Pergunto-me se estou velho

 Pergunto-me se estou velho

(Créditos de imagem: Eduardo Olszewski – Unsplash

No meio do frenesim que hoje é viver, às vezes, paro ao espelho e pergunto-me se estou velho. Não por causa de rugas e do cabelo branco, de dores provocadas pela coluna ou de como a insuficiência cardíaca me faz sentir cansado com mais facilidade. Isso é no corpo. Pergunto-me sobre a alma. Olho-lhe as vagas de grandes sonhos que se desfizeram na espuma da realidade. E o amor e dedicação plena ao teatro, tão efémera quanto o próprio teatro. E a familiares e amigos que foram partindo, de que eu nem dera conta serem transitórios, como o sou eu mesmo. Mas, sobretudo, porque não me reconheço num Mundo que considero alucinado e catastrófico, apocalíptico, quando a catástrofe provavelmente está em min e o apocalipse é o meu.

(Imagem gerada por IA – canva.com)

Todavia, ainda que assim seja, não quero estar jovem neste Tempo em que não se acredita fraternalmente em alguma coisa melhor, projectada para lá da ambição e do imediato: seja Deus, seja Marx. Não faz mal. Creio, hoje, em Deus e relativiza-me o contingente. Releio Marx e perdura a análise sobre grande parte do que recuso.

A sabedoria da idade permite-me discernir entre a crítica analítica e o afastamento de utopias que se realizaram em distopias reais, permite-me não temer um Deus castigador, nem que se substitua a mim para eticamente procurar o rumo. Mas tudo isto, para o dia-a-dia, não me tranquiliza. Estou velho e pergunto-me se é o Tempo que me ultrapassou ou se a espiral da História e da minha própria história não trará a velhice ao Tempo que hoje não é velho. Certo que não estou no hoje, mas não haverá uma parte de mim que está um pouco contida no futuro? Serei totalmente passado? Talvez não.

(esquerdaweb.com)

Talvez este círculo seja para corrigir o Tempo que eu tomei por futuro e era passado. Ou rectificar sonhos que eram pesadelos quando acordei. Mas seja o que for, velho ou não, tenho direito a ser – e sou – parte deste Mundo em que rejeito muita coisa. Para isso, não preciso de Marx nem de Deus. Nem Marx era Deus, nem Deus era Marx. Basta olhar-me ao espelho da alma. Deus está lá, as razões por que esteve Marx como absoluto permanecem moderadamente sem ele. Afinal, tudo era, tudo é, a alma. Que nunca é jovem nem velha.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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10/11/2025

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Jorge Castro Guedes

Com a actividade profissional essencialmente centrada no teatro, ao longo de mais de 50 anos – tendo dirigido mais de mil intérpretes em mais de cem encenações –, repartiu a sua intervenção, profissional e social, por outros mundos: da publicidade à escrita de artigos de opinião, curioso do Ser(-se) Humano com a capacidade de se espantar como em criança. Se, outrora, se deixou tentar pela miragem de indicar caminhos, na maturidade, que só se conquista em idade avançada, o seu desejo restringe-se a partilhar espírito, coração e palavras. Pessimista por cepticismo, cínico interior em relação às suas convicções, mesmo assim, esforça-se por acreditar que a Humanidade sobreviverá enquanto razão de encontro fraterno e bom. Mesmo que possa verificar que as distopias vencem as utopias, recusa-se a deixar que o matem por dentro e que o calem para fora; mesmo que dela só fique o imaginário. Os heróis que viu em menino, por mais longe que esteja desses ideais e ilusões que, noutras partes, se transformaram em pesadelos, impõem-lhe um dever ético, a que chama “serviços mínimos”. Nasceu no Porto em 1954, tem vivido espalhado pelo Mundo: umas vezes “residencialmente”, outras “em viagem”. Tem convicções arreigadas, mas não é dogmático. Porém, se tiver de escolher, no plano das ideias, recusa mais depressa os “pragma” de justificação para a amoralidade do egoísmo e da indiferença do que os “dogma” de bússola ética.

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