Quanto valem os dados sobre imigração?
(innovamigracion.iom.int)
Lia-se, na última edição do semanário Expresso (a 6 de outubro), que a “percepção de insegurança divide Albufeira”. A narrativa pública em torno da imigração em Portugal – e, de resto, em boa parte do mundo – tem oscilado entre o humanismo e a suspeição. Ou, mais rigorosamente, assim foi até há poucos anos: a suspeição tem vindo a impor-se sobre o humanismo, alimentada por discursos políticos e mediáticos que fazem da insegurança a principal lente através da qual se observa o fenómeno migratório.

A teoria da securitização, desenvolvida por Barry Buzan, Ole Wæver e Jaap de Wilde, no final do século passado, oferece um quadro particularmente elucidativo para compreender este processo. O princípio é simples e, ao mesmo tempo, perturbador: quando uma questão social – neste caso, a imigração – é enquadrada como um problema de segurança, o debate desloca-se do terreno político normal para o campo da excecionalidade, onde se legitimam medidas extraordinárias.

Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade
de Lisboa. (linkedin.com/in/catarina-reis-oliveira)
Mas confirmam os dados confirmam esta associação? Não. Redonda e absolutamente, não.
Vejamos. A socióloga Catarina Reis Oliveira, docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-ULisboa), demonstrou que os municípios com maior proporção de imigrantes tendem a apresentar níveis mais baixos de criminalidade por habitante, com tendência de decréscimo entre 2011 e 2023.
O relatório “Imigração e Criminalidade Violenta – Mosaico da Reclusão em Portugal”, coordenado por Maria João Guia, acrescenta que não existe evidência de uma maior propensão dos imigrantes para a prática de crimes violentos.

Investigadora Associada do Centro de Direitos
Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra. (linkedin.com/in/maria-joão-guia)
Os dados prisionais oficiais corroboram esta leitura: entre os 131 condenados por violação em 2023, apenas 27 eram estrangeiros – cerca de 21% –, num contexto em que a população estrangeira residente ultrapassa já esse valor percentual em vários concelhos. Ou seja, o peso criminal dos imigrantes é, proporcionalmente, inferior ao seu peso demográfico.
A discrepância entre perceção social e realidade empírica é profunda. E também sobre isso há dados: o Immigration Barometer de 2024 mostra que uma parte expressiva dos Portugueses acredita que os imigrantes cometem mais crimes do que os nacionais. É neste ponto que o processo de securitização se revela mais eficaz: ao ser reiterada, nos discursos políticos e nas manchetes, a associação entre imigração e insegurança torna-se uma “verdade sentida”, ainda que destituída de fundamento empírico. O medo, mediaticamente amplificado, adquire valor político.

O resultado é visível no quotidiano: amigos próximos, pessoas com quem convivemos regularmente, confessam sentir-se inquietos diante da figura do imigrante. Terão vivido alguma experiência concreta que justifique esse receio? Nenhuma, admitem. “É o que vemos – basta ligar a televisão ou folhear um jornal.”
Em tempos de ruído e de simplificação, insistir na diferença entre o que se diz e o que se demonstra é, talvez, um dos últimos gestos de resistência intelectual que a sociedade democrática pode oferecer.
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16/10/2025