“Queimada!” 

 “Queimada!” 

(madeira.rtp.pt)

“Entre 5000 e 9300 hectares: afinal quanto ardeu no fogo da Madeira?” é o título de uma peça jornalística assinada por Mariana Oliveira, na edição de 24 de Agosto de 2024, do Público

Ao observar que especialistas “alertam que estimativa que tem sido apresentada peca por excesso” e que medições “díspares” se explicam “por diferentes resoluções das imagens usadas para fazer a contabilidade”, a jornalista Mariana Oliveira adianta: “Esta sexta-feira ao fim da tarde, o Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS, na sigla inglesa) estimava uma área ardida de 9304 hectares queimados no fogo que deflagrou no dia 14, na serra de Água, na Madeira.”

Independentemente dos dias e dos valores da área ardida, o último incêndio na Madeira é uma catástrofe sob qualquer ponto de vista. 

Se os políticos e governantes descuram as suas responsabilidades e o exercício das suas funções, nestas datas, cabe perguntar o que se tem realizado em termos de protecção e de prevenção de incêndios na Região Autónoma da Madeira (RAM), durante 50 anos de governo do Partido Social Democrata  (anterior Partido Popular Democrático)? 

Para não falar do tardio pedido de ajuda ao governo do continente para resolver o problema! 

(rtp.pt)

Num contexto histórico, o controlo do fogo remonta a cerca de 1,7 milhão de anos, quando os primeiros hominídeos começaram a usá-lo para aquecer, cozinhar alimentos, iluminar a noite e assustar predadores. De facto, o aparecimento do fogo teve um profundo impacto na evolução humana, pois permitiu a expansão geográfica, o aumento da capacidade cognitiva e o desenvolvimento cultural. Admite-se que o controlo do fogo foi mantido durante grande parte do Paleolítico, até que os humanos aprenderam a produzir fogo por conta própria usando técnicas de atrito e faísca.

A origem do fogo na visão dos índios Caiapós. (listologia.com)

Isto é, enquanto se controlava a vegetação procurava-se a reciclagem e a re- fertilização das terras através do fogo e das cinzas resultantes deste processo. A queima controlada de terras agrícolas é uma prática tradicional realizada para eliminar ervas daninhas, plantas mortas, doenças de plantas ou pragas, bem como para regenerar pastagens ou (supostamente) aumentar a produção de culturas futuras. 

Assistimos todos os anos a este “espectáculo tradicional” que é o fogo das florestas. Assim, entre as muitas atracções turísticas, falta enumerar também esta: o espectáculo anual dos incêndios e das suas consequências. 

Incêndio em Proença-a-Nova, em 17 de Setembro de 2017. (Créditos fotográficos:  João Alves – Unsplash)

Continuando com informação divulgada pela agência noticiosa Lusa, na peça intitulada “GNR registou 1912 crimes de incêndio florestal até meados de Agosto”, lemos: “Segundo um balanço da investigação realizada em 2024, até 18 de Agosto, foram ainda identificados 326 suspeitos, informou a porta-voz da Guarda Nacional Republicana (GNR), Mafalda Gomes de Almeida. No ano de 2023, acrescentou, foram “detidas 57 pessoas e identificadas 803”.

A este respeito, o jornal Público notava: “A GNR registou este ano, até 18 de Agosto, 1912 crimes de incêndio florestal, mais de metade do que os 3299 de todo o ano passado, e efectuou 24 detenções, avançou à Lusa fonte oficial desta força de segurança.”

Em resposta à Lusa, como também registava a SIC Notícias, a porta-voz da GNR referiu, por outro lado, que, no âmbito da Operação Floresta Segura 2024, a GNR realizou 6139 ações de sensibilização, tendo alcançado 99419 pessoas com o objectivo de evitar comportamentos de risco, sensibilizar para a importância de adopção de medidas de autoprotecção e uso correcto do fogo, por parte da comunidade.

Cartazes do filme “Queimada!”, que foi censurado na França, no Brasil e em outros países.

É tempo para recordar uma ilha imaginária que muito bem poderia ser a Madeira: Queimada, a ilha caribenha que, para ser conquistada e dominada para a colonização, ardeu num longo processo intencional de devastação, e que foi transformada numa realidade através de um filme realizado pelo cineasta italiano Gilberto (Gillo) Pontecorvo1, no qual analisa as relações de colonialismo, a escravidão e a dependência com as forças opressoras, quando se começam a sentir e a experimentar as primeiras ideias de libertação e de independência. 

Cena do filme “Queimada!”, de Gillo Pontecorvo. (Créditos de imagem: Reprodução – vermelho.org.br)

Uma sinopse sobre o filme “Queimada!”, da responsabilidade da página electrónica InterFilmes, esclarece: “Uma ilha do Caribe na metade do século XIX. A natureza fez um paraíso aqui; o homem o transformou em inferno. Escravos de vastas plantações de açúcar dos portugueses, estão prontos para transformar sua miséria em revolta – e os britânicos estão prontos para despejar a última gota d’água. Eles enviam o agente William Walker (Marlon Brando), em uma tríplice e desonesta missão: convencer os escravos e se rebelarem, tomar o comércio de açúcar para a Inglaterra… e restabelecer o regime de escravidão. Os temas do colonialismo e da insurreição são explorados no épico Queimada! Com visual e narrativa impressionantes, Queimada tem o brilho de um diretor genial. A genialidade também é evidente na interpretação complexa e inteligente que Brando faz de um homem que é, ao mesmo tempo, um cavalheiro e um patife, revolucionário e colonialista. E a música marcante de Ennio Morricone (o mesmo de Os Intocáveis e A Missão) é o acompanhamento perfeito de um roteiro tão forte. [sic]”

(Créditos fotográficos: Malachi Brooks – Unsplash)

Se não se pára com os incêndios, estaremos condenados biblicamente, como no diz o Levítico (6:12): “O fogo, pois, sempre arderá sobre o altar, não se apagará; mas o sacerdote acenderá lenha nele cada manhã, e sobre ele porá em ordem o holocausto, e sobre ele queimará a gordura das ofertas pacíficas.”

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Nota: 

Gillo Pontecorvo (en.wikipedia.org)

1 – Gillo Pontecorvo (1919-2006) é um realizador italiano e os seus filmes mais conhecidos são “La Battaglia di Algeri – A Batalha de Argel” (de 1966), “Queimada!” (de 1969) e “Ogro” (de 1979). No primeiro filme, é contado o episódio da revolta da Argélia contra a dominação francesa, já em pleno século XX. Este filme é polémico ao mostrar a tortura como uma prática sistematizada dos colonizadores, que a aplicam nos revoltosos capturados. O segundo filme conta com a relevante representação de Marlon Brando, que interpreta o agente inglês Walker, enviado ao Novo Mundo para pregar a revolução nas colónias da Espanha e de Portugal, oferecendo aos nativos o apoio financeiro da Inglaterra. No terceiro filme, o tema é o atentado ao antigo político franquista Luis Carrero Blanco, pela ETA, no ano de 1973.

Julgo que ambos os filmes – Queimada!” e “A Batalha de Argel” – já foram exibidos na RTP

Lawrence na Arábia Saudita, em 1917. (pt.wikipedia.org)

A personagem de William Walker poderia estar inspirada na pessoa e no papel que Thomas Edward Lawrence, mais conhecido como T. E. Lawrence ou Lawrence da Arábia (1888-1935), militar, arqueólogo e escritor britânico. Tornou-se famoso, sobretudo, como oficial do Exército, durante a Primeira Guerra Mundial. Este oficial britânico desempenhou um papel de destaque como ligação no âmbito da rebelião árabe contra o domínio otomano ou Revolta Árabe de 1916-1918. 

O filme “Lawrence da Arábia”, realizado por David Lean, em 1962, é inesquecível pela interpretação de Peter O’Toole. O actor foi tão transcendente na abordagem cinematográfica que chegaria a substituir a pessoa pela personagem, como apontou, no momento, o escritor Robert Graves, dizendo tratar-se de “uma personalidade de complexidade exasperante”.

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05/09/2024 

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Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

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