Procura-se político sério e responsável para trabalho com casa incluída

 Procura-se político sério e responsável para trabalho com casa incluída

Palacete de São Bento (pt.wikipedia.org)

Como sabemos, o preço das casas, em particular na capital, está pela hora da morte. Se abrimos um agregador de anúncios imobiliários e nos focamos no centro de poder do país, na zona de São Bento, em Lisboa, aparece um T3+1, com 183 metros quadrados (m²), “de luxo” e com uma “localização prime”. Um primor de preço, também: dois milhões e 100 mil euros (2100000 €). Ao lado, salta um T2 – 107 m², sem elevador – por 680 mil euros O mais barato que encontro na zona é um T1 – 91 m², rés-do-chão sem elevador – por 510 mil euros. Com preços assim, venha o diabo – ou, mais provavelmente, um fundo estrangeiro – e escolha. Perante estes valores, não consigo entender como é que existe um trabalho em Portugal que vem com casa própria, mesmo atrás do Palácio de São Bento (o edifício-sede da Assembleia da República), e que ninguém quer.

Residência oficial do primeiro-ministro. (pt.m.wikipedia.org)

A casa é o Palacete de São Bento, uma propriedade com várias assoalhadas, jardim e garagem. Até tem segurança. Tudo a custo zero para os residentes, pelo menos, enquanto houver contribuintes. O problema? Para viver lá, é preciso ser primeiro-ministro. Menos famosa que a Casa Branca ou número 10 de Downing Street, menos badalada, até, que o Palácio de Belém, a residência oficial do primeiro-ministro de Portugal é pouco conhecida e, ainda menos, habitada. A revista Sábado fez uma reportagem interessante sobre o palacete, da qual se destaca o facto curioso de que nenhum primeiro-ministro quer viver lá. Habitado e reabilitado originalmente por António de Oliveira Salazar, apenas Cavaco Silva residiu lá, por vários anos. Santana Lopes tentou, mas queixou-se da falta de privacidade. Os outros optaram por converter quartos em gabinetes e por transformar a casa numa residência oficial e não pessoal. Luís Montenegro, o atual primeiro-ministro, até preferiu pagar 250 euros por noite num hotel em Lisboa que ficar no palacete. Quando este facto saiu à baila e os media começaram a esperá-lo à frente do hotel, Montenegro viu-se obrigado a encontrar refúgio na residência oficial, sob protesto. “Não tem cortinas, tenho que estar um pouco mais sombrio”, queixou-se.

O ditador António de Oliveira Salazar. (pt.wikipedia.org)

Uma experiência diferente para Luís Montenegro que, uma vez que ninguém quer ficar lá a dormir muito tempo, também prova que as camas não devam ser grande coisa. Na verdade, acho que o problema não é o Palacete de São Bento, mas sim o cargo de primeiro-ministro. Também não tem cortinas (neste caso, mediáticas), há um escrutínio gigante e ninguém parece querer aguentar o trabalho. Vejamos: em 2023, António Costa demitiu-se, após ser noticiado que seria alvo de um inquérito judicial, o que levou à dissolução do Parlamento. Luís Montenegro, o seu sucessor – envolvido num escândalo de conflito de interesses devido a uma empresa de consultadoria que ainda é propriedade da sua família –, caiu já este ano por uma moção de confiança desencadeada por opção própria. Ou seja, outro primeiro-ministro que abriu a porta à própria saída.

(commons.wikimedia.org)

Então, por que é que ninguém quer governar o país? Alguém que entre no Palacete de São Bento e pense: “Pá, isto até tem algum potencial – com umas cortinas do IKEA e menos jornalistas à porta, ficava impecável!” Ouvindo muito por alto os debates, lendo notícias por aqui e por ali, a minha conclusão é a de que a classe política, em Portugal, está cansada. Sem ideias novas, sem visão de futuro, sem sentido de Estado. Falta carisma para apresentar um futuro para o país. Até alguns dos partidos mais novos se limitam a regurgitar temas alheios, sem uma ligação real às necessidades do país. Como um rádio a pilhas que só consegue sintonizar uma estação. Pelo meio, um sistema judicial cheio de potencial no que aparece nas fugas de informação, mas incapaz de concluir investigações de maneira satisfatória. E, quer se queira quer não, os eleitores notam isso. O que vai acontecer nas eleições de 18 de maio será do pior que pode acontecer numa democracia: eleitores desinteressados, sem ninguém capaz de lhes devolver algum entusiasmo.

(artbid.pt)

Eleitores também cansados, já que, só para a Assembleia da República, estas vão ser as terceiras eleições em três anos. Nem deve ter havido tempo para preparar programas eleitorais novos. Além disso, as eleições autárquicas e presidenciais estão, igualmente, à porta. Para os lados do Palácio de Belém — um Presidente da República forte ajudaria a evitar estas crises políticas – também não parece haver muita motivação para lançar candidaturas por amor à pátria. A confiança nos partidos políticos anda tão por baixo que Henrique Gouveia e Melo (o almirante que liderou o combate contra a covid-19) parece ser um candidato consensual, sobretudo, por não ter experiência política. Aliás, admito que é melhor ser ele do que outro comentador. Já chega o que passámos com Marcelo Rebelo de Sousa.

(parlamento.pt)

O que Portugal precisa é de uma política de proximidade. Temas que vão mais além daquilo que preocupa os políticos em si, ou do que preocupa Lisboa e do que nos chega dos Estados Unidos da América. Políticas ambiciosas que terminem com um marasmo para o qual a única solução atual continua a ser o regresso de D. Sebastião, numa manhã de nevoeiro. Porque, embora não pareça, em Portugal não falta ambição. António Costa demitiu-se, mas não se reformou. Meses depois, tornou-se presidente do Conselho Europeu. António Guterres, outro primeiro-ministro que se demitiu, continua a liderar a Organização das Nações Unidas. Os Portugueses – ou, no original de Júlio César, um povo na Ibéria – não se governam, nem se deixam ser governados. Mas parece não terem problemas em exportar políticos para cargos de alto nível.

Não sei quem vai ocupar – formalmente – o Palacete de São Bento, nem o Palácio de Belém no próximo ano, mas duvido muito que seja uma fonte de inspiração que precisaremos num mundo cada vez mais imprevisível e caótico. Antigamente, quando se arrendavam quartos, pedia-se gente séria e responsável. Hoje, seria complicado encontrar alguém para encher essas medidas. Mesmo quando a casa é de graça.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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08/05/2025 

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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