“Remake” de Remarque: “A Oeste Nada de Novo” (2022)
Entende-se por “remake” uma nova versão de um filme, de um tema musical ou de uma peça teatral ou literária. No cinema, enquanto indústria, é recorrente este tipo de ferramenta. Não por falta de temas nem de argumentos, mas porque é, sempre, uma aposta, de certa forma, em algo que teve sucesso anteriormente ou que teve algum significado para os espectadores de uma determinada época.
É assim que a produção cinematográfica nos habitua a novas versões de obras de autores como William Shakespeare, Victor Hugo, Júlio Verne e Alexandre Dumas (pai), este último e Shakespeare são, talvez, os mais repetidos em versões cinematográficas.
No último ano (2022), o grande “remake” foi o filme “Im Westen nichts Neues” (“A Oeste Nada de Novo”) numa versão e visão alemã, dado que as duas outras produções que conheço são norte-americanas. O filme do realizador Edward Berger é baseado no best-seller homónimo de Erich Maria Remarque, publicado em 1929.
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“Dulce et decorum est pro patria mori”1
A frase é dita com ênfase, sublinhando o sentido patriótico do momento que se vive. Um professor incita, através do verso de Horácio, a que seu grupo de alunos, todos eles jovens prestes a abandonar o liceu, se aliste voluntariamente como soldados na guerra (aquela que seria a Primeira Guerra Mundial, conhecida como “A Grande Guerra”) em que a Alemanha (no contexto dos Impérios Centrais: Alemanha e Áustria-Hungria) enfrenta a França (enquanto integrante na “Tríplice Entente” entre o Reino Unido, a França e a Rússia).
Durante o filme, seguiremos o caminhar bélico deste grupo de estudantes transformados, de um dia para o outro, num grupo de soldados. Um a um, irão caindo inexoravelmente, esmagados pela máquina bélica, sem tréguas.
Aprendemos, tanto no cinema como na literatura, que a guerra não dá tréguas!
Recordo-me perfeitamente do final do filme2, na primeira versão cinematográfica, comovedor na minha adolescência, quando o vi. O último protagonista, o jovem Paul Bäumer, na trincheira silenciosa, tenta alcançar uma borboleta presa na lama, enquanto um soldado francês o atinge mortalmente. Ainda vemos o movimento de estertor nessa mão, e logo o caminhar de todo o grupo dos jovens mortos, desfilando num plano quase transparente olhando para atrás com um pano de fundo semeado de cruzes brancas!
Nesta última versão, e seguindo o roteiro original do livro, as imagens tornam-se mais violentas e cruéis, talvez pelo facto de, agora, serem coloridas e excelentemente recriadas com veracidade e realismo.
Numa paisagem, toda ela, dominada por jovens soldados, apenas uma pequena sequência no feminino: três raparigas atravessam um campo, sendo observadas ao longe pelo grupo adolescente de voluntários. São personagens roubadas a Jean-François Millet, quase em oração3 de “O Ângelus”, transitam sorridentes, alheias à guerra, uma delas chama-se Eloise (vamos descobrir mais tarde), nome que poderia dar título a uma breve sonata… Dela ficará a recordação de um lenço bordado, que cheira a campo, a feno, que cheira a mulher, que cheira ao mundo perdido e longínquo… Lenço que passará de mão em mão, de um jovem a um outro jovem, como o único testemunho vivo de uma Europa galante, mas perdida. Ou de um passado de aromas, de fragâncias de rosas, de tulipas, de alfazema… De todos aqueles perfumes, presos numa granada, a punica granatum (ou romã), despojada das suas sementes cristalinas de rubi.
Na noite dos Óscares de 2023, domingo (12 de Março), em Hollywood (na madrugada de segunda-feira em Portugal), a versão alemã do drama “A Oeste Nada de Novo”, sobre a Primeira Guerra Mundial, conquista o prémio de “Melhor Filme Internacional (Estrangeiro)” e de mais três prémios, incluindo o de “Melhor Banda Sonora Original” (composta por Volker Bertelmann, pianista e compositor alemão), que, em certos momentos, se torna perturbadoramente trágica. É pena que esta última versão não passe nos cinemas e esteja, para já, apenas visível em plataformas videográficas! Os outros dois prémios atribuídos a este filme foram o de “Melhor Fotografia”, sob a responsabilidade de James Friend, e – também na área técnica – o de “Melhor Design de Produção”.
O livro “A Oeste Nada de Novo”, de Erich Maria Remarque, é uma obra recomendada pelo Plano Nacional de Leitura, para o Ensino Secundário, como sugestão de leitura, com a seguinte referência ou resumo: “Nas trincheiras, os rapazes começam a tombar em combate um a um… Em 1914, um professor chauvinista leva uma turma de estudantes alemães – jovens e idealistas – a alistar-se para a ‘guerra gloriosa’. Todos se alistam, movidos pelo ardor e pelo patriotismo próprios da juventude. Porém, o seu desencanto começa durante a recruta brutal. Mais tarde, ao embarcarem no comboio de campanha que os levará à frente de combate, vêem com os próprios olhos as feridas terríveis sofridas na linha da frente… É o seu primeiro vislumbre da realidade da guerra.”
Erich Maria Remarque é o pseudónimo de Erich Paul Remarque (1898-1970), escritor alemão, nascido em Osnabrück. Com 18 anos, partiu para as trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial (que decorreu entre 1914 e 1918), onde foi ferido várias vezes. Em 1929, publicou o seu romance mais famoso “Im Westen nichts Neues”(“A Oeste Nada de Novo”), já sob pseudónimo. Outros dos seus livros tratam conteúdos semelhantes, numa linguagem simples e emotiva, descrevendo a guerra e o pós-guerra. A sua obra “A Oeste Nada de Novo”, segundo os críticos, “firmou uma posição radicalmente pacifista num mundo que ainda via a guerra como uma alternativa política e determinou o perfil antibelicista que habita a literatura ocidental até hoje”.
Em 1933, na Alemanha, os nazis baniram e queimaram os seus livros. A propaganda do Partido Nacional-Socialista (com a sigla “nazi”), de Adolf Hitler, afirmava que ele (Erich Paul Remarque) era descendente de judeus franceses.
Entre as suas obras, uma é ambientada em Portugal: “Uma Noite em Lisboa”, no original “Die Nacht von Lissabon”. Esta novela, escrita em 1963, é bastante autobiográfica e foi adaptada para telefilme (TV Movie), em 1971, pelo canal alemão ZDF, com realização de Zbyněk Brynych e interpretação de Martin Benrath (no papel de Josef Schwarz), de Erika Pluhar (no papel de Helen) e de Horst Frank (assumindo a personagem de Georg Jürgens).
Lisboa, 1942. Vive-se um dos momentos mais dramáticos da Segunda Guerra Mundial, com a Europa quase totalmente esmagada sob o peso da bota nazi. Em Portugal, aflui um elevado número de refugiados.
No cais do porto, dois homens, ambos emigrados alemães, encetam uma estranha negociação. Um deles oferece ao outro, que de outro modo não teria meios para os conseguir; os passaportes e os bilhetes que lhe permitirão seguir viagem, com a sua mulher, no barco que parte no dia seguinte com destino a Nova Iorque. Qual o preço que terá de pagar por tão aliciante proposta?
Para uma breve contextualização, incluímos a sinopse deste livro que narra uma história de ódio e de amor, de doença e de morte (com base na Wikipédia e nas Publicações Europa-América): “O navio preparava-se para a partida, qual arca em tempo de dilúvio. E era de facto uma arca de Noé. Qualquer navio que naquele ano de 1942 abandonasse a Europa assemelhava-se a uma arca de salvação. A América era o monte Arafat e o dilúvio ia crescendo sempre. […]
A costa de Portugal ficara sendo o último refúgio para os emigrantes que acima da pátria e da própria vida colocavam os seus ideais de liberdade, justiça e tolerância. Quem a partir daí não conseguisse alcançar a terra bendita da América estava perdido.”
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Versões cinematográficas da obra de Remarque
“All Quiet on the Western Front” (“A Oeste Nada de Novo”), filme norte-americano de 1930, realizado por Lewis Milestone. Na 3.ª cerimónia de entrega dos prémios Óscar, em 5 de Novembro de 1931, em Los Angeles (Estados Unidos da América – EUA), venceu nas categorias de “Melhor Filme” (Carl Laemmle, Jr.) e de “Melhor Realizador” (Lewis Milestone).
Uma outra versão ou adaptação é de 1979 (EUA), realizada pelo também norte-americano Delbert Mann.
A última versão, de 2022, é alemã e realizada por Edward Berger, que conseguiu, como referimos, quatro prémios, destacando-se o Óscar para “Melhor Filme Estrangeiro”. O mesmo filme obteve 14 nomeações para os prémios BAFTA, o que constitui um recorde para uma obra cinematográfica em língua não inglesa.
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Notas:
1 – Verso de Odes – obra escrita, em Latim, pelo poeta lírico romano Horácio (65 a.C.- 8 a.C.) – usualmente traduzido em “é doce e glorioso morrer pela pátria”.
2 – “Sin novedad en el frente” (1930), fim do filme.
3 – “Angelus Domini” é uma oração católica que é lida três vezes ao dia: manhã, tarde e noite.
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23/03/2023