Profissões de desgaste rápido
O Jornal de Notícias (JN) destacava, na sua edição de 9 de Janeiro de 2024, a despedida dos palcos do bailarino Carlos Pinillos, numa cerimónia na qual foi acompanhado pela bailarina Filipa de Castro e pelo director da Companhia Nacional de Bailado (CNB), Carlos Prado.
A menção a Carlos Pinillos era, apenas, o destaque para falar, em manchete, de “Profissões de desgaste rápido [que] reformam 850 por ano”, num artigo assinado por Catarina Ferreira.
São referidas, na mesma edição do jornal, outras que configuram uma lista pequena e/ou precária na qual se encontram as actividades de bordadeira da Madeira, de controlador de tráfego aéreo, de piloto e de copiloto, profissional de bailado clássico ou contemporâneo, de trabalhador abrangido por acordos internacionais nos Açores, de trabalhador na Empresa Nacional de Urânio, de “Trabalhador do Interior” ou da lavra subterrânea das minas, de pescador devidamente inscrito como trabalhador de pesca, de trabalhador marítimo inscrito na marinha de comércio de longo curso, de profissional de cabotagem e costeira e das pescas, e de trabalhador do sector portuário, entre outras actividades profissionais.
Com certeza, poderíamos mencionar outras práticas profissionais, quando contemplamos o horizonte que a Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, em que se coloca, como mínimo, o limite actual de 66 anos e sete meses. Isto, quando se anunciam novas alterações num futuro próximo!
Não querendo ser sectário, gostava de ver incluída nesta lista a actividade de professor, dadas as condições de trabalho que esta profissão exige da parte de quem a exerce. Tive a sorte, na minha vida dedicada ao ensino, de não ser penalizado por condições de trabalho desumanas como as que vejo em relação aos meus amigos docentes que trabalham, sobretudo, nas escolas dos ensinos básico e secundário.
Podemos enumerar as longas horas de reuniões obrigatórias por turmas, por disciplinas ou por grupos de trabalho, etc., assim como as longas horas de trabalho caseiro na correcção de testes e de provas escritas, além da preparação de aulas e de material pedagógico e de outras tarefas, incluindo as reuniões com os pais ou os encarregados de educação.
Pergunto se não será profissão de desgaste ter de deslocar-se, diariamente, em muitos casos, mais de 100 quilómetros, para dar aulas. Ou ficar todo o ano lectivo fora de casa, deslocado do lar. Ou ter de dormir, como foi noticiado, num carro, para poder trabalhar.
Tudo isto sem contar – e temos de falar do assunto – do quão difícil se torna, cada vez mais, trabalhar com grupos de alunos que não vêm na escola um lugar de formação, tal como muitos pais que despejam os filhos nas escolas para poderem trabalhar. E ainda sem falar das agressões a docentes e a funcionários escolares, algo que, até ao momento, não foi considerado delito público!
Neste momento, em que terminou o ano escolar e enquanto os professores esperam pela colocação para o próximo ano lectivo, este artigo que eu tinha deixado para trás ganha actualidade e vigência. Há promessas do novo governo em relação aos estudantes universitários que queiram realizar estudos no campo da pedagogia, entre elas, uma bolsa automática para alunos do ensino superior que tenham abono de família até ao 3.º escalão. A este respeito, recordo que o jornal Público, na sua edição de 30 de Julho de 2002, já noticiava: “Candidatos ao ensino superior podem apresentar o seu requerimento para atribuição de bolsa de estudo desde já. Também há mudanças nas bolsas para quem vai estudar para regiões com menos procura.”
Também tomámos conhecimento de que falhas no Portal das Matrículas levaram o governo a prolongar os prazos de inscrição, que se prolongou até ao dia 5 de Julho. Como podemos constatar, o novo ano lectivo, de 2024/2025, começa, uma vez mais, adiado para alunos e para professores.
Alegra-me saber que o destino de descanso do bailarino Carlos Pinillos se fez realidade. Julgo tê-lo visto em alguma coreografia da CNB. Provavelmente, como outros excelentes bailarinos, poderá transmitir a sua experiência como professor de bailado ou como futuro coreógrafo. É muito importante que esse conhecimento e experiência profissionais não se percam.
Lembrei-me, na ocasião em que li esta notícia do JN, de Pirmin Treku1 (1930-2006), bailarino, coreógrafo e mestre de dança de origem basca que se radicou no Porto, em 1961, a convite da Escola Parnaso2, espaço de formação artística.
Pirmin Treku mudou-se para esta cidade a fim de se dedicar, integralmente, a um projecto de formação de bailarinos profissionais. Dois anos após a sua chegada, fundou a sua própria escola e, alguns anos mais tarde, o Grupo de Bailado do Porto (em 1974), percussor da Companhia de Bailado do Porto.
Tive também a oportunidade de o conhecer nos encontros de Dança da Madeira, quando eu trabalhava nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal (de 1978 a 1982). Estes encontros, promovidos pelo Teatro Baltazar Dias, foram orientados, entre outros, pelos bailarinos Carlos Fernandes e Marta Atayde, ambos antigos integrantes do Ballet Gulbenkian (1975-2005).
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Notas:
1 – Pirmin Treku realizou os seus estudos no domínio da dança na escola do Sadler’s Wells Ballet e ingressou, anos mais tarde, em 1947, no Royal Ballet de Londres, companhia fundada em 1931, onde viria a desempenhar inúmeros papéis solistas, em obras de coreógrafos sobejamente conhecidos do mundo da dança, como George Balanchine, Frederick Ashton, John Cranko, Kenneth MacMillan ou Ninette de Valois.
Com pouco mais de trinta anos, teve de se retirar dos palcos por causa de problemas num joelho. O seu último espectáculo foi “La Fête Étrange”, da Royal Opera House, realizado no Covent Garden, em Londres.
2 – Escola Parnaso: projecto pedagógico existente na cidade do Porto, entre 1958 e 2009.
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08/07/2024