Santa ignorância

 Santa ignorância

(media.rtp.pt)

Uma senhora que se apresentou no concurso televisivo Joker como educadora de infância considerou “elogio” a expressão “lápis azul”. O “lápis azul” era o instrumento que os censores fascistas usavam contra a liberdade de pensamento. Uma violência de Estado que promovia a ignorância e censurava escritores, poetas e jornalistas.

Tão grave desconhecimento devia fazer corar de vergonha a senhora educadora de infância. Mas – é importante que se diga – ela não é a única abençoada por tão miserável santa ignorância. O país está recheado de senhoras e de senhores como a senhora do concurso da RTP1. Basta andar na rua, estar numa fila da “caixa” do hipermercado ou numa sala de hospital para o confirmar.

(impe.com.br)

A santa ignorância tem cada vez mais seguidores. Fiéis que a veneram. Sejam da classe média alta ou da classe média baixa. Licenciados ou trabalhadores indiferenciados. O que o país era, há cerca de 50 anos, não lhes interessa nada. Também não querem saber o que era a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) – substituída, a 24 de Novembro de 1969, pela Direcção-Geral de Segurança (DGS) – nem os horrores sofridos por quem penou nas prisões do Estado Novo. E há, igualmente, um crescente e alarmante número de fulanas e de fulanos que anda por aí a censurar e a perseguir escritores. Sem “lápis azul”, mas prontos para uma “batalha campal”.

Televisões e jornais fomentam a santa ignorância. Pois, vendem gato por lebre. Provam-no a esmagadora maioria dos programas exibidos pelos canais generalistas e os “confrontos de ideias” que atulham os canais ditos de informação. Os primeiros fomentam a imbecilidade e os segundos propagam a fé dominante, mesmo que os pregadores sejam apresentados como sendo de irmandades diferentes.

(briefing.pt)

Quanto aos jornais, também estamos falados. As poucas excepções confirmam a regra. Entre o sangue que derramam, há sempre espaço para coisas como estas: “Família de Jorge Jesus ia de férias para a Sardenha… mas perdeu o voo”; “José Castelo Branco ganha cerca de 400 euros em cinco minutos”; “Modelo brasileira estreia ‘língua de cobra’ no sexo”.

E muito pouco ou quase nenhum espaço para aquilo que, verdadeiramente, interessa.  Como noticiar as greves dos trabalhadores na EasyJet, na empresa Ersuc – Resíduos Sólidos do Centro, S.A., em Coimbra. Ou no SUCH – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, junto do Pólo dos Hospitais da Universidade de Coimbra (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra), assim como por parte dos médicos e enfermeiros do Serviço Nacional de Saúde, além das manifestações a favor do fim das portagens nas auto-estradas A28, A29, A41 e A42. Apenas, quero aqui deixar alguns exemplos.

(Créditos fotográficos: hayleigh b – Unsplash)

A santa ignorância evidenciada pela senhora educadora de infância é uma doença crónica. Convenientemente disseminada. Pelas televisões, pelos jornais e pelos conteúdos que invadem os telefones portáteis ou “smartphones” de gente que os consome, sem necessidade de usar um neurónio que seja…

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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22/08/2024

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Soares Novais

Porto (1954). Jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. “Diário de Notícias”, “Portugal Hoje”, “Record”, “Tal & Qual” e “Jornal de Notícias” (JN) são algumas das publicações onde exerceu o seu ofício [Fonte: “Quem é Quem no Jornalismo”, obra editada pelo Clube de Jornalistas, em 1992]. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi delegado sindical e dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) [no biénio de 1996/97, sendo a Direcção do SJ presidida por Diana Andringa], da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP) e membro do Conselho de Redacção do JN, do qual foi editor-adjunto do “Gabinete de Reportagem” e do “Desporto”. É autor do romance “Português Suave – Cuidado com cão” [1.ª edição “Euroedições”, em 1990; 2.ª edição “Arca das Letras”, em 2004], do livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”, da peça de teatro “E Tudo o Espírito Santo Levou” e da obra para a infância “A Família da Gata Pintinhas”. É um dos autores portugueses com obra publicada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Actualmente, integra a Redacção do jornal digital “sinalAberto”.

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