Amazónia: entre a perfumaria e a revolução

 Amazónia: entre a perfumaria e a revolução

(Créditos fotográficos: Ricardo Stuckert – Presidência da República do Brasil)

Representantes de governos dos oito países que compartilham a região amazônica se encontraram em Belém do Pará, no Brasil, para uma reunião na qual discutiram a questão ambiental e a sistemática destruição da floresta. Encerraram com uma proposta de aliança regional para a proteção do território que, nos últimos anos, tem sofrido grande devastação por parte de fazendeiros, de madeireiros e de mineradores. É sempre bom frisar que é no chamado “pulmão do mundo” que se concentra cerca de 10% de toda a biodiversidade do planeta.

(otca.org)

Na ocasião foi lembrado que, desde a criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, há 14 anos, em 1995, os oito países que dela fazem parte se encontraram apenas três vezes e que, agora, mais do que nunca, diante da crise ambiental, é necessária a cooperação.

A reunião convocada pelo presidente Lula da Silva se coloca dentro do que já conhecemos como “ações ritualísticas” que, na realidade, não se constituem verdadeiramente numa mudança de rumo na relação com a floresta. Afinal, todos os países estão prisioneiros da lógica capitalista e, mais cedo ou mais tarde, acabam cedendo aos apelos do lucro. A região amazônica é rica em minerais, em terras raras e, atualmente, vem se convertendo num campo de exploração do lítio, mineral estratégico para a sustentação das novas tecnologias.

Encontro do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, com
a secretária-geral da Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica (OTCA), María Alexandra Moreira López, no dia 7 de
agosto, em Belém. (edup.ecowas.int)

Também vale a pena destacar que esta região pode vir a se tornar um espaço de disputa entre as grandes potências, justamente por conta destas grandes reservas de lítio. O ex-presidente da Bolívia (no período de 22 de janeiro de 2006 a 10 de novembro de 2019), Luis Arce, deixou isso bem claro quando lembrou Laura Richardson, a comandante do Comando Sul dos Estados Unidos da América (EUA), que, volta e meia, fala sobre a Amazônia e sobre a necessidade da sua “proteção das mãos dos russos e chineses”. Enquanto isso, os EUA seguem infiltrando os seus agentes por toda a região, seja no campo religioso ou das organizações sociais. Isso sem contar no campo militar, com os acordos reiteradamente mantidos com os governos.

Gustavo Petro, presidente da República da Colômbia.
(Créditos fotográficos: Juan Barreto/AFP – tsf.pt)

Como sempre acontece em encontros desta natureza, surgem muitas propostas que, por sua vez, são como uma espécie de eterno retorno. Cada vez que mudam os governos, voltam as velhas propostas que nunca saíram do papel. Gustavo Petro, da Colômbia, sugeriu a criação de um tribunal para julgar crimes ambientais e a troca de dívidas por ações climáticas. Dina Boluarte, a usurpadora do Peru, apontou a necessidade de frear a mineração ilegal.

Dina Boluarte, a primeira mulher a se tornar presidente do
Peru. (Créditos fotográficos: EPA – bbc.com/news)

Praticamente, todos os governantes destacaram a necessidade da participação das comunidades indígenas na proteção do território. Esta mesmo é uma proposta que, normalmente, não encontra amparo na realidade. Veja-se a criação de Belo Monte, entregue durante o governo de Dilma Rousseff ou a proposta de uma estrada cortando um Parque Nacional na Bolívia, durante o governo de Evo Morales. Há muito que avançar nesse caminho.

O ponto central do encontro foi a necessidade de união dos países para atuar na proteção da floresta, mas também para questionar o sistema financeiro mundial. Nada se ouviu sobre a questão principal que é a natureza do capitalismo, ou seja, a necessidade de avanço permanente carregando com ele a destruição sistemática. A vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, destacou a necessidade da soberania dos países na relação com as grandes potências. E esse foi um tópico que passou batido.

A vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, durante o seu
discurso na Cúpula da Amazônia. (noticias.uol.com.br)

Apesar de Gustavo Petro ter falado sobre a contradição que há entre a fala de proteção e a exploração petroleira e mineral que segue sendo permitida pelos países envolvidos, ele não deixou claro aquilo que o doutorando em Economia e membro do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), Maicon Cláudio da Silva, aponta como fundamental: a discussão sobre a destruição desigual. Os países ricos cobram ações de proteção dos países periféricos, mas são eles mesmos os que promovem a destruição. E o que fazem – muito bem feito – é proteger os seus ambientes regionais, deixando para a periferia do Mundo o ônus da destruição. Ora, trocar por créditos de carbono ou perdão da dívida não resolve a situação dos países que se encontram tomados por multinacionais explorando minérios, madeira ou energia, matando espaços e gentes.

(Créditos fotográficos: Twitter/reprodução – veja.abril.com.br)

Ao falar de soberania, Delcy Rodríguez buscou apontar o exemplo da Venezuela que nacionalizou a Petróleos de Venezuela S. A. (PDVSA), hoje estatal do petróleo. Ainda que siga apostando no petróleo, os lucros da empresa se prestam a fomentar o desenvolvimento nacional, quebrando assim a fórmula da destruição desigual. Hoje, no modo de produção capitalista, as grandes empresas vinculadas às grandes potências levam as riquezas e deixam o caos. É, simplesmente, assim. E é algo que acontece desde a invasão em 1492, ano que assinala a chegada dos Espanhóis ao continente americano.

A América Latina segue sendo exportadora de matérias-primas que se extraem sob o comando da destruição. “Se no contexto do capitalismo os países precisam explorar as riquezas para fomentar o desenvolvimento, haveria que se pensar no uso nacional desses lucros, como fez a Venezuela”, insiste Maicon Cláudio da Silva. Assim sendo, ainda haveria ônus, mas haveria também benesses para a maioria da população e, então, sim, se poderia pensar numa política de redução de danos. Agora, querer reduzir danos sem estancar a sangria é conversinha fiada e segue-se alimentando o monstro do capital.

Chico Mendes (appliedecologistsblog.com)

Um exemplo concreto do que poderia ser feito na Amazônia já foi apresentado por Chico Mendes, nos anos 1980, quando apresentou a proposta de um desenvolvimento endógeno e sustentável, com a participação ativa dos povos indígenas, ribeirinhos, trabalhadores. A floresta se presta à exploração racional, mas isso significaria mudar também o modo de produção. Afinal, como lembrava Mendes, ecologia sem política é jardinagem.

Vai daí que encontros como este que, agora, aconteceu em Belém e a carta de intenções tirada pelos governantes são, obviamente, algo válido e importante. Mas, se os países amazônicos não levarem em conta o processo de desenvolvimento desigual que impacta as populações, bem como a destruição desigual imposta pelos países ricos, as propostas caem no vazio. As mudanças climáticas afetarão toda a gente, com certeza, mas de modo desigual também. Os ricos sempre encontram formas de garantir conforto, enquanto os empobrecidos pelo sistema são engolidos.

O modo capitalista de produção é o ponto central. Avançar para outra forma de organizar a vida é a chave. Revolução. O demais é perfumaria.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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10/08/2023

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Elaine Tavares

Jornalista e educadora popular. Editora da «Revista Pobres e Nojentas», com Miriam Santini de Abreu. Integra o coletivo editorial da «Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos». Coordenadora de Comunicação no Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (no Brasil).

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