Urge responder ao desafio de preservar o bioma amazónico

 Urge responder ao desafio de preservar o bioma amazónico

Mancha florestal amazónica. (agro20.com.br)

Assinalou-se, a 5 de setembro, o Dia da Amazónia, que destaca um dos patrimónios naturais mais valiosos da Humanidade e a maior reserva natural do planeta. Com sete milhões de quilómetros quadrados (Km2), dos quais cinco milhões e meio são de florestas, o bioma é fundamental para o equilíbrio ambiental e climático e para a conservação dos recursos hídricos.

Maria Cecília Wey de Brito, secretária-geral do WWF-
Brasil. (wwf.org.br)

“O Dia da Amazónia é um dia de celebração”, ressalta Maria Cecília Wey de Brito, secretária-geral do WWF-Brasil, organização da sociedade civil, apartidária e sem fins lucrativos, que trabalha em prol da vida, com o propósito de mudar a trajetória de degradação socioambiental, tendo conhecimento dos problemas e dos desafios do bioma, bem como das ferramentas necessárias para os vencer e dos resultados a atingir. O seu trabalho tem-se pautado na proposição de “uma agenda positiva para o desenvolvimento sustentável do bioma”.

Apesar da sua enorme importância ambiental – como o habitat de inúmeras espécies animais, vegetais e arbóreas, e como fonte de matérias-primas alimentares, florestais, medicinais e minerais –, a Amazónia é ameaçada por muitas atividades predatórias: extração de madeira, mineração, obras de infraestrutura e conversão da floresta em áreas de pasto e de agricultura.

Marco Lentini, coordenador do “Programa Amazónia”.
(Créditos fotográficos: WWF-Brasil / Jorge Eduardo Dantas
wwf.org.br

Para Marco Lentini, coordenador do “Programa Amazónia”, é fundamental informar a sociedade sobre as principais ameaças à biodiversidade e sensibilizá-la para a necessidade de desenvolver uma economia verde; e é importante conectar a conservação da floresta com o seu uso sustentável, utilizando cada área conforme a sua vocação, mobilizar as pessoas para exercerem o seu papel de cooperar e de propor soluções positivas e sustentáveis para o bioma.

Há temas prioritários e urgentes, entre ameaças, desafios e oportunidades, que afetam ou favorecem a preservação da Amazónia e dos seus habitantes, como se verá a seguir.

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Mais de 95% da produção madeireira vem da exploração predatória. Para reverter ou, ao menos, minimizar os impactos causados pela exploração de madeira e de outros produtos ou serviços, a ciência desenvolveu técnicas para usar a floresta com baixo impacto ambiental. Assim, a proposta do manejo florestal visa a recuperação plena da floresta, após a exploração.

Carajás, Parauapebas – PA, Brasil. (Créditos fotográficos: Paula Sleiman – Unsplash)

Nestes termos, o setor madeireiro tem o desafio de incentivar o consumo responsável do mercado e o de estimular os produtores a práticas sustentáveis. Nesse campo, o projeto “Governança Florestal e Comércio Sustentável da Madeira Amazónica” desenvolve trabalhos de conscientização e de fomento aos produtores com a geração de insumos de mercado que valorizem os produtos de boa origem.

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De entre biomas brasileiros, a Amazónia é a maior extensão de territórios protegidos. No total, são 314 unidades de conservação (UC), em mais de um milhão de km2 ou em 26% do total da área da Amazónia brasileira. Entre tantos desafios das UC, como a sustentabilidade financeira das áreas e a manutenção do sistema no atual contexto político-económico, sobressai a luta no Congresso Nacional pela redução ou desafetação de UC. Estão em debate cinco projetos de lei para a alteração dos limites.

A Amazónia é a maior floresta tropical do planeta, abrigando 50% das florestas tropicais existentes no Mundo. (aulatica.com.br)

Para contribuir para a gestão e para a implementação de UC no país, o WWF-Brasil apoia atividades específicas, como a criação e a consolidação de UC, por meio de planos de manejo, de conselhos gestores e de mosaicos; a capacitação de gestores; e o Programa de Áreas Protegidas da Amazónia (ARPA), em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e com outras organizações. Fez a monitoração da efetividade de gestão em mais de 400 UC, em que foram levantadas informações da infraestrutura, da equipa, das pressões e das ameaças, da importância socioeconómica e dos recursos financeiros e humanos de cada UC. E, para disponibilizar esses dados à sociedade foi criado o Observatório de UC, que disponibiliza informações online de 979 UC públicas do Brasil.

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Cerca de 70% da energia elétrica do Brasil vem de hidroelétricas. É na Amazónia que está planeada grande parte dos projetos de geração de eletricidade. Estimativas dos planos de expansão da geração de eletricidade para 2020 mostravam que quase 60% da nova energia viria dessa fonte. Embora renovável, a energia hidroelétrica gera impactos socioambientais, sobretudo em biomas ecologicamente sensíveis, como a Amazónia, que, a par da biodiversidade, abriga comunidades tradicionais que dependem dos recursos naturais para sobreviverem.

De acordo com um estudo do WWF-Brasil, as fontes limpas, como as pequenas centrais hidrelétricas (PCH) possuem grande potencial de crescimento. (Créditos fotográficos: Reprodução / blogspot.com – em.com.br)

Um dos principais desafios é a diversificação das fontes de energia. Na última década, governos e investidores de diversos países investiram mais em energia solar, eólica e biomassa, enquanto o Brasil aumenta os investimentos em energias fósseis. E, como tem grande potencial em energias renováveis, poderá ser um exemplo, investindo em fontes de baixo carbono e de menor impacto ambiental. Para tanto, o planeamento da expansão da sua matriz energética deverá estabelecer equilíbrio entre aspetos técnicos, económicos, sociais e ambientais, sendo fator central a sustentabilidade socioambiental.

Para ampliar o diálogo com decisores e com atores-chave do setor, o WWF-Brasil lançou, em 2012, o estudo “Além de grandes hidroelétricas: políticas para fontes renováveis de energia elétrica no Brasil”, a mostrar que, por meio de planeamento adequado, de políticas e de incentivos positivos e diferenciados, se aumenta a competitividade e a participação das fontes renováveis alternativas na matriz de eletricidade, sendo viável ampliar em 40% a participação de três delas (eólica, biomassa e PCH) nos leilões de energia nova.

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Na expansão da fronteira minero-energética em direção à Amazónia, estão os empreendimentos que mais ameaçam a biodiversidade e o bioma. Se as barragens comprometem a integridade dos ecossistemas aquáticos, alterando o curso natural dos rios, e da região amazónica (UC, terras indígenas e modos de vida), os projetos de mineração e de metalurgia, que requerem grandes intervenções em logística viária, potencializam impactos da cadeia minero-energética, em detrimento do meio ambiente e das comunidades locais.

(wwf.org.br)

Um dos grandes desafios aos investimentos na Amazónia é planear e implantar empreendimentos de forma mais criteriosa, considerando as variáveis ambientais, sociais e económicas de cada projeto, bem como os impactos cumulativos, e adotando as melhores práticas para redução desses impactos. Como forma de desenvolver uma visão de conservação, a longo prazo, dos ecossistemas terrestres e aquáticos e de avaliar os impactos cumulativos dum programa de energia hidrelétrica, o WWF-Brasil desenvolveu o HIS-ARA, sistema de informações hidrológicas que apoia os decisores na construção e na avaliação de cenários de desenvolvimento e conservação.

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Embora as taxas de desmatamento tenham caído na Amazónia, sabe-se pouco da dimensão da degradação florestal, que aumenta em consequência do uso predatório das florestas. Com o passar dos anos, o Brasil aperfeiçoou a sua tecnologia para a monitorização do desmatamento. Hoje é possível obter dados mensais, de organizações como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), sobre o crescimento ou sobre a redução do desmatamento na Amazónia. Porém, as informações da degradação florestal são pontuais e concentradas em alguns locais.

(ciclovivo.com.br)

O desmatamento e a degradação ameaçam as UC e outras áreas que deviam ser preservadas, bem como as áreas de campos naturais, cerrados e regiões nas quais estão assentados pequenos produtores. Hoje, há, pelo menos, três grandes desafios no atinente ao desmatamento e à degradação florestal: incentivar modelos produtivos de valorização da economia verde capazes de incentivar a quantidade de recomposição florestal equivalente ao desmatamento legal e controlado na região; estimular boas práticas nas atividades promotoras de desmatamento e degradação florestal em larga escala na Amazónia, como é o caso, respetivamente, da pecuária e da exploração de madeira; e monitorar o desmatamento e a degradação numa escala mais apropriada, como no caso das pequenas propriedades e nos assentamentos rurais.

O WWF-Brasil trabalha em ações que provoquem a sensibilização e a mobilização pública sobre os problemas da degradação e do desmatamento, tal como propõe agendas positivas, a nível federal e estadual, voltadas para o incentivo à oferta e à demanda das cadeias produtivas que urgem a adoção de boas práticas produtivas.

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Os pagamentos por serviços ambientais (PSA) priorizam a compensação financeira a quem ajuda a conservar a Natureza. Os serviços ambientais contemplam os benefícios que as pessoas obtêm da natureza: regulação do clima, formação dos solos, controlo da erosão, armazenamento de carbono, ciclagem de nutrientes e provimento de recursos hídricos.

O SISA foi instituído por lei como política pública de incentivo a serviços ambientais do Acre. (Créditos fotográficos: Marcos Vicentti / Secom – agencia.ac.gov.br)

A proposta do PSA é tentar mostrar que a água, a biodiversidade e o carbono armazenado nas árvores têm valor para a sociedade. Porém, apesar dos benefícios, tais iniciativas ainda não têm remunerado, de forma efetiva, moradores das florestas e investidores florestais. A falta de legislação para o setor tem sido o maior entrave ao processo. Desde 2007, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 792, que dispõe sobre os serviços ambientais.

(cdsabusiness.com.br/sisa)

No entanto, já existem iniciativas de PSA, como Produtores de água, Bolsa Verde, Sistema de Incentivo aos Serviços Ambientais do Acre (SISA), ICMS Ecológico, entre outros projetos de organizações e empresas. Na Amazónia, apesar do imenso potencial de provisão de serviços ambientais da floresta, o principal serviço em debate é o da redução das emissões de carbono na atmosfera, em que se destacam iniciativas de REDD+, visando reduzir emissões de desmatamento e de degradação e incluir o papel da conservação, do manejo sustentável e do aumento de stocks de carbono nas florestas. O REDD+ reconhece o valor económico da floresta em pé, pelo que oferece incentivos a países em desenvolvimento para reduzirem as emissões de gases que provocam o efeito estufa provenientes de florestas.

Nesse contexto, urge a aprovação do referido Projeto de Lei junto do governo federal, de forma a promover a conservação dos serviços ambientais e o reconhecimento do papel de povos indígenas e de comunidades tradicionais na manutenção destes serviços. Além disso, a organização apoiou, em 2012, a implementação de política de REDD+ no estado do Acre, como parte do SISA.

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A mineração é das maiores fontes de degradação ambiental, com danos incalculáveis e de difícil reversão. Descarateriza bacias, altera cursos de água, grutas e nascentes, contamina a água com mercúrio, destrói florestas e põe a vida de trabalhadores e de comunidades em risco.

Mineração na Amazónia. (fococidade.com.br)

Na Amazónia, são explorados minérios, como alumínio, cobre, ferro, ouro, etc. A exploração do ouro é das mais degradantes: para produzir um quilo, chegam a usar um quilo de mercúrio. O governo federal enviou ao Congresso um pacote de projetos de lei para estabelecer novo marco regulatório para a mineração. Uma proposta quer abrir 10% de parques nacionais e outras UC de proteção integral para mineração. O pacote vai ao encontro da finalidade das UC, criadas para proteger a biodiversidade, as fontes de água e outros serviços ambientais. Para dar apoio à situação, o WWF-Brasil integra o Comité Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração e luta para que o novo Código de Mineração seja mais consistente em termos socioambientais.

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A pecuária bovina desempenha papel estratégico na economia, atingindo saldo significativo na balança comercial, com forte expressão no produto interno bruto (PIB). Porém, está atrelada ao desmatamento. A área ocupada por pastagens é de cerca de 180 milhões de hectares, com cerca de 30% abandonada, degradada ou em estágio de degradação. A Amazónia é o bioma em que a atividade da pecuária apresentou as maiores taxas de crescimento. Entre 1974 e 2011, a manada nacional aumentou 120 milhões de cabeças. Só o bioma amazónico representou 46% do aumento. Além disso, cerca de 70% da área desmatada na floresta amazónica é de pastagens.

Fazenda de gado em Vista Alegre do Cupim. (Créditos fotográficos: Marcio Isenseee e Sá – oeco.org.br)

São grandes os desafios, face à eficiência produtiva e ao impacto socioambiental, conexo com o incumprimento da lei, a falta de clareza fundiária, a alta liquidez do gado no mercado e a baixa eficiência energética e produtiva. Entre os principais danos ambientais, estão a alteração de ecossistemas, a perda de biodiversidade e a degradação dos recursos hídricos. E o desmatamento potencia a emissão de gases do efeito de estufa, pois é promovido por queimadas e reduz a matéria orgânica, libertando gás carbónico. E o desmatamento ilegal é configurado por áreas abertas que não atendem às exigências de reserva legal ou às áreas de preservação permanente (APP).

A criação de gado é a principal causa da desflorestação na região amazónica em toda a América do Sul, aponta um estudo da organização Rede Amazónica de Informação Socioambiental Georreferenciada, com apoio do MapBiomas. (welectric.pt)

É importante a pecuária bovina, no positivo impacto económico e no aperfeiçoamento do setor, mas, nalgumas regiões, expande-se desordenadamente, em detrimento da sociobiodiversidade. Ora, a pecuária responsável abrange aspetos essenciais no âmbito da legislação e dos direitos sociais, da conservação ambiental e do arranjo produtivo.

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Neste ano, embora não seja a primeira vez, o Dia da Amazónia é cercado pelo fumo negro dos incêndios e afogueado pelo calor das labaredas, com zonas de ar irrespirável.

(ihu.unisinos.br)

Contudo, a população amazónica luta pela sobrevivência e pela cidadania integral. Não rejeita o progresso, mas exige o respeito pelas suas vidas, pelos seus bens e pelos seus territórios. Sem vida, sem bens, sem território, não há autodeterminação, não há povos. Quer fazer ouvir a sua voz em todas as áreas de intervenção. Até pretende que a Igreja Católica promova a ordenação de diaconisas e crie um rito amazónico. E por que não?

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12/09/2024

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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