“Pedro Páramo”
“Vine a Comala porque me dijeron que acá vivía mi padre, un tal Pedro Páramo. Mi madre me lo dijo. Y yo le prometí que vendría a verlo en cuanto ella muriera. Le apreté sus manos en señal de que lo haría, pues ella estaba por morirse y yo en un plan de prometerlo todo.”1 Este é o começo de um dos mais belos e importantes romances da literatura latino-americana. Comala, terra imaginada pelo seu autor, o mexicano Juan Rulfo2, é tão impressionante e rica como a localidade de Macondo, de García Marques.
Num breve romance de pouco mais de cem páginas, caminhamos junto do protagonista, enquanto se vai refazendo, narrativamente, a vida de um tal Pedro Páramo, latifundiário déspota que abandou o seu filho e a esposa.
O livro “Pedro Páramo” foi publicado em 1955, dois anos depois das histórias de “El llano en llamas”. No início do romance, Juan Preciado, o protagonista, promete à mãe, no leito de morte, ir à procura do pai, Pedro Páramo, um cacique de uma pequena aldeia que ele não conhece. “Faz-lhe pagar um preço alto, o esquecimento ao qual nos abandonou”, diz-lhe. E Juan parte para Comala, uma cidade mítica que é o verdadeiro protagonista destas páginas.
Ali, envolto numa velha terra localizada nas brasas da Terra, “na mesma boca do Inferno”, encontrará as vozes e as memórias de personagens oníricas, que vão tecer uma história de desejos e de passados, de mortes e de visões irreais, que vão desde meados do século XIX até às revoltas da guerra Cristera3, no início do século XX.
Recorrendo ao “Prólogo” do romance, da autoria de Jorge Volpi, lemos: “Ancorado em terra firme, o romance dispara em múltiplas direcções quebrando o tempo, confundindo realidade e alucinação, mesclando violência e lirismo com as suas conversas entrecortadas.
Entre fantasmas, a desolação de Comala torna realidade aquele ‘vale de lágrimas’ que constitui a geografia universal da dor, cheia de ecos, violência e ar envenenado. No seu laconismo, Pedro Páramo é um exemplo impressionante de condensação narrativa. Rulfo viu a necessidade de que o autor desaparecesse e deixasse os seus personagens falarem livremente, através de uma estrutura ‘construída de silêncios, de fios pendurados, de cenas cortadas’, dando ao leitor a oportunidade de preencher essas lacunas. Relacionado com o realismo mágico, a atmosfera desta história é tingida de solidão, de fatalismo e de mitologia. Se o título original escolhido por Rufo para este trabalho foi ‘Los Murmullos’ (‘Os Murmúrios’) – mais sóbrio, mas menos contundente que Pedro Páramo –, é preciso evitar que esses murmúrios assassinem também quem inicia a jornada rumo a esse limbo que é Comala… Juan aceitará a sua nova condição: ‘É verdade, Dorotea’ – ele confessará a uma das personagens femininas – os murmúrios me mataram…”
Foi no ano de 2019 que se realizou, entre 8 e 12 de Abril, a 16.ª edição da Mostra Internacional de Filmes de Escolas de Cinema (MIFEC), organizada pelo Curso Superior de Cinema da Escola Superior Artística do Porto (ESAP). Nesse ano, eu ainda me encontrava a dar aulas e na direcção do referido curso da ESAP. A edição desse ano contou com filmes de escolas de cinema de Portugal, da Holanda (Países Baixos), da França, da Roménia, dos Estados Unidos da América, da Espanha, da Alemanha, da Polónia, da Sérvia, da Croácia, do Cazaquistão, do Nepal, de Israel e das Filipinas. No dia 8 de Abril, foi entregue o Prémio Aurélio da Paz dos Reis Internacional ao realizador e investigador, Mark Cousins, no Auditório da Casa do Infante. E no último dia da Mostra (12 de Abril), no Cinema Trindade, foi distinguida a realizadora Margarida Cordeiro, com o Prémio Nacional Aurélio Paz dos Reis.
Na oportunidade de um breve discurso de agradecimento da realizadora, ela lembrou o antigo projecto cinematográfico, que, juntamente com o seu marido, o realizador António Reis, não conseguiram concretizar.
Efetivamente, Margarida Cordeiro e António Reis começaram a adaptar para o cinema o romance “Pedro Páramo”, publicado em 1955, da autoria do escritor mexicano Juan Rulfo, no final da década de 1980, mas a morte de António Reis, em 1991, fez com que o projecto nunca fosse concluído. A leitura, então, proposta pelos realizadores centrava-se no romance de Rulfo, que ecoa muitas das preocupações evidentes nos filmes de Reis e de Cordeiro, “desde as realidades da vida camponesa e do despovoamento das zonas rurais aos temas da memória e do esquecimento, os vivos e os mortos”.
Este meu artigo actualiza, brevemente, o romance de Juan Rulfo, quando numa das plataformas de streaming, uma adaptação mexicana, de muita qualidade cinematográfica e interpretativa, já estreou. Foi pena não ter sido pelas mãos dos dois realizadores portugueses!
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Notas:
1 – Em tradução livre: “Vim para Comala porque me disseram que o meu pai, um certo Pedro Páramo, morava aqui. A minha mãe contou-me. E prometi a ele que iria vê-lo assim que ela morresse. Apertei as mãos dela em sinal de que faria isso, já que ela estava prestes a morrer e eu planejava prometer tudo.”
2 – Juan Rulfo – cujo nome completo é Juan Nepomuceno Carlos Pérez Rulfo Vizcaíno – nasceu em Jalisco, no ano de 1917 e morreu na Cidade do México, em 1986. Este escritor mexicano, em 1944, fundou a revista literária “Pan”. Na década de 1950, como regista a Wikipédia, o autor publica o livro de contos “El llano en llamas” e o romance “Pedro Páramo”. Apesar de ter abandonado a escrita de livros depois da publicação destas obras, Juan Rulfo continuou activo na cena literária mexicana, colaborando com outros escritores em roteiros (a exemplo de Carlos Fuentes e de Gabriel García Márquez), escrevendo para televisão e dedicando-se à fotografia. A influência de Rulfo na narrativa e, em geral, na literatura latino-americana é sentida na obra de vários escritores que protagonizaram o chamado “boom literário” da segunda metade do século XX.
3 – A Guerra Cristera (também conhecida como Guerra dos Cristeros ou Cristiada) é o nome pelo qual ficaram conhecidos os conflitos armados resultantes da perseguição e da repressão conduzidas pelo Estado, no México, contra a Igreja Católica e os seus fiéis. Como explica a Wikipédia, tratou-se de um levantamento popular contra as leis anticlericais impostas pela Constituição Mexicana de 1917, promulgada no 1.º de Dezembro de 1917. A maior parte do conflito armado desenrolou-se entre 3 de Agosto de 1926 e 21 de Junho de 1929.
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19/12/2024