“Pubs” e escritórios

 “Pubs” e escritórios

(© Marco Dias Roque)

Como se canta no genérico de “Cheers, Aquele Bar1, cada pessoa merece ter um lugar onde todos sabem o nosso nome. E que melhor sítio que um bar – espaço de eleição para relaxar e trocar dois dedos de conversa – para nos sentirmos em casa? Fora do ambiente familiar, o escritório monopoliza as nossas vidas, mas isso não chega, precisamos de socializar, de acordo com tradições milenares. Por exemplo, bebendo uma cerveja.

No Reino Unido, os bares locais (os pubs) são parte integrante da imagem do país. Têm nomes engraçados, como “Perna de Carneiro e Couve Flor” ou “O Dedo do Bispo”, e são um porto seguro, quando a chuva e o vento nos convidam a entrar em espaços acolhedores com cheiro a madeira, a ter grandes copos de cerveja na mão e muita animação. Em Portugal, os nossos bares estão mais escondidos, disfarçados de cafés, com nomes como “Ponto de Encontro”. Bebemos mais “minis”, seguindo a lógica de que, assim, a cerveja não aquece. São mundos diferentes.

(Créditos fotográficos: Luke Stackpoole – Unsplash)

Desde logo, num pub, temos de ir ao balcão para pedir e trazer as bebidas à nossa mesa, o que cria uma dinâmica em que — quer se queira quer não — se bebe por rondas. Alguém paga a primeira, depois outro a segunda, até ser tarde demais. A tendência é estar de pé, criando filas. Um sistema muito diferente dos nossos bares, onde nos podemos sentar numa mesa, passando alguém que anota o pedido e que volta com uma bandeja. Tremoços? Nem vê-los! Com sorte, uns pacotes de batatas fritas. Os pubs convidam a estarmos de pé, os bares a sentarmo-nos. Os bares motivam-nos para uma amena cavaqueira, os pubs para bebermos de maneira mais eficiente.

As diferenças que vemos nos locais de ócio estão também presentes nos locais de trabalho. Sendo português e tendo trabalhado em Espanha durante vários anos, estou habituado a trabalhar em culturas mais abertas. Num escritório “ibérico”, quando vemos alguém, certamente, vamos receber um “Bom dia!” e também trocar algumas impressões interpessoais. Se é alguém que vemos quotidianamente, a familiaridade torna-se cada vez maior. Num bar, as bebidas são a desculpa para interagirmos. No escritório, o trabalho é o pretexto para a socialização. Num escritório inglês, a coisa é mais formal e eficiente. Mesmo que se veja alguém diariamente, só se fala quando há necessidade disso. O melhor que se consegue é um “Good morning” e pouco mais. Como num pub, eficiência acima de tudo.

(Créditos fotográficos: Krisztina Papp – Unsplash)

Não se pense que uma maneira de interagir é melhor do que a outra. Por um lado, é fácil sentir a falta da familiaridade, à qual estamos habituados: falar abertamente, criar ligações pessoais com quem nos rodeia e também, sempre que possível, divertirmo-nos no trabalho. Mas a nossa abordagem tem o seu lado negro: mexericos, grupinhos no trabalho, ódios, favores pessoais que se misturam com os laborais.

As barreiras criadas pelos Ingleses evitam alguns destes problemas, levando as coisas ao outro extremo. Por isso, é triste pensar que se trabalha no mesmo espaço com alguém, durante anos, antes de criar qualquer tipo de ligação que vai além da relação laboral. Tais circunstâncias, ajudam-nos a lembrar que o trabalho não é o mesmo que a vida pessoal, embora – sendo os animais sociais que somos – seja complicado encontrar um equilíbrio entre socializar e tratar as outras pessoas como meras transações laborais.

Outro elemento que influencia esta maneira de ser é a vida na cidade, onde tudo se torna mais impessoal. São tantas pessoas vão e vêm que nos fechamos a quem não conhecemos. Afinal, socializar é um esforço do qual se retira poucas recompensas quando a outra pessoa está de passagem, tanto num pub como no trabalho.

(Créditos fotográficos: Allison – Pixabay)

Se calhar, sou eu que ainda não me ajustei a outra cultura. Mas fico intrigado por estas diferenças. Todos os humanos têm as mesmas necessidades. Porém, ao criarmos sociedades com hábitos tão diferentes, nem parecemos do mesmo planeta. O que sei é que qualquer pessoa gosta de ser reconhecida. Por isso, o desejo de ouvir a saudação “Cheers!” – tanto a nível pessoal como profissional –, num lugar onde todos saibam o nosso nome, é um sentimento universal. A questão é saber onde ou quando encontrá-lo.

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Nota da Redacção:

1 – “Sitcom” americana de Charles-Burrows-Charles Productions, em associação com a Paramount Television, para a NBC.

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08/05/2023

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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