Tudo se encaminha para que a situação se agrave
Tudo se encaminha para que a situação se agrave, antes de melhorar, é o que nos avisa a História. E o agravamento da situação significa que, de Seul a Kiev, passando por Gaza, o Mundo se encontra numa encruzilhada. De um lado, estão confrontos bélicos que já fizeram milhares de mortos. Do outro, estão países que se encontram perante desafios cuja solução não está à vista, por exemplo, os Estados Unidos da América (EUA), a França e a Alemanha. A combinação de conflitos armados com tensões políticas é uma mistura a impor uma exigente perícia no seu tratamento, de maneira que, o que agora representa ameaças mundiais, não se torne em manifestações crónicas de desconformidades do bem-estar dos povos.
Uma vez que a previsão de Jun Fukuyama1 não se concretizou, o século XXI não se revelou isento de História. Bem pode acontecer, perante as entorses com que a História se apresenta nos nossos dias, que já estejamos a viver e a fazer parte de um processo histórico com que não contávamos e para o qual só agora começamos a saber ler os sinais. Porém, entre saber ler, interpretar e encontrar as medidas que o destruam, hão-de passar muitos anos.
Embrenhados na rotina dos dias, mal nos damos conta de que tudo tem a ver com o mesmo: os debaixo, mesmo que transitoriamente pareçam estar na barricada que não lhes compete, fartaram-se de ser espoliados pelos de cima. Hoje, as ruas das principais capitais enchem-se com milhares de pessoas mesmo que um combate esteja a ter lugar a milhares de quilómetros. Se o primum movens2 são as crianças assassinadas em Gaza, a energia que as leva a engrossar os desfiles e as manifestações é o “mal de vivre” de cada um: a solidariedade é só o argumento para demonstrar a vontade de combater pelas causas que as afligem todos os dias.
Este é um tempo de estertor do estádio superior do capitalismo, uma combinação de neoliberalismo e de neocolonialismo. A época das expedições e posse das terras dos outros deu lugar à dominação do comércio e das instituições onde reside o grande fétiche, o capital, estejam eles onde estiveram, em Portugal ou em Taiwan. Sendo indesmentível que a globalização trouxe inegáveis benefícios aos povos, o seu reverso é, todo ele, feito de iniquidade, a grande dor das sociedades contemporâneas. Basta dar um exemplo, para que haja 170 mil ricos em Portugal, é preciso que haja um milhão e 700 mil pobres. Ou seja, é preciso haver 10 pobres para que haja um rico. Por outras palavras, para cada 80 mil euros, há dez 7600 euros. Isto é assim aqui, mas, salvo raras excepções, de que a Eslovénia é um exemplo, por todo o Mundo capitalista é assim.
O Luxemburgo, o grande paraíso fiscal europeu, em que o produto interno bruto (PIB) per capita é de 131 mil euros, não deixava de estar, em 2022, em 21.º lugar no índice de escolaridade dos 27 países da União Europeia. Comparado com os EUA, o PIB/capita português é 64% menor (28000/77000$), contudo, a taxa de pobreza em Portugal é só 4,5 pp superior à norte-americana (16%/11,5%). É desta matéria que são feitos os conflitos de vária ordem e por toda a parte, embora revestidos por nacionalismos, diferenças religiosas, “lagardices” ou ambições de superioridade. Estes álibis não passam de papas e de bolos.
Enquanto este estado de coisas perdurar, não será a impaciência nem personalidades “potterianas” que poderão inverter a situação. É a tomada de consciência e a acção calculada que estão capacitadas para dar outro rumo às formigas no carreiro.
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Notas da Redacção:
1 – O filósofo e economista político nipo-norte-americano Yoshihiro Francis Fukuyama escreveu, em 1989, o artigo “O Fim da História”, transformado em livro, no ano de 1992, intitulado “O Fim da História e o Último Homem”.
2 – A este respeito, a Wikipédia esclarece que “motor imóvel” (“aquilo que move sem ser movido”) ou “primeiro motor (em Latim: “primum movens”) é um conceito avançado por Aristóteles como causa primária (ou “primeira causa não causada”) ou “motor” de todo o movimento no universo.
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Nota do Director:
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09/12/2024