Caro Dr. Francisco Rodrigues dos Santos, presidente demissionário do partido do Centro Democrático Social (CDS),
Há um ano, no dia 31 de Janeiro de 2021, comprei, na cidade italiana de Vittorio Veneto, um exemplar da edição em papel do il Giornale que trazia na primeira página um artigo de Francesco Alberoni, sob o sugestivo título “Il mondo si conquista con i sogni” (O mundo conquista-se com sonhos).
Fiquei, como então reconheci, surpreendido por ver Francesco Alberoni, o autor de “Enamoramento e Amor”, a colaborar em jornais associados, directa ou indirectamente, a Berlusconi. Jornais como il Giornale e il Corriere della Sera, onde Alberoni escreve regularmente.
Reflectindo mais tarde, reconheci que, numa Itália que já viu definhar algumas das mais poderosas siglas políticas (como a do PCI, de Partido Comunista Italiano, e a da DC, de Democrazia Cristiana, os dois grandes partidos do compromisso histórico de Berlinguer e Moro), nessa Itália onde estes dois partidos, outrora hegemónicos, quase desapareceram como forças eleitorais, até Alberoni pode namorar os nacionalistas do Fratelli d’Italia.
Há um ano, caro dr. Francisco Rodrigues dos Santos, não imaginava enviar-lhe este postal aberto a reconhecer-lhe mérito pelo seu difícil discurso de derrota, na hora em que o seu CDS perdeu representação parlamentar ao fim de 47 anos. Tudo isto num processo algo parecido ao de Itália, onde comunistas e democratas cristãos, em tempos aliados no combate ao fascismo de Mussolini, viram o PCI e a DC definhar, ideologicamente e eleitoralmente falando.
Como já disse, reconheço mérito ao seu difícil e obrigatório discurso de derrota. Outros, na mesma situação, não foram tão corajosos. E não me refiro só a dirigentes políticos. Neste mundo global e totalitário (nas palavras do jornalista Serge Halimi), nós, jornalistas e intelectuais, também devíamos proferir discursos de reflexão sobre o futuro. Podemos, ou não, ainda jogar o papel do contrapoder, dando voz aos sem voz, reconfortando os que vivem na aflição e inquietando os que vivem no conforto, quando muitos dos nossos pares (jornalistas) parecem estar unidos no apoio aos mercados financeiros e à ortodoxia liberal?
Como espero que reconheça, essa ideia de ir longe na política, alimentada pelos media, é intolerável. Tem aquele sabor desagradável a carreirismo politico e parece perder o Norte da nobreza que existe na tarefa de cuidar a coisa pública, que é o que significa a palavra República. Esta implícita desvalorização da acção política ajuda a favorecer a ideia, dominante entre os portugueses, que considera os políticos todos iguais, o que, implicitamente, equivale a dizer que todos são interesseiros ou mesmo corruptos.
E, no entanto, seria suposto e desejável que uma parte significativa dos políticos, de todos os partidos, defendessem as respectivas posições sinceramente convencidos de que elas são as mais convenientes e oportunas para o país que servem.
Tudo isto sem condicionamentos ideológicos, como os que temos vindo a sentir nos últimos anos, com as vicissitudes sofridas em experiências políticas de liberdade que degeneraram e que fizeram com que as forças mais progressistas tivessem de dar alguns passos atrás, muitas vezes sem vislumbrar o momento certo para inverter este sentido.
Vivemos tempos difíceis, mas não podemos perder a esperança de que melhores dias virão.
Inesperadamente,
Júlio Roldão
31/01/2022