Saber pensar

 Saber pensar

(Imagem de domínio público gerada por IA)

Quase sem nos apercebermos disso, porque estamos imersos num constante e eterno turbilhão de mudanças que tudo afeta, as tecnologias da informação e comunicação (TIC) revolucionaram o ensino. Diga-se, em abono da verdade, que, em diversos casos, essa revolução aconteceu apesar do sistema e não promovida por este, mas, seja esse o caso ou não, o certo é que, hoje, o ensino usa cada vez mais as TIC. Os computadores são já comuns nas salas de aula, o acesso à Internet é utilizado intensamente e todos se congratulam porque já há exames a serem feitos em formato digital. Muitos meios, materiais e humanos, se têm investido para tornar isto realidade.

No entanto, todo este desenvolvimento, muito necessário e meritório, continua a estar dirigido para questões de forma – que ferramentas se usam? Como se acede à informação? Que plataforma se utiliza para responder a questões? – esquecendo os problemas principais, fulcrais, aos quais qualquer sistema de ensino tem de dar resposta: como se inspira curiosidade nos alunos? Como se promove o seu espírito analítico e crítico? Como se pode fazê-los pensar?

Só quando o nosso sistema de ensino endereçar eficazmente estas questões é que poderemos dizer que é bem sucedido, que atinge plenamente os seus objetivos. Para isso, a forma é irrelevante – papel e lápis, voz, computadores, Internet – já que a mais importante ferramenta de que os alunos precisam é a sua cabeça e, também, a cabeça dos professores, como promotores e catalisadores do processo de formação de cidadãos.

(Imagem de domínio público gerada por IA)

Os nossos jovens – e também os menos jovens, é claro – são constantemente expostos a enormíssimas quantidades de estímulos e de informação, e é natural que tenham dificuldade em destrinçar entre o que é relevante e importante e o que é irrelevante ou prejudicial. Por muitos conselhos que os pais, amigos e professores lhes deem, a sua reação a essa avassaladora torrente é ditada pela sua cabeça que, com grande probabilidade, está desesperadamente a tentar vir à superfície para tão-só respirar, num oceano de emoções. É, por isso, crucial que, ao longo de todo o processo educativo, seja cultivada a única competência que os pode salvar: saber pensar. Não são as TIC, nem a ausência delas, que farão a diferença. Não serão os computadores nas aulas ou os exames digitais que os tornarão mais aptos para enfrentar este nosso mundo em que a Internet e a inteligência artificial assumem um papel cada vez mais dominante. A única coisa que faz a diferença é que se lhes ensine a pensar, dia após dia, após dia.

O ensino deve ser apelativo e divertido, estimulando a curiosidade e o desejo de entender e de saber mais, além de fomentar a análise e o espírito crítico dos alunos, independentemente do assunto ou da disciplina. É claro que a interatividade, o dinamismo e o fácil acesso à informação, potenciados pelas TIC, devem ser explorados ao máximo, mas sempre na perspetiva de exercitar a compreensão e o raciocínio. Por outro lado, a sensação de que a resposta para tudo está na Internet, a convicção de que a inteligência artificial resolve todos os problemas por nós, a ilusão de que as interações que valem a pena ocorrem nas redes sociais, e o engano de que as opções que importam são ditadas por influencers, têm de ser constantemente desmontados, já que inibem o pensamento crítico e autónomo.

(Imagem de domínio público gerada por IA)

As tecnologias da informação e comunicação são, claramente, uma excelente ferramenta – um meio e não um fim –, mas não devem ser descuradas outras ferramentas mais tradicionais. Com efeito, muitos estudos apontam para o facto de que os métodos tradicionais – escrita à mão e leitura de livros físicos – continuam a ser superiores às ferramentas digitais para a aprendizagem e para o desenvolvimento cognitivo. Num contexto educativo, combinar ambas as abordagens (por exemplo, utilizar ferramentas digitais para pesquisa, mas tomar notas à mão e estudar a partir de livros físicos) pode ser a melhor abordagem.

Vários estudos mostram que os alunos que tomam notas manuscritas retêm melhor a informação do que os que escrevem em dispositivos eletrónicos, já que a escrita à mão os leva a processar e a resumir a informação, em vez de a transcreverem literal e mecanicamente. Escrever notas manualmente estimula os alunos a pensar de forma crítica sobre o que estão a aprender, melhorando a sua capacidade de compreender e de aplicar conceitos. Além disso, escrever no papel elimina as distrações digitais (notificações, redes sociais, informação irrelevante, etc.). Também é já reconhecido que a escrita à mão ativa regiões do cérebro associadas ao pensamento, ao processamento da linguagem e à formação da memória. Por outro lado, os estudos também demonstram que a utilização de livros físicos, seja na educação ou no dia-a-dia, facilita a compreensão e a retenção de informação, melhora o pensamento crítico e promove a concentração.

(Imagem de domínio público gerada por IA)

A sociedade atual exige que os cidadãos tomem boas decisões. A Internet e a inteligência artificial abriram extraordinárias possibilidades para a recolha e para o processamento de informação. Porém, é imperativo que, como bons cidadãos, compreendamos que existe boa e má informação. Os nossos alunos precisam de aprender a pensar por si próprios, a questionar o que leem, a tornar-se pensadores críticos. Para isso, utilizando sempre os meios e as ferramentas mais adequados, o ensino tem de inspirar a curiosidade, promover a adaptabilidade e equipar os alunos com as competências analíticas e profissionais necessárias para prosperar num cenário tecnológico que sempre será dinâmico.

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03/04/2025

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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