Renovar o espaço público e a consciência política

Elevador da Glória, cabina n.º 2 na posição superior. (Créditos fotográficos: Carlos Luís M. C. da Cruz – pt.wikipedia.org)
Retirados os destroços do elevador da Glória, em Lisboa, ficam as flores a recordar as vítimas do trágico acidente, por causa de um sistema de travagem que, apesar da redundância de um freio pneumático, não conseguiu imobilizar o veículo funicular inaugurado em 1885.
Num instante, foram ceifadas as vidas de várias pessoas, umas no fim de um dia de trabalho e outras, supostamente, turistas maravilhados com a beleza que iam descobrindo na cidade do Tejo.

A memória colectiva de um país também se faz dos maus momentos e da necessidade de revermos e de analisarmos os pontos críticos, para melhorarmos e prevenirmos situações semelhantes. O que não impede que a vida continue a surpreender-nos na sua imprevisibilidade.
No entanto, como disse o imperador Marco Aurélio, noutra dimensão do tempo, “o que não faz mal à cidade não pode fazer mal ao cidadão”. E aquele sábio da Antiguidade aconselha-nos a aplicar esta regra sempre que tivermos a ideia de que fomos magoados. Na certeza de que os diversos actores políticos procuram responsabilizar e julgar os seus concorrentes, por vezes, de forma colérica, importa – como diria Marco Aurélio (um dos “cinco bons imperadores romanos”, nas palavras de Nicolau Maquiavel, fundador do pensamento e da ciência política moderna) – reparar “onde está o seu lapso”. Para isso, é preciso dirigir as perguntas certas às pessoas certas no seu compromisso político e competência técnica.

No confronto diário entre as expectativas e o inconseguimento – conceito retórico utilizado pela antiga presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, quando se apercebeu da impossibilidade de fazer, no Parlamento, as reformas que pretendia e de uma Europa, talvez para si, não conseguida –, a sensação de perda é uma das experiências mais marcantes em cada um de nós e nas diferentes comunidades em que convivemos. Na nuvem densa do impacto emocional, que junta os sentimentos de tristeza com os de raiva ou de culpa, próprios de uma etapa de luto ou de rompimento, acabamos por encontrar, quase sempre, espaço para reconstruirmos o significado das coisas e das palavras e para nos transformarmos.
Muitos séculos depois de Marco Aurélio, continuamos a ser avisados de que “perseguir impossibilidades é uma loucura”. Porém, porque vamos sempre mudando no tempo, mesmo à sombra da burlesca “teoria geral do inconseguimento”, há princípios que deveríamos ter em comum, a par dos actos normativos do processo legislativo que nos regula. A propósito, recordo um texto jornalístico (de 24 de Abril de 2018) em que Laurinda Alves observava: “Todos sabemos que uma coisa é a lei e outra a ética. A cegueira moral pode ser legislada, mas a ética tudo vê e tudo sabe. A lei permite, mas a consciência não. Essa é a voz que nunca se cala.”

Ainda sobre a tragédia do elevador da Glória e o aproveitamento político, João Miguel Tavares escreve que “a parte que pode ser atribuída aos azares do destino é perto de zero por cento – azar tiveram as pobres vítimas que entraram no elevador à hora errada”. Por isso, o colunista entende que “ninguém pode fugir às suas responsabilidades” no exercício do poder. Entretanto, os ramos de flores no fundo da Calçada da Glória expressam a saudade e revigoram essa “voz que nunca se cala”.
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Nota:
O presente artigo (na versão de crónica) foi publicado na edição de ontem (domingo, 7 de Setembro) do Diário de Coimbra, no âmbito da rubrica “Da Raiz e do Espanto”.
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08/09/2025