Trapaceiros de meia-tigela

 Trapaceiros de meia-tigela

(Créditos fotográficos: Sebastian Grochowicz – unsplash.com)

Dois tipos montados num Panamera perseguiram-me por algumas ruas da pequena cidade onde vivo. Começaram por dar sinais de luzes e ligeiros e repetidos toques de buzina.

Mirei-os pelo retrovisor, mas não parei. Prossegui o meu caminho. Em marcha lenta. Respeitando a indicação de que não podia circular a mais de “50”. E assim continuei, mesmo quando entrei numa das vias mais largas da urbe.

Parque Urbano de Gondomar. (cm-gondomar.pt)

Foi então que aconteceu o que esperava. O Porshe colou-se ao meu lado e o “pendura” gritou: – Pare, senhor! – Ao mesmo tempo o condutor atravessou a “máquina” na frente do meu carro e o passageiro saiu na minha direcção. Desci o vidro e fixei o tipo, que logo atirou:

– Não viu os estragos que fez na “biatura”?…

– Não, não vi. Mas isso resolve-se facilmente: chamo a Polícia e se se confirmar que fiz estragos…

O sujeito nada mais disse. Entou no “porsheta”, que arrancou de imediato, circundou uma “rotunda” e seguiu em sentido inverso ao meu.

É a segunda vez que tenho de lidar com trapaceiros de meia-tigela. A primeira foi há um ou dois meses. Tal como agora, o veículo transportava dois homens.

(Créditos fotográficos: Ryan – Unsplash)

Não num Panamera preto, mas num “utilitário” branco. Mal aparquei, o condutor veio ao meu encontro e disse-me:

– O senhor “bateu” no meu carro…

Fui ver o estrago reclamado. Tratava-se de um minúsculo e quase imperceptível arranhão junto ao pára-choques frontal, que, segundo o artista, tinha sido causado pelo facto de eu ter deixado descair o carro.

Respondi-lhe:

– Não o deixei descair. Mas não há problema. A oficina onde sou cliente é a 100 metros daqui. Vamos lá! Eles reparam, eu pago e o senhor vai à sua vida…

– O problema – retorquiu, de imediato – não é este arranhão. O problema é que o sistema electrónico deixou de funcionar…

Acto contínuo: entrou no carro e apontou para um daqueles painéis que equipam os veículos modernaços. Depois, disse-me:

– Vou ligar ao meu patrão para saber quando custa o arranjo…

– Sim, faça isso.

Dentro do “utilitário” estava outro indivíduo que não disse uma palavra e nunca deixou de olhar para o outro lado da rua.

Feita a suposta chamada, o meu interlocutor voltou à carga:

– O meu “boss” diz que a reparação fica por 380 euros mais IVA, caso queira factura.

(commons.wikimedia.org)

– Pois, mas assim sendo, chamo a Polícia e, caso tenha culpa, participo ao “seguro”…

A história mudou de rumo a partir desse momento.

– O dia estava a correr-lhe bem…–disse-me. – E, se lhe desse 80 euros, a “coisa” ficava resolvida. 

Recusei tal benesse. Peguei no telemóvel e expressei:

– Agradeço a sua boa vontade, mas não lhe dou 80 euros. Vou ligar à PSP e logo se vê…

Olhou-me com um sorriso amarelo. Entrou no carro e arrancou.

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A tempo:

Ambas as histórias foram protagonizadas por alguns cidadãos espertalhaços… Conto-as como aviso, pois pode haver outros trapaceiros de meia-tigela espalhados pelo país.

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31/10/2024

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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