Um mundo que desaparece

(bbc.com/portuguese)

É triste e desilusionante acordar e comprovar que o mundo que deixamos na véspera está hoje mais pobre. Pela partida de amigos e de conhecidos, de figuras marcantes, pelas guerras que continuam, pela tensão entre países e, não posso evitar dizer, pela subida dos movimentos de ultradireita, xenófobos e negacionistas.
Comecemos pelo falecimento de Robert Redford que, enquanto dormia, partiu com a serenidade que o caracterizou em vida. Morreu para mim, quiçá, o último dos grandes actores de uma geração, mas também um democrata, um activista intelectual e artístico que lutou por causas nobres e em defesa dos direitos humanos.

Como escreve o editor da secção de Cultura, especializado em cinema, Gregório Belinchón, no jornal espanhol El País (na edição de 16 de Setembro de 2025), Robert Redford foi “um titã da actuação, uma lenda entre os cineastas independentes nos EUA – para quem, além disso, impulsionou o Instituto e o Festival de Sundance [de Cinema] (nomeado assim pelo seu personagem de ‘Dois Homens e um Destino’) –, um farol para os democratas e um activista comprometido com os temas sociais e ecológicos. Com a morte de Robert Redford, não se foi um, mas todos os Redford que existiram em diferentes campos nos Estados Unidos”.

Redford conquistou o público, não apenas pela sua beleza física – era um homem bonito –, mas, sobretudo, pelo seu talento como actor; e, mais tarde, também como realizador. Entre toda a sua vasta cinematografia, devo recordar, para mim dois deliciosos filmes de comédia, o já citado “Dois Homens e um Destino”, no original “Butch Cassidy and the Sundance”1, de 1969, realizado por George Roy Hill, no qual contracenava com Paul Newman.
A dupla repetiu o êxito com um filme mais tarde com o mesmo realizador: “A Golpada” (“The Sting”, de 1973). É uma comédia ambientada num cenário de “gângsteres”, acompanhados pela brilhante interpretação de outro grande actor americano, Robert Shaw; actor e dramaturgo célebre pelas suas interpretações de Thomas More no filme “A Man for All Seasons” (em Portugal, “Um Homem para a Eternidade”), e também no “Tubarão”, de Spielberg.

Quero ainda lembrar um dos últimos filmes de Redford, “O Encantador de Cavalos” (“The Horse Whisperer”, de 1995), num papel escrito para ele. Um talentoso treinador de cavalos é contratado para ajudar tanto uma adolescente que sofreu um grave acidente como o seu cavalo a se recuperarem. É quase uma fábula, na difícil e demorada tarefa de recuperar a vida perdida.
Outros actores partiram igualmente. Entre eles, o nativo americano Graham Greene, intérprete de “Dança com Lobos”. Pertencia à chamada Primeira Nação de Canadá, foi nomeado para um Óscar pela sua interpretação no papel do índio sioux “a ave que dá pontapés”, no filme de Kevin Costner, de 1990.

(reddit.com/r/reddeadredemption)
Na vizinha Espanha, Eusebio Poncela morre aos 79 anos. O intérprete madrileno que alcançou a fama, nos anos 80, sob o olhar cinematográfico de Pedro Almodôvar em “A Lei do Desejo” e no filme “Matador”.
Carlota Ferrer2, em 27 Agosto 2025, recorda (num artigo) as suas experiências com ele (Eusebio Poncela), como encenadora no teatro, destacando uma versão masculina de “A Casa de Bernarda Alba”. A propósito, relembro que Júlio Cardoso, no Porto, interpretou esta personagens no Teatro Experimental do Porto (TEP), nos anos 70; e também no filme “O Beijo da Mulher Aranha”. A encenadora destaca-o como “um labirinto de surpresas exigente, incisivo e profundamente sedutor”. Como salienta esta directora de teatro, coreógrafa e atriz, “Eusébio Poncela tinha um jogo: fazia-te crescer a partir do seu lugar imponente, mas nunca te sentias agredida”.

“Continental”. (elmundo.es)
No ano de 2014, o encenador Júlio Cardoso foi convidado para recriar, numa cerimónia, os 800 anos da Sé do Porto, iniciada por volta de 1110, durante o reinado de D. Hugo, uma recriação teatral que reuniu actores profissionais e amadores. Também eu participei nesse evento e tive a oportunidade de contracenar com um jovem, Martim Novais, que interpretava o papel de um pajem de D. Teresa.
Foi a partir dessa data que houve uma aproximação com o seu pai, Florêncio Soares Novais, editor e jornalista. Era rara a semana em que ele não me ligava dando notícias da família e, particularmente, do seu filho Martim – hoje, aluno de mestrado em Belas Artes, no segundo ano. Soares Novais deixou-nos também. Como sempre, a frase pode ser trivial, mas não é: “Estou mais pobre com a sua partida.” Ainda guardo livros publicados e oferecidos por ele e da sua autoria, sendo igualmente dramaturgo da peça “E Tudo o Espírito Santo Levou”.

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A ele devo a minha colaboração no blogue A Nau dos Argonautas e no jornal sinalAberto, bem como a amizade de João Machado e do jornalista Vitalino José Santos, ambos editores e ilustradores dos meus textos. Ainda tive a oportunidade de estar com ele e com a sua esposa numa visita no Hospital Santo António e de acompanhá-lo no seu funeral, no Cemitério do Prado do Repouso, no recente dia sábado (20 de Setembro) À Ana e ao seu filho, Martim Novais, os meus sentimentos de pesar pela perda de um homem bom, militante preocupado e comprometido, cordial e sorridente. Até sempre, Soares Novais!
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Notas:
1 – Importa lembrar a belíssima banda sonora e a melhor canção original “Raindrops Keep Fallin on My Head”, interpretada por B. J. Thomas.
2 – Leia o artigo sobre cinema, da autoria de Carlota Ferrer, intitulado “Eusebio Poncela, um labirinto de surpresas exigente, incisivo e profundamente sedutor” (na edição de 27 de Agosto de 2025, do jornal El Mundo).
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25/09/2025