Querida Rosa Mota

Quando a vi, pela televisão, entrar, há dias, no Pavilhão dos Desportos do Porto (aquela construção a que os portuenses ainda chamam de Palácio de Cristal), quando a vi entrar no pavilhão que agora tem o seu nome, voei para Paris onde, há 33 anos, assisti, também pela televisão, à sua entrada no Estádio Olímpico de Seoul para ganhar a medalha de ouro na Maratona feminina dos Jogos Olímpicos de 1988.

A presidente da Comissão Europeia, presente na recente cimeira de chefes Estado e de Governo da Europa comunitária realizada no Porto, a quem a Rosa Mota foi entregar a bandeira da própria União, Ursula von der Leyen não saberá que o sorriso com que fez esta entrega é igual ao sorriso que acendeu quando sentiu que ia ganhar a maratona de Seoul. Sorriso que vi em directo, altas da madrugada em Paris, por força da diferença horária.

Eu estava no Hotel de France et Choiseil, na Rua de Saint Honoré. Estava em Paris a acompanhar o presidente Mário Soares numa “rentrée” que contemplou a inauguração, no Grand Palais, de uma exposição de Helena Vieira da Silva, com visita guiada pela própria pintora a um grupo que além de Mário Soares incluiu o presidente francês François Mitterrand, os ministros franceses Jack Lang e Roland Dumas, o casal Azeredo e Madalena Perdigão (da Gulbenkian), os embaixadores Gaspar da Silva e José Augusto Seabra e, se me lembro, Eduardo Prado Coelho.

Foi nesse hotel que me comovi, até às lágrimas, a vê-la, em directo, pela televisão, ganhar ouro olímpico. – “C’est la portugaise”, gritava, rendido, o jornalista do canal francês que sintonizei. A Rosa Mota não se lembrará mas eu já lhe contei esta minha fraqueza um dia em que me cruzei consigo, se a memória não me falha, numa iniciativa inserida num Dia Mundial da Criança. Fraqueza que revivi, há dias, com a sua entrada no Palácio de Cristal, ou melhor, no agora Pavilhão Rosa Mota. Pavilhão que, ainda por acabar, em 1952, um ano antes de eu nascer, foi palco de um Mundial de Hóquei em Patins, em que Portugal sairia vencedor.

Voltando à inesquecível maratona feminina dos Jogos Olímpicos de Seoul, testemunho que a prova foi seguida pelos portugueses com muita emoção. E todos, ou quase todos, que a viram em directo na televisão, sentiram que essa sua vitória era também deles. Falo por mim que adormeci em Paris agarrado a essa medalha de ouro, como se tivesse sido eu a ganhá-la. Ainda tenho, algures, o recorte da edição do Le Monde onde está registado essa glória. Até no Le Monde, que é aquele jornal sóbrio que sabemos, até no Le Monde foi notícia de primeira página.

Há dias, quando a vi, no Porto, “recriar” o momento da vitória de Seoul fui à procura desse recorte mas não o encontrei. Estará, espero, no meio de outros papéis guardados mas continua a ser um dos exemplares mais importantes da minha colecção de recortes de jornais e outras coisas mais. Eu é que ando, quase sempre, aos papéis, como digo quando sou apanhado, desprevenido, num comovente exercício de memória ou até, nas papelarias, a comprar cadernos para aguarelar ou para escrever postais como este.

Sempre a admirá-la

Júlio Roldão

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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