50 anos depois do 25 de Abril: Censura “global” aprisiona jornalistas
Hoje, os censores não são coronéis. Não usam lápis azul. Usam fatos caros, perfume de marca, palavras suaves e dão palmadinhas nas costas dos jornalistas, que são cada vez mais trabalhadores precários e mal pagos. Cinquenta anos depois do 25 de Abril, a censura e a auto-censura é feita através de um apertado preservativo económico que impõe o PU (Pensamento Único).
“25/4/74 (00:25. Hora dos Capitães). Os jornais que ainda mandaram provas à CENSURA – quando tocaram à campainha – os ‘coronéis’ tinham desertado dos seus postos. Horas antes tinham-se debruçado (preocupadamente) sobre a reunião dos bispos em Fátima, sobre uma bomba fictícia no BPA e sobre as 44 horas da semana dos caixeiros. Escaparam-lhes as reuniões e blindados da nova geração militar”, esclarece César Príncipe, em “Os Segredos da Censura”, obra várias vezes reeditada e de leitura obrigatória.
Para que se saiba que “a Censura/Exame Prévio foi uma organização policial criminosa encarregada de atirar a matar contra todas as construções sintácticas que se desviassem da gramática do regime, um regime de ricos metais e atrasados mentais”, como afirma este jornalista e escritor – sem dúvida, um dos melhores de nós –, no prefácio à terceira edição da aludida obra.
A Censura era o preservativo do regime fascista. Por isso, os jornais estavam impedidos de parir notícias em que se referissem surtos de cólera, suicídios, barracas, aumento de preços, guerra, drogas, gripes, fome, greves, fraudes e infidelidades conjugais. Também racismo. O país tinha um “Pai” – que alguns elegeram como o grande português – que não viajava, não adoecia, não sofria acidentes de viação; e alguns santuários, onde se zelava e zela para que o povo não saia dos caminhos das troikas. Isto é: para os coronéis e os “doutores” censores, o país real não existia. Mesmo que muitos dos seus cortes de lápis azul nos façam, hoje, sorrir.
Eis um exemplo retirado do já citado livro de César Príncipe: “13/3/72 (22:50). “Espancou a mulher e bateu nos polícias – CORTAR o bateu nos polícias”. Ordenou o Coronel Garcia da Silva, um dos esclarecidos censores, que, como a aqui se vê, não ficou nada preocupado com o espancamento da senhora.
Ou ainda mais este: “2/12/72 (23:30). “Reunião de merceeiros em Gaia. Pode ser publicada notícia. Mas é CORTADA uma parte das afirmações de um interveniente: ‘Os supermercados são considerados de interesse público e nós seremos ladrões? É assunto para CORTAR’. Ordenou um tal dr. Ornelas que, espertalhaço, já então percebeu que o país não tardaria a ficar nas mãos dos hipermerceeiros, como acontece hoje.
A Informação que hoje nos servem é, assim, a modos como o novo ópio. E é, também, em boa medida, uma Informação censurada e auto-censurada. Pelos interesses políticos de quem manda e pelos interesses económicos que serve. Eduardo Galeano, escritor, jornalista e humanista uruguaio, disse que o Mundo é, hoje, dominado por uma “ordem criminosa”. Uma ordem criminosa cujas “corporações controlando os governos de quase todo o planeta, dispondo também de instituições como o FMI, a OMC e o Banco Mundial para defender os seus interesses” leva a que, actualmente, “500 empresas detenham mais de 50% do PIB Mundial, sendo que muitas delas pertencem a um mesmo grupo”.
Uma ordem criminosa, que se apoderou da Imprensa mundial e a coloca aos serviços das suas estratégias ideológicas, económicas e financeiras.
Acontece com a generalidade da Comunicação Social, também ela na mão de endinheirados e de fundos que, embora muitas vezes sejam apenas meros testas-de-ferro, são zelosos cumpridores das ordens dos verdadeiros patrões.
A Imprensa – escrita, televisiva, radiofónica e muito daquela que hoje por aí vagueia – impõe a Censura, pois promove a auto-censura.
E manipula “inocências e consciências”. Vendendo a imagem de “vampes” e de VIP, das suas festas e dos seus carros. Tal “overdose” – de tão criminosa mediocridade, a que não são alheios também os muitos programas sobre futebol – tem consequências nefastas sobre as pessoas, nomeadamente sobre os mais jovens, que assim são formatados para que cresçam sem massa crítica e sujeitos a manipulações de inocências e de consciências.
Num mundo dominado pela ordem criminosa, de que nos falou Galeano, urge fazer uma Imprensa séria, alternativa, uma Imprensa de contra-poder. E não de “quarto poder”, como alguns defendiam e que, provam-no a História e os factos, acabou no quarto do poder. Ou seja, precisamos de um jornalismo de contra-poder, que mude o Mundo e nos faça reflectir, que nos dê uma outra visão e contrarie o PU que nos domina.
Mas essa é, hoje, uma tarefa financeira quase impossível. Explico: nenhum jornal de contra-poder sobreviverá através da sua venda; nenhum patrão o apoiará financeira e publicitariamente. Sobretudo, na Europa. Nesta Europa dominada por mercados e por mercadores que a encaminham para o maior retrocesso civilizacional de que há memória. Impondo uma censura global.
Os jornais em suporte digital podem ser a Imprensa alternativa de todos aqueles que recusam ser manipulados pela Imprensa do “quarto do poder”. Importa que os seus leitores contribuam para a sua sobrevivência. Lendo-os, divulgando-os, dispensando alguns euros do seu orçamento mensal em donativos que lhes permitam ser jornais livres da censura e da auto-censura.
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11/01/2024