Urge responder ao desafio de preservar o bioma amazónico
Assinalou-se, a 5 de setembro, o Dia da Amazónia, que destaca um dos patrimónios naturais mais valiosos da Humanidade e a maior reserva natural do planeta. Com sete milhões de quilómetros quadrados (Km2), dos quais cinco milhões e meio são de florestas, o bioma é fundamental para o equilíbrio ambiental e climático e para a conservação dos recursos hídricos.
“O Dia da Amazónia é um dia de celebração”, ressalta Maria Cecília Wey de Brito, secretária-geral do WWF-Brasil, organização da sociedade civil, apartidária e sem fins lucrativos, que trabalha em prol da vida, com o propósito de mudar a trajetória de degradação socioambiental, tendo conhecimento dos problemas e dos desafios do bioma, bem como das ferramentas necessárias para os vencer e dos resultados a atingir. O seu trabalho tem-se pautado na proposição de “uma agenda positiva para o desenvolvimento sustentável do bioma”.
Apesar da sua enorme importância ambiental – como o habitat de inúmeras espécies animais, vegetais e arbóreas, e como fonte de matérias-primas alimentares, florestais, medicinais e minerais –, a Amazónia é ameaçada por muitas atividades predatórias: extração de madeira, mineração, obras de infraestrutura e conversão da floresta em áreas de pasto e de agricultura.
Para Marco Lentini, coordenador do “Programa Amazónia”, é fundamental informar a sociedade sobre as principais ameaças à biodiversidade e sensibilizá-la para a necessidade de desenvolver uma economia verde; e é importante conectar a conservação da floresta com o seu uso sustentável, utilizando cada área conforme a sua vocação, mobilizar as pessoas para exercerem o seu papel de cooperar e de propor soluções positivas e sustentáveis para o bioma.
Há temas prioritários e urgentes, entre ameaças, desafios e oportunidades, que afetam ou favorecem a preservação da Amazónia e dos seus habitantes, como se verá a seguir.
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Mais de 95% da produção madeireira vem da exploração predatória. Para reverter ou, ao menos, minimizar os impactos causados pela exploração de madeira e de outros produtos ou serviços, a ciência desenvolveu técnicas para usar a floresta com baixo impacto ambiental. Assim, a proposta do manejo florestal visa a recuperação plena da floresta, após a exploração.
Nestes termos, o setor madeireiro tem o desafio de incentivar o consumo responsável do mercado e o de estimular os produtores a práticas sustentáveis. Nesse campo, o projeto “Governança Florestal e Comércio Sustentável da Madeira Amazónica” desenvolve trabalhos de conscientização e de fomento aos produtores com a geração de insumos de mercado que valorizem os produtos de boa origem.
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De entre biomas brasileiros, a Amazónia é a maior extensão de territórios protegidos. No total, são 314 unidades de conservação (UC), em mais de um milhão de km2 ou em 26% do total da área da Amazónia brasileira. Entre tantos desafios das UC, como a sustentabilidade financeira das áreas e a manutenção do sistema no atual contexto político-económico, sobressai a luta no Congresso Nacional pela redução ou desafetação de UC. Estão em debate cinco projetos de lei para a alteração dos limites.
Para contribuir para a gestão e para a implementação de UC no país, o WWF-Brasil apoia atividades específicas, como a criação e a consolidação de UC, por meio de planos de manejo, de conselhos gestores e de mosaicos; a capacitação de gestores; e o Programa de Áreas Protegidas da Amazónia (ARPA), em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e com outras organizações. Fez a monitoração da efetividade de gestão em mais de 400 UC, em que foram levantadas informações da infraestrutura, da equipa, das pressões e das ameaças, da importância socioeconómica e dos recursos financeiros e humanos de cada UC. E, para disponibilizar esses dados à sociedade foi criado o Observatório de UC, que disponibiliza informações online de 979 UC públicas do Brasil.
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Cerca de 70% da energia elétrica do Brasil vem de hidroelétricas. É na Amazónia que está planeada grande parte dos projetos de geração de eletricidade. Estimativas dos planos de expansão da geração de eletricidade para 2020 mostravam que quase 60% da nova energia viria dessa fonte. Embora renovável, a energia hidroelétrica gera impactos socioambientais, sobretudo em biomas ecologicamente sensíveis, como a Amazónia, que, a par da biodiversidade, abriga comunidades tradicionais que dependem dos recursos naturais para sobreviverem.
Um dos principais desafios é a diversificação das fontes de energia. Na última década, governos e investidores de diversos países investiram mais em energia solar, eólica e biomassa, enquanto o Brasil aumenta os investimentos em energias fósseis. E, como tem grande potencial em energias renováveis, poderá ser um exemplo, investindo em fontes de baixo carbono e de menor impacto ambiental. Para tanto, o planeamento da expansão da sua matriz energética deverá estabelecer equilíbrio entre aspetos técnicos, económicos, sociais e ambientais, sendo fator central a sustentabilidade socioambiental.
Para ampliar o diálogo com decisores e com atores-chave do setor, o WWF-Brasil lançou, em 2012, o estudo “Além de grandes hidroelétricas: políticas para fontes renováveis de energia elétrica no Brasil”, a mostrar que, por meio de planeamento adequado, de políticas e de incentivos positivos e diferenciados, se aumenta a competitividade e a participação das fontes renováveis alternativas na matriz de eletricidade, sendo viável ampliar em 40% a participação de três delas (eólica, biomassa e PCH) nos leilões de energia nova.
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Na expansão da fronteira minero-energética em direção à Amazónia, estão os empreendimentos que mais ameaçam a biodiversidade e o bioma. Se as barragens comprometem a integridade dos ecossistemas aquáticos, alterando o curso natural dos rios, e da região amazónica (UC, terras indígenas e modos de vida), os projetos de mineração e de metalurgia, que requerem grandes intervenções em logística viária, potencializam impactos da cadeia minero-energética, em detrimento do meio ambiente e das comunidades locais.
Um dos grandes desafios aos investimentos na Amazónia é planear e implantar empreendimentos de forma mais criteriosa, considerando as variáveis ambientais, sociais e económicas de cada projeto, bem como os impactos cumulativos, e adotando as melhores práticas para redução desses impactos. Como forma de desenvolver uma visão de conservação, a longo prazo, dos ecossistemas terrestres e aquáticos e de avaliar os impactos cumulativos dum programa de energia hidrelétrica, o WWF-Brasil desenvolveu o HIS-ARA, sistema de informações hidrológicas que apoia os decisores na construção e na avaliação de cenários de desenvolvimento e conservação.
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Embora as taxas de desmatamento tenham caído na Amazónia, sabe-se pouco da dimensão da degradação florestal, que aumenta em consequência do uso predatório das florestas. Com o passar dos anos, o Brasil aperfeiçoou a sua tecnologia para a monitorização do desmatamento. Hoje é possível obter dados mensais, de organizações como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), sobre o crescimento ou sobre a redução do desmatamento na Amazónia. Porém, as informações da degradação florestal são pontuais e concentradas em alguns locais.
O desmatamento e a degradação ameaçam as UC e outras áreas que deviam ser preservadas, bem como as áreas de campos naturais, cerrados e regiões nas quais estão assentados pequenos produtores. Hoje, há, pelo menos, três grandes desafios no atinente ao desmatamento e à degradação florestal: incentivar modelos produtivos de valorização da economia verde capazes de incentivar a quantidade de recomposição florestal equivalente ao desmatamento legal e controlado na região; estimular boas práticas nas atividades promotoras de desmatamento e degradação florestal em larga escala na Amazónia, como é o caso, respetivamente, da pecuária e da exploração de madeira; e monitorar o desmatamento e a degradação numa escala mais apropriada, como no caso das pequenas propriedades e nos assentamentos rurais.
O WWF-Brasil trabalha em ações que provoquem a sensibilização e a mobilização pública sobre os problemas da degradação e do desmatamento, tal como propõe agendas positivas, a nível federal e estadual, voltadas para o incentivo à oferta e à demanda das cadeias produtivas que urgem a adoção de boas práticas produtivas.
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Os pagamentos por serviços ambientais (PSA) priorizam a compensação financeira a quem ajuda a conservar a Natureza. Os serviços ambientais contemplam os benefícios que as pessoas obtêm da natureza: regulação do clima, formação dos solos, controlo da erosão, armazenamento de carbono, ciclagem de nutrientes e provimento de recursos hídricos.
A proposta do PSA é tentar mostrar que a água, a biodiversidade e o carbono armazenado nas árvores têm valor para a sociedade. Porém, apesar dos benefícios, tais iniciativas ainda não têm remunerado, de forma efetiva, moradores das florestas e investidores florestais. A falta de legislação para o setor tem sido o maior entrave ao processo. Desde 2007, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 792, que dispõe sobre os serviços ambientais.
No entanto, já existem iniciativas de PSA, como Produtores de água, Bolsa Verde, Sistema de Incentivo aos Serviços Ambientais do Acre (SISA), ICMS Ecológico, entre outros projetos de organizações e empresas. Na Amazónia, apesar do imenso potencial de provisão de serviços ambientais da floresta, o principal serviço em debate é o da redução das emissões de carbono na atmosfera, em que se destacam iniciativas de REDD+, visando reduzir emissões de desmatamento e de degradação e incluir o papel da conservação, do manejo sustentável e do aumento de stocks de carbono nas florestas. O REDD+ reconhece o valor económico da floresta em pé, pelo que oferece incentivos a países em desenvolvimento para reduzirem as emissões de gases que provocam o efeito estufa provenientes de florestas.
Nesse contexto, urge a aprovação do referido Projeto de Lei junto do governo federal, de forma a promover a conservação dos serviços ambientais e o reconhecimento do papel de povos indígenas e de comunidades tradicionais na manutenção destes serviços. Além disso, a organização apoiou, em 2012, a implementação de política de REDD+ no estado do Acre, como parte do SISA.
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A mineração é das maiores fontes de degradação ambiental, com danos incalculáveis e de difícil reversão. Descarateriza bacias, altera cursos de água, grutas e nascentes, contamina a água com mercúrio, destrói florestas e põe a vida de trabalhadores e de comunidades em risco.
Na Amazónia, são explorados minérios, como alumínio, cobre, ferro, ouro, etc. A exploração do ouro é das mais degradantes: para produzir um quilo, chegam a usar um quilo de mercúrio. O governo federal enviou ao Congresso um pacote de projetos de lei para estabelecer novo marco regulatório para a mineração. Uma proposta quer abrir 10% de parques nacionais e outras UC de proteção integral para mineração. O pacote vai ao encontro da finalidade das UC, criadas para proteger a biodiversidade, as fontes de água e outros serviços ambientais. Para dar apoio à situação, o WWF-Brasil integra o Comité Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração e luta para que o novo Código de Mineração seja mais consistente em termos socioambientais.
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A pecuária bovina desempenha papel estratégico na economia, atingindo saldo significativo na balança comercial, com forte expressão no produto interno bruto (PIB). Porém, está atrelada ao desmatamento. A área ocupada por pastagens é de cerca de 180 milhões de hectares, com cerca de 30% abandonada, degradada ou em estágio de degradação. A Amazónia é o bioma em que a atividade da pecuária apresentou as maiores taxas de crescimento. Entre 1974 e 2011, a manada nacional aumentou 120 milhões de cabeças. Só o bioma amazónico representou 46% do aumento. Além disso, cerca de 70% da área desmatada na floresta amazónica é de pastagens.
São grandes os desafios, face à eficiência produtiva e ao impacto socioambiental, conexo com o incumprimento da lei, a falta de clareza fundiária, a alta liquidez do gado no mercado e a baixa eficiência energética e produtiva. Entre os principais danos ambientais, estão a alteração de ecossistemas, a perda de biodiversidade e a degradação dos recursos hídricos. E o desmatamento potencia a emissão de gases do efeito de estufa, pois é promovido por queimadas e reduz a matéria orgânica, libertando gás carbónico. E o desmatamento ilegal é configurado por áreas abertas que não atendem às exigências de reserva legal ou às áreas de preservação permanente (APP).
É importante a pecuária bovina, no positivo impacto económico e no aperfeiçoamento do setor, mas, nalgumas regiões, expande-se desordenadamente, em detrimento da sociobiodiversidade. Ora, a pecuária responsável abrange aspetos essenciais no âmbito da legislação e dos direitos sociais, da conservação ambiental e do arranjo produtivo.
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Neste ano, embora não seja a primeira vez, o Dia da Amazónia é cercado pelo fumo negro dos incêndios e afogueado pelo calor das labaredas, com zonas de ar irrespirável.
Contudo, a população amazónica luta pela sobrevivência e pela cidadania integral. Não rejeita o progresso, mas exige o respeito pelas suas vidas, pelos seus bens e pelos seus territórios. Sem vida, sem bens, sem território, não há autodeterminação, não há povos. Quer fazer ouvir a sua voz em todas as áreas de intervenção. Até pretende que a Igreja Católica promova a ordenação de diaconisas e crie um rito amazónico. E por que não?
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12/09/2024