse estilo de vida austero, escolhi não ter muitas coisas, para que eu tenha tempo de viver como quero viver.”

O presidente Mujica e Lucia Topolansky, companheira de uma vida. . (pt.wikipedia.org)

Os sinos dobram pelo senhor Presidente, pois. Um homem carregado de ética republicana, que nunca administrou nenhuma empresa familiar…

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15/05/2025

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Soares Novais

Porto (1954). Jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. “Diário de Notícias”, “Portugal Hoje”, “Record”, “Tal & Qual” e “Jornal de Notícias” (JN) são algumas das publicações onde exerceu o seu ofício [Fonte: “Quem é Quem no Jornalismo”, obra editada pelo Clube de Jornalistas, em 1992]. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi delegado sindical e dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) [no biénio de 1996/97, sendo a Direcção do SJ presidida por Diana Andringa], da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP) e membro do Conselho de Redacção do JN, do qual foi editor-adjunto do “Gabinete de Reportagem” e do “Desporto”. É autor do romance “Português Suave – Cuidado com cão” [1.ª edição “Euroedições”, em 1990; 2.ª edição “Arca das Letras”, em 2004], do livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”, da peça de teatro “E Tudo o Espírito Santo Levou” e da obra para a infância “A Família da Gata Pintinhas”. É um dos autores portugueses com obra publicada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Actualmente, integra a Redacção do jornal digital “sinalAberto”.

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