Tudo se encaminha para que a situação se agrave

 Tudo se encaminha para que a situação se agrave

(Créditos de imagem: beasternchen – Pixabay)

Tudo se encaminha para que a situação se agrave, antes de melhorar, é o que nos avisa a História. E o agravamento da situação significa que, de Seul a Kiev, passando por Gaza, o Mundo se encontra numa encruzilhada. De um lado, estão confrontos bélicos que já fizeram milhares de mortos. Do outro, estão países que se encontram perante desafios cuja solução não está à vista, por exemplo, os Estados Unidos da América (EUA), a França e a Alemanha. A combinação de conflitos armados com tensões políticas é uma mistura a impor uma exigente perícia no seu tratamento, de maneira que, o que agora representa ameaças mundiais, não se torne em manifestações crónicas de desconformidades do bem-estar dos povos.  

(Créditos fotográficos: Pixabay)

Uma vez que a previsão de Jun Fukuyama1 não se concretizou, o século XXI não se revelou isento de História. Bem pode acontecer, perante as entorses com que a História se apresenta nos nossos dias, que já estejamos a viver e a fazer parte de um processo histórico com que não contávamos e para o qual só agora começamos a saber ler os sinais. Porém, entre saber ler, interpretar e encontrar as medidas que o destruam, hão-de passar muitos anos.

Embrenhados na rotina dos dias, mal nos damos conta de que tudo tem a ver com o mesmo: os debaixo, mesmo que transitoriamente pareçam estar na barricada que não lhes compete, fartaram-se de ser espoliados pelos de cima. Hoje, as ruas das principais capitais enchem-se com milhares de pessoas mesmo que um combate esteja a ter lugar a milhares de quilómetros. Se o primum movens2 são as crianças assassinadas em Gaza, a energia que as leva a engrossar os desfiles e as manifestações é o “mal de vivre” de cada um: a solidariedade é só o argumento para demonstrar a vontade de combater pelas causas que as afligem todos os dias. 

Crianças, adolescentes e famílias estão em situação catastrófica em Gaza. (© UNICEF/UNI448902/Ajjour – unicef.org)

Este é um tempo de estertor do estádio superior do capitalismo, uma combinação de neoliberalismo e de neocolonialismo. A época das expedições e posse das terras dos outros deu lugar à dominação do comércio e das instituições onde reside o grande fétiche, o capital, estejam eles onde estiveram, em Portugal ou em Taiwan. Sendo indesmentível que a globalização trouxe inegáveis benefícios aos povos, o seu reverso é, todo ele, feito de iniquidade, a grande dor das sociedades contemporâneas. Basta dar um exemplo, para que haja 170 mil ricos em Portugal, é preciso que haja um milhão e 700 mil pobres. Ou seja, é preciso haver 10 pobres para que haja um rico. Por outras palavras, para cada 80 mil euros, há dez 7600 euros. Isto é assim aqui, mas, salvo raras excepções, de que a Eslovénia é um exemplo, por todo o Mundo capitalista é assim.

Luxemburgo (Créditos fotográficos: Hongbin – Unsplash)

O Luxemburgo, o grande paraíso fiscal europeu, em que o produto interno bruto (PIB) per capita é de 131 mil euros, não deixava de estar, em 2022, em 21.º lugar no índice de escolaridade dos 27 países da União Europeia. Comparado com os EUA, o PIB/capita português é 64% menor (28000/77000$), contudo, a taxa de pobreza em Portugal é só 4,5 pp superior à norte-americana (16%/11,5%). É desta matéria que são feitos os conflitos de vária ordem e por toda a parte, embora revestidos por nacionalismos, diferenças religiosas, “lagardices” ou ambições de superioridade. Estes álibis não passam de papas e de bolos.  

Enquanto este estado de coisas perdurar, não será a impaciência nem personalidades “potterianas” que poderão inverter a situação. É a tomada de consciência e a acção calculada que estão capacitadas para dar outro rumo às formigas no carreiro. 

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Notas da Redacção:

1 – O filósofo e economista político nipo-norte-americano Yoshihiro Francis Fukuyama escreveu, em 1989, o artigo “O Fim da História”, transformado em livro, no ano de 1992, intitulado “O Fim da História e o Último Homem”.

2 – A este respeito, a Wikipédia esclarece que  “motor imóvel”  (“aquilo que move sem ser movido”) ou “primeiro motor (em Latim: “primum movens”) é um conceito avançado por Aristóteles como causa primária (ou “primeira causa não causada”) ou “motor” de todo o movimento no universo.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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09/12/2024

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Cipriano Justo

Licenciado em Medicina, especialista de Saúde Pública, doutorado em Saúde Comunitária. Médico de saúde pública em vários centros de saúde: Alentejo, Porto, Lisboa e Cascais. Foi subdiretor-geral da Saúde no mandato da ministra Maria de Belém. Professor universitário em várias universidades. Presidente do conselho distrital da Grande Lisboa da Ordem dos Médicos. Foi dirigente da Associação Académica de Moçambique e da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. É um dos principais impulsionadores da revisão da Lei de Bases da Saúde.

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