“Ye Olde” Moelas, ou “pubs” à portuguesa

(© Marco Dias Roque)
Escrevo esta crónica numa Londres que passa pela terceira onda de calor deste verão e onde 25 graus se sentem como 35. O Reino Unido não é um país preparado para grandes subidas de temperatura, de tal maneira que, quando o termómetro passa dos 20, aparecem sinais no metro a pedir que as pessoas levem água para evitar desmaios. Nem os comboios aguentam, é bastante comum que se atrasem ou que sejam cancelados porque o calor afeta os carris.
Isto não significa que as pessoas se escondam do Sol, antes pelo contrário. Tiram a roupa e vão para parques, fazem churrascos e, claro, bebem (muita) cerveja, dentro e fora de bares. Contudo, nem os pubs – apesar de alguns alegarem ter um beer garden, conceito bonito este de ter um “jardim” para beber na rua – estão feitos para calor, o que não é de estranhar já que têm raízes históricas em tempos em que até o rio Tâmisa congelava no inverno.

Quando penso num pub, o típico bar inglês, não penso no verão. Visualizo, sim, um edifício com janelas fechadas (ou sem janelas de todo), com portas fechadas que não deixam o frio entrar, com lareiras onde se podem aquecer as mãos. São bares onde a madeira é rainha, sem serviço de mesa; e comida à base de fritos, menos nos domingos, quando o “menu” é um assado de carne. Coisas para temperaturas mais baixas. Nem a cerveja, caso se beba um ale, precisa de estar muito fria.

São bares muito uniformes, até nos nomes pitorescos. Ao lado da minha casa, tenho o White Hart (“Cervo Branco”) e o Blind Begger (o “Pedinte Cego”). Antes, tinha o Ship and Whale (“Navio e Baleia”), o Moby Dick (imagino alguma competição com o anterior) e o Blacksmiths Arms (o “Brasão dos Ferreiros”). A origem dos nomes perde-se para a História, mas a teoria é que, na época medieval – já que pouca gente sabia ler –, os donos dos pubs penduravam objetos ao lado da porta para identificar o bar. Ainda hoje Plough (“Charrua”) é um dos nomes mais comuns. Em 1393, por decreto real e ao bom estilo de organização inglesa, colocar um sinal para identificar a natureza do estabelecimento tornou-se obrigatório. Reinava Ricardo II e o seu brasão era um cervo branco. Seiscentos anos depois, o nome – como exemplifica o pub ao lado da minha casa – continua a ser dos mais populares. É curioso, em Portugal, não precisámos de intervenção real para chamar um em cada três cafés “Ponto de Encontro”.
Os nomes podem agrupar-se em diferentes temas: brasões ou associações com a realeza (Royal Oak, “Carvalho Real”, Red Lyon, “Leão Vermelho”); objetos comuns (The Boot, “Bota” ou Bag of Nails, “Saco de Pregos”); ou combinações de objetos, ou animais (Crown and Anchor, “Coroa e Âncora”, Coach and Horses, “Charrete e Cavalos”). Existem muitas repetições, mas também variedade na fórmula. E, também, casos extremos, como o Ye Olde Cheshire Cheese (“Velho Queijo de Cheshire”). “Ye Olde” é um título dado a pubs mais antigos. Por isso, o nome original era só Queijo de Cheshire. Simples e eficaz, este pub foi frequentado por Oscar Wilde, Yeats, Charles Dickens e Mark Twain, tendo sido o primeiro edifício reconstruído depois do grande fogo de Londres, em 1666. Boas prioridades.

Em Portugal, a tradição de nomes não é tão forte, mas acho que podemos defender a nossa honra. Em Coimbra, lembro-me de alguns dignos de registo: o “Moelas” (Deus abençoe essas sandes), “Couraça” (sempre um bar sólido), o “Bigorna” (que acho que já não existe), o “Mandarim” (onde ia o Eça e que acabou por ser um McDonald’s, voltou a bar e fechou de novo), o “Académico” ou o “Cartola”, a lista é imensa, mas com espaço para melhorar. Por isso, e como o verão convida à imaginação, termino esta crónica de agosto com cinco sugestões para nomes de pubs baseados na lógica inglesa, embora ajustados à realidade portuguesa:
- Realeza: O Barão e o Visconde
Podia ter sido o Navegador, em honra a Dom Henrique ou a alcunha de qualquer rei, mas o nome indicado para um pub português baseado em conceitos da realeza seria “O Barão e o Visconde” (The Baron and Viscount). Tem ritmo, é engraçado e, como manda a tradição, combina duas coisas. Além disso, incorpora um sentimento republicano e antimonarquia típico português, já que a expressão original critica a “nobreza”. “Foge cão, que te fazem barão! Mas para onde, se me fazem visconde?”

- Brasão: O Quinas
Existem muitas classes e brasões dignos de registo em Portugal: operários, médicos, enfermeiros ou até de profissões mais “humildes”, como pescadores ou agricultores. Infelizmente, apenas uma profissão captura a atenção de Portugal: a de futebolista. Portanto, este pub chamar-se-ia o Quinas (Coat of Arms). Homenagem à bandeira de Portugal? Em teoria, sim. Na prática? Um bater de continência à Federação e à seleção de futebol. Na decoração, uma t-shirt assinada pelo Paulinho Santos, para dar mística.
- Objeto: O Cravo
Antes do 25 de Abril, este pub chamava-se “O Salazar” (The Spatula), nome que o dono tentou manter, alegando que um salazar é apenas uma espátula de cozinha. Até pendurou algumas atrás do balcão, mas a vizinhança não ficou convencida. Por isso, um pouco como a ponte 25 de Abril, o proprietário viu-se forçado a evoluir com os tempos e a mudar o nome para o “O Cravo” (The Carnation). Nos últimos anos, comenta-se que, olhando para a atual situação política, o nome original pode regressar.

- Animais: O Galo de Barcelos
Como bom filho do Mondego, o primeiro animal em que pensei foi a cegonha, por isso “A Cegonha e a Andorinha” (The Stork and Swallow). Nome bastante sólido, mas todos sabemos que há apenas um animal associado com Portugal. Por isso, este seria “O Galo de Barcelos”(Barcelos’ Cock). Antes que alguém se aborreça com a minha tradução – além de galo, cock, pode designar, em Inglês, uma parte da anatomia masculina, por isso traduções oficiais usam Barcelos Cockerel or Rooster of Barcelos – existem precedentes para este nome. Existem pelo menos 29 pubs com este nome no Reino Unido, incluindo o Ye Old Cock, mesmo no coração de Londres. Ou o Cock Inn em Cockfosters. Que se saiba, nenhum deles cantou depois de morto.

- Dois elementos: A Bota e a Perdigota
As possibilidades para combinações são infinitas como mostram algumas das opções estranhas no Reino Unido: The Cat and the Custard Pot (“O Gato e o Pote de Creme”) ou The Camel and the Artichoke (“O Camelo e a Alcachofra”). Combinando o surrealismo e a caça (outro tema de nomes), por que não abrir o “Bota e a Perdigota”(Boot and Partridge) em Portugal?Depois de algumas cervejas, já ninguém se importará se a bota não bate com a perdigota. Aliás, eu nem sabia que uma perdigota é uma perdiz pequena. Portanto, não seria apenas um nome, seria também uma educação.
Seja no Ye Olde Moelas ou na Perdigota, o importante é que haja sombra, cerveja fresca e uma boa história para contar. E, claro, não se esqueçam de beber água também!
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04/08/2025